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16 de jan. de 2022

E por fim... *

Por fim, haja o que houver, permanece aquela coisa  bem minha, lá dentro, firme como o ferro. É o nosso eu verdadeiro que ninguém consegue matar.  

Há ainda por debaixo de todas as camadas do tempo aquela pessoa respirando, como um bebê não desejado sufocado dentro de um espartilho. Há ainda, e pra sempre, esse alguém que nunca pudemos ser e ao mesmo tempo jamais deixaremos de ser.   

Pra sempre e enquanto houver vida, de vez em quando você pode esbarrar em você mesmo por aí. E vocês se olharão nos olhos. "- Por onde andou? Por que não se impôs?"  

Enquanto houver a possibilidade  de alguma música ou algum cheiro sutil te acordar esse ser virá a tona cheio de cobranças. Um lugar, uma cor de parede, uma camisa velha, um cheiro peculiar, um vulto livre naquela colina, um trem indo embora cheio de amargura.  As duas pontas do tempo se encontram e você vai acabar esbarrando consigo mesmo. Deve doer. 


"Ele", o seu EU adormecido, é como uma semente que vem à tona mesmo guardada em uma lata debaixo da cama. Ao menor sinal de sol, de ar e de vida pode abrir os olhos de novo. 

Enquanto a gente é jovem há sempre o consolo do que pode vir a ser.  A ideia de "algum dia talvez" ajuda a gente a viver. Sempre pode cair sobre nossas pobres cabeças algum milagre derradeiro. Pode haver algum cochilo dos vigilantes ou convergência de astros. Alguma coisa sempre pode dar tão errado mas tão errado que você de repente consiga pegar aquela ponta de fio solto e resgatar alguma coia para si. 

Mas e quando muito tempo já passou?  Dá até medo de que o milagre chegue atrasado.  A pior coisaa do mundo é um milagre  atrasado.     

E se tudo der muito, muito, muito errado mesmo e a vida te jogar no colo aquela pluma perdida que andou vagando pelo mundo? E se ela vier? O que você faria depois de tanta demora? A dor desse atraso seria tão dolorosa que só a morte serviria de consolo.

É estranho demais esse sentir, de que tudo o que não foi era a sua verdade, no final das contas.

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