E hoje me vi, depois de semanas, com a Ana Clara. Ana Clara no colo, na água, na praia morna, debaixo da luz. Muita luz.
E hoje me vi com aquele nó na garganta porque ela quis sentar em meu colo e porque os cabelos da Ana Clara tem um cheiro, assim, impossível de descrever. Irreproduzível. Talvez azul. Os cabelos dela fizeram aliança com o vento e às vezes leva a nossa alma pra longe. Num instante vi minha vida como quem voa e olha pra baixo. E como quem anda e olha pra trás. E como quem, na floresta, divisa uma casinha com luz ao longe e não sabe se fica alegre ou fica com medo.
Fico triste e fico alegre pelo que perdi e pelo que tenho. O coração sobre e desce, fica instável como qualquer coisa que o vento sacuda. Como qualquer coisa frágil e deslumbrada, nervosa e indecisa, que não sabe mais o que faz de si mesma nem como aquietar o coração.
A pele dela é macia. Macia e morena e ela ri pra mim. Gosta de brincar na areia: faz um bolo, enfeita com gravetos e canta "parabéns pra você". E rebola enquanto canta - você precisa ver! Mas ela não sabe nada, nadinha - mas é como se soubesse de tudo. É a fragilidade e a força, é pedra e bruma.
Só depois de um tempo é que vou pensar no passado e no futuro. Tudo porque o cheiro da Ana Clara me faz isso, me traz coisas. Fico pequena e confusa e viro uma tela em branco onde começa a projeção de várias histórias, vários filmes, várias vidas.
Que longo caminho o meu! Minhas vidas e personagens me caem no colo, tudo de uma vez. Preciso apreciá-los todos antes que se esvaiam.
Que longo caminho o meu! Não sei se andamos cada um em sua própria estrada ou se a estrada é uma só para todos nós. Só sei que nos perdemos e nunca mais nos achamos e tudo muda e não sabemos mais quem somos. Penso nas pessoas que me deixaram pela estrada, nas solidões, na minha mãe que me teve na barriga, no colo, nos braços e nas tantas vezes que me beijou. Talvez se eu pensar bem, se pensar com força, concentrada mesmo... talvez consiga trazer de volta o cheiro do seu hálito quando sua boca chegava perto do meu nariz. Eu ouvia seu coração. Penso e penso e penso... que alguém, algum dia, também já cheirou meus cabelos e beijou meu rosto e marcou minha alma e fechou os olhos e se encheu de ternura. E penso que tudo acabou, meus pais morreram e não há possibilidade alguma de eu inspirar isso em mais ninguém.
Penso e penso ... que as melhores coisas da vida não se anunciam nem se despedem e só nos resta catar os restos, os rastros e guardar os pequenos cacos em caixinhas.
Não sei mais separar felicidade e saudade daquela emoção simples da beleza . Essas coisas sempre me chegam misturadas, de forma que eu sofro e suspiro de amor e me sinto tão feliz ao mesmo tempo em que uma dor lá no fundo atravessa meu coração.
É confuso pegar a Ana Clara no colo e perceber a alminha dela. É como uma música linda, mas muito fina e afiada, me atravessando. Dói um pouco.
... e o vento bate e seus cachinhos fazem cócegas em meu rosto. Silêncio.
Do que vale a vida sem as aflições da felicidade extrema e sem o sofrimento das lembranças que são o nosso próprio fundamento? Não sei mais nada. Meu mundo é indefinível. Mas ainda existe a pele lisa da Ana Clara, o seu peso gentil, o sonzinho dos seus pés na lajota, a risada que te joga flores na cara. Ainda há cabelos harmonizados com o vento; cabelos que me contam histórias sentidas.
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