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8 de fev. de 2017

Funciona por um tempo


Primeiro a gente não faz exercícios físicos. Nunca. Não estamos nem aí.
Depois a gente admite que deve fazer exercícios, aí  faz. Por pura vaidade, sem se importar nem um pouco com a saúde porque ela vai tudo muito bem, obrigada. A máquina está funcionando de forma invejável e não dá nem sinal de que uma dia vá entrar em pane, mas... por que não melhorar e ficar mais bonita que nem a fulana de tal?  Bora pra academia. 

O tempo continua a passar e a gente vê que melhorou sim, mas daí não vai passar. Chegamos ao limite, definitivamente. A menos que aceitemos viver uma vida inteira de sacrifícios e privações homéricas. Não, não queremos isso. Hora de continuar a se exercitar mas não mais para melhorar. Agora queremos tão somente estacionar, ficar mais tempo nessa estação, tomar um suco, não correr atrás de nada. Só queremos usufruir o que conquistamos e respirar um pouco. 

Funciona por um tempo. Só que aos poucos vemos ser impossível segurar o tempo. Antes pensávamos estar segurando o tempo com nossos esforços mas agora notamos que aquilo tudo era só a nossa juventude. Na verdade não segurávamos nada.

Bem, agora estamos ainda nos exercitando mas ultimamente nosso corpo está decaindo mesmos assim. Aqui e acolá já dá pra notar uma traição de gordura, uma flacidez, um volume não solicitado. E agora? E agora continuamos. Simplesmente, porque é só isso que a gente tem feito e sabe fazer.  Ainda não inventaram nada melhor do que continuar, então a gente vai no automático. Não mais para melhorar, não mais para estacionar mas agora é para a coisa ir piorando um pouco mais devagar. 

Funciona por um tempo. Aí nos comparamos com aqueles que não trilharam o nosso caminho nem amargaram os nossos esforços. Ah, valeu a pena sim. Beleza. Mas agora a gente não consegue mais se livrar da seguinte pergunta: qual a finalidade de tudo isso? Houve um ganho real? Houve sim.   Mas e agora? Continuará havendo um ganho? 

Devagar a gente se permite uns deslizes maiores. Aí a gente vê que é muito, muito gostoso ficar mais tempo na cama, mais tempo no banho, mais tempo lendo ou vendo um filme. Descobre que dá muito mais prazer conversar com uma pessoa querida, visitar uma exposição, passear, fazer compras, experimentar uma receita nova. E tudo isso leva tempo, um tempo precioso que vinha sendo queimado na academia.  

Não, não dá mais pra administrar tantas atividades. Depois da academia vem o banho e o cansaço e quando a gente vê, o dia acabou. Definitivamente não temos mais disposição para fazer todas as coisas prazerosas juntamente com as necessárias. Simplesmente não temos mais energia nem motivação.  Os exercícios não vão deixar a gente mais bonita, apenas mais saudável. A estética, grande motivadora, não nos impulsiona mais. Já a questão da saúde não é motivadora: é apenas ameaçadora.  Lembrar dela o tempo todo não nos anima, mas nos aborrece e assusta, por isso frequentemente preferimos esquecer o assunto. 

Continuamos na academia sem expectativa de compensação. Estamos lá duas ou três vezes por semana apenas porque os médicos já nos ameaçaram como todo o tipo de doença. 

Funciona por um tempo. Só que cansa. Fugir da doença cansa tanto quanto fugir da feiura. Finalmente nos vemos obrigados a escolher entre o prazer com menos vida ou a vida com menos prazer. É nessa fase que as águas se dividem:  ou você pertence à tribo das pessoas que aprenderam a adorar alface, cafezinho sem açúcar e está viciada em exercícios físicos ou você pertence à tribo dos que jamais chegaram à tanto. Se não aprendeu a ser natureba até agora, aconselho a desistir. Ou vive de sacrifício ou desiste porque passou do tempo de aprender a gostar do "ingostável".

Escolhas... escolhas... Chega o momento em que a gente simplesmente chuta o balde e não quer mais saber de nada. Faz o que quer, come o que quer, quando quer, e por fim morre. Ficar feio é um direito, ficar lento é um direito, não querer sair é um direito, usar roupas largas é um direito, não querer se cuidar é um direito, morrer é um direito e não me encham o saco. 

É justamente nessa fase que os filhos começam a nos advertir para que plantemos uma velhice brilhante e saudável. Eles mal sabem que gastamos nossa juventude inteira em função disso mas cansamos. Encheu. 

É necessário que entendamos que chega um momento em que os velhos só querem mesmo ser velhos e morrer em paz fazendo o que gostam. Não devem ser ameaçados ou advertidos. Eles já fizeram a escolha silenciosa. Deixe-os em paz.

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