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22 de jun. de 2015

Nisso reside a nossa grandeza


Decididamente o Brasil é um país que optou pela misericórdia.  Devemos nos orgulhar disso. Acho que temos um crédito estratosférico com o Altíssimo.

Meu Deus como somos bons! Há uma convulsão social todas as vezes que alguém tenta endurecer contra o crime. Esses dias uma jornalista quase foi linchada por dizer que bandido merecia pagar pelo que faz.  Nosso coração de mãe prefere sofrer, chorar e morrer no lugar deles do que ver nossos pobres marginais sentindo o peso da lei.

O que mais chama a atenção do nosso nobre povo não é a injustiça sofrida pela vítima mas sim a vida dura do agressor. A infância, a fome, as drogas, o abandono, a falta de oportunidades. Também acho muito triste. Mas observo que tristeza por tristeza, o lado da vítima toca mais meu coração. Mas sou minoria. A tristeza do bandido toca muito mais o coração brasileiro do que a história sem graça da empregada doméstica que sai de casa ainda no escuro para trabalhar, dá duro o dia inteiro e quando volta pra casa ainda é assaltada ou estuprada. Ou o drama manjado do bancário lotado de prestações pra pagar que tem o carrinho roubado e a cara quebrada na volta do serviço. Todo dia a gente ouve essa ladainha, de forma que nem comove mais. A vida dura do bandido é muito, mas muito mais tocante! A mãe irresponsável, o pai maconheiro, a avó maluca, o irmão traficante, a violência, o abuso... Aí sim dá vontade de chorar. Já a empregada doméstica ou o eletricista assaltado são dois otários que estavam na rua errada no horário errado.

No Brasil as pessoas preferem que o bandido responda o processo em liberdade. Se não tiver jeito e ele for preso, que saia rapidinho por bom comportamento.  Nosso povo preferem acreditar que se formos condescendentes o bandido vai amolecer o coração e assim estaremos cooperando para a sua ressocialização. Quanto menos punição, mais arrependimento. Linda teoria! Só falta comprovação na vida real. Mas é bom ter esperança e acreditar em coisas bonitas.

Ah se todos tivessem oportunidade!  Pra que lembrar dos boyzinhos que sempre tiveram tudo e mesmo assim barbarizam?  Acreditar em sangue ruim é acreditar que existem casos que não podemos solucionar. Preferimos então crer no que nos dá mais alegria. Tá certo.   Odiamos as histórias de mauricinhos malignos ou patricinhas psicopatas porque essas histórias desmantelam nossa teoria simplista de que pobreza é culpada por tudo.  Tese boa mesmo é a que explica tudo só com meia dúzia de frases decoradas.  Não há encanto algum em acreditar que gente ruim é gente ruim, esteja onde estiver.  Somos tão bons, mas tão bons, que não acreditamos que exista maldade no mundo. Tudo é "culpa da sociedade", culpa das estrelas, culpa do governos, culpa dos capitalistas... Jamais a culpa é do bandido. Nunca se esqueça disso: eles são produto do meio e só quem tem culpa é quem não é produto do meio - tipo nós.

Fico pasma com a nossa bondade.

Todos sabemos que justiça, mas justiça mesmo, é olho por olho e dente por dente. Só que justiça é pesada e dura!  Justiça, pra ser justiça, tem que ser pra todo mundo, então é melhor abrir mão dela antes que ela se volte contra nós. Eu também quero cometer minha infraçãozinha impunemente. Quem não quer?

Justiça, mas justiça mesmo, é uma coisa muito medieval. Nós, os brasileiros, estamos convencidos de que já passamos dessa fase. Basta olhar para os nossos hospitais, colégios e favelas para vermos o quanto somos evoluídos.

Lembra de antigamente? Era olho por olho e dente por dente. Mas como não pudemos digerir a ideia de que o bandido viesse a ser castigado com a mesma agressão que causou, optamos por prendê-lo. Só que não temos conseguido providenciar prisões suficientemente confortáveis para eles, então a ideia de prisão passou a também ser considerada cruel.  Ah: castigos físicos também são cruéis, portanto inaceitáveis. Trabalhos forçados nem pensar: e se  fosse seu filho!? Melhor não castigar. Bom mesmo é "ressocializar".   Só não sabemos bem como fazer essa transfusão de cérebro, mas deixa pra lá.

Não sei se você reparou mas até aqui só levamos em consideração as necessidades do bandido, não das vítimas. Mas tudo bem, é assim mesmo. Não importa como nos sintamos; o importante é que não sejamos cruéis com eles. Nisso reside a nossa grandeza.

Enquanto a gente não decide qual a melhor forma de tratar o agressor, o jeito é prender (pra não parecermos muito otários) mas soltar logo depois (pra não parecermos muito desalmados) . O arranjo me parece perfeito! Diminuímos a pena, abrandamos a Lei, criamos  o regime semi aberto, o aberto e o arreganhado.

No Brasil é perfeitamente possível o sujeito cumprir pena privativa de liberdade em liberdade. É algo como subir pra baixo ou descer pra cima.

Nisso tudo só existe um problema:  que a justiça é dura e custa caro todos sabemos mas esquecemos que a misericórdia também tem um preço e não é nada barato.

Se a justiça, com toda a sua dureza, traz o medo, a impunidade com toda a sua leveza traz  terror.  A justiça tem seu peso mas a misericórdia também tem. Anote essa frase aí.

Jesus teve misericórdia dos pecadores. O resultado é que foi crucificado no lugar deles. Esse é o centro da doutrina cristã: o pecado não sai de graça, nunca. Alguém paga. Ou, no linguajar dos economistas, "não existe almoço grátis". A misericórdia sai caro para o misericordioso, meu amigo. Alguém acaba pagando a conta e se não for o bandido, vai ser você. Sem diminuição de pena.

É emocionalmente pesado para o brasileiro dar o troco ao criminoso, até porque em quase todas as nossas famílias há um bandidinho de estimação.  Você não quer que ele sofra, quer? Pois então! Deixemos a justiça de lado.  Justiça é coisa de gente grosseira, de povos bárbaros, ignorantes, que desconhecem as mais novas doutrinas do Direito. Não somos selvagens nem cruéis como os japoneses, norte americanos e europeus. Vamos mostrar a eles o que é ser evoluído!


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