
Nossa, você já sabe que ela há de exigir que você vá à sua casa nessa semana ainda. E vocês duas hão de conversar horas e rir muito. Ela há de te mostrar seu guarda-roupas, fotos da gestação, da viagem de férias, do aniversário de casamento. Há de falar na nova dieta, dos novos cremes, do colesterol e da celulite. Vocês vão rir muito dos ex namorados e das inimigas mútuas do colégio. Que longo abraço!
Que longo, que solitário abraço! Demora uns segundo para você notar que teve toda a sua empolgação "amortizada" pelo abraço frio e frouxo que recebeu de volta. Você se afasta um pouquinho, passa as mãos nos cabelos dela e procura seus olhos esperando ver neles algum lampejo atrasado daquela vivacidade da qual você tanto se lembra. Nada. Sua grande amiga, aquela que sabia de todos os seus segredos, a menina linda que te emprestava roupas e contava dos foras que levou, ela está quase muda. Será que não te reconheceu? Reconheceu sim.
Tanto reconheceu que te cumprimenta pelo nome, pergunta como vai e diz "que prazer te rever!" Como "que prazer te rever"? Onde será que ela aprendeu a ser tão formal logo com você? Logo ela que te chamava de doida, que era chorona, tomava as dores do mundo, pedia satisfações e falava pelos cotovelos? Que desmonte foi esse que a deixou tão polida e embaraçada com o seu carinho, procurando aflita por palavras simpáticas que não lhe vêm naturalmente à boca?
Você vai ter que se conformar com essa perda. Sim, sua amiga morreu. Ou pior: ela nunca esteve lá, no passado, do jeito que você lembrava. "Tudo aquilo" talvez só tenha existido na sua cabeça. Ou aconteceu mesmo, só não era eterno como se supunha. Você vai ter que se conformar com o fato de nunca ter sido para ela o que ela foi para você. Vai ter que se conformar em voltar pra casa murcha depois desse papelão.
Ficou tão claro que o marido dela jamais tinha ouvido falar no seu nome! Poxa! Enquanto isso a sua família já ouviu mil histórias de vocês duas.
Dói. Você segue seu caminho sozinha, empobrecida. Ficou um vácuo, uma mancha na parede igual a quando a gente tira um quadro antigo que estava lá, pendurado há muito tempo. Seu passado precisa ser revisto...
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