Bem, esse era um homem bom, esforçado e trabalhador. Do tipo "pra casar". As ferramentas ele tinha, pelo menos. Como eu sei? Bem, ele estava logo ali, à minha frente. Prestativo e companheiro, carregava com muito cuidado e dificuldade um enorme pacote que até hoje desconheço o conteúdo. Aquele pacote parecia tão incômodo de transportar! A tarefa era manter aquele pacotão delicado com uma mão, manter o cartão de embarque e documento de identificação na outra mão e empurrar a malinha com o pé. E ele parecia tão cônscio da importância do que fazia e tão disposto a continuar fazendo sem reclamar, que isso tocou meu coração. Não parecia mal humorado, só um pouquinho cansado. Claro que era um bom homem! Do tipo que não se cansa fácil e, quando cansa, só nota depois. O melhor homem em um raio de cem metros, decidi. Gostei dele.
Vejam vocês o poder da imaginação. Do nada a gente rotula e determina quem presta e quem não presta, numa escaneada só.
O que havia dentro daquele pacote me instigou e a curiosidade incentiva a criatividade. Eram enfeites de Natal? Doces finos? Taças? Brinquedo desmontável? Roupa de bailarina? Patins? Patins não, não são frágeis nem volumosos. Fiquei curiosa mas me contive.
O fato é que ele se esforçava para que seja-lá-o-que-fosse não balançasse nem derramasse nem caísse ou esbarrasse em ninguém. Não parecia ser uma bomba. Ele não era do tipo que transporta bombas por aí. Não com aquela cara de pai de classe média baixa apaixonado pela filha de nove anos e pela esposa seis anos mais nova e um pouquinho obesa. ( Meu Deus de onde tirei tudo isso?!) .
Pois ele tocou meu coração. Não era bonito. Nem feio. Apenas comum, com cara de pai.
Certamente se eu estivesse no lugar dele estaria já com cara de enfado e dor nas costas. E se alguém encostasse para conversar eu aproveitaria para reclamar ( " não sei onde eu estava com a cabeça quando concordei em levar essa tralha. Fazer fazer favor para os outros é uma tremenda furada e eu estou cansada, meus braços doem e bla bla bla." )
Bem que eu queria que quando alguém me olhasse ao acaso pensasse consigo "nossa, que mulher legal! Gente fina mesmo!" Mas eu não coopero. Tanto não coopero que não me ofereci para ajudar o Homem Legal. Como castigo estou até hoje sem saber que raios ele carregava naquele pacotão. E vejam: eu estou escrevendo sobre ele mas ele não escreveu nada sobre mim. Ele é o cara legal, marido de ouro, enquanto eu não passo de uma viajante que fica rotulando os outros.
Bem, caso não tenham notado, essa é uma crônica de "preconceito do bem". Isso existe sim.