Lá pelos quarenta anos a gente se olha no espelho, confere tudo e se promete: nunca vou envelhecer. Eu fazia essa brincadeira comigo mesma, de fazer-me esse juramento. Parecia divertido porque eu, de fato, me sentia ótima. Ótima com quarenta anos, ótima com quarenta e cinco, ótima com cinquenta. Meu Deus, eu me senti ótima por tanto tempo!
Só fui começar a notar a passagem do tempo lá pelos 55 anos. Só a partir daí admiti que as coisas estavam mudando.
Eu sempre disse que não me incomodava com o passar do tempo. Não era mentira. Como eu poderia me incomodar com algo que não percebia? Fiquei assim, nessa doce dormência, por vários anos.
Mas... os 50 foram passando. Sem alarde, mas passando. Então vieram os 56, 57, 58... Foi quando comecei a notar umas "pequenas imperfeições estéticas" aqui e acolá. Não me importei, afinal de contas até adolescentes têm imperfeições. Mas lentamente fui admitindo que tudo aquilo que eu chamava de "imperfeições" eram na verdade indiscutíveis sinais de envelhecimento. Aceitei com certa tranquilidade até porque a minha disposição não mudara e minha saúde continuava intacta. Nada daquilo era suficiente para que eu me sentisse velha. Apenas eu deixara de ser jovem. Isso não me parecia tão grave.
Até que um dia uma simples foto derrubou toda a minha auto imagem.
Eis que eu estava em um evento com pessoas tirando fotos aleatórias. Lá pelo final do dia desejei ver tais fotos. Foi quando me deparei com uma senhora. Não uma mulher, mas uma senhora. Claro, era eu no esplendor da minha decadência. Vi e conferi, de uma vez e sem anestesia, tudo o que deixei de ser e que agora sou. Vi tudo o que o tempo me fizera e que eu, até então, alegremente ignorara.Agora seria necessário alinhar as coisas: o físico com a alma. Não era possível ignorar tal revelação.
Sem fazer força alguma o meu espírito se vestiu de senhora. Eu nem tive tempo de pensar a respeito. Simplesmente aconteceu. Aquela camisolinha de cambraia desceu do céu lentamente, veio flutuante e com muito jeitinho encontrou o rumo da minha cabeça e desmoronou sobre mim se amoldando ao meu corpo muito gentilmente. Achei gostoso e me vi então sem os espartilhos. Houve um realinhamento interior. Era algo como uma despedida destrambelhada mas que se tornou confortável com a descida da camisolinha branca.
Nunca mais consegui me sentir da mesma forma. Agora abraço sem muita relutância algumas novas tentações; a tentação de pensar que posso descansar o quanto quiser, que a magreza não é mais uma dívida que tudo passou, não vou melhorar mais, não preciso mais me sentir culpada por não ir para a academia. Toda gordura será perdoada, toda flacidez está justificada, "você fez o que pôde, a gente entende, agora relaxe vovó". Não preciso mais sentir incômodo nem culpa nem obrigação de coisa alguma. Posso deixar tudo escoar nessa ampulheta fatal.
Já não terei mais aquela angústia, tão comum aos jovens, do medo de estar jogando a vida fora. Isso não cabe mais. O que vivi, vivi e se não quero mais "aproveitar", ok. Não estou jogando nada fora. Já bebi o cálice. Não há mais nada diante de mim que seja tão incrível que não possa vir a ser desperdiçado.
Certamente a juventude pesa. Pesa de várias formas e começo a me sentir aliviada dos seus fardos. Não "tenho que" mais nada e não aceito certas cobranças. Essa é uma boa compensação para a beleza que perdi. E aquela bobagem de evitar certas roupas, certos sapatos e certos costumes por ser "coisa de velha"? Essas bobagens colavam em mim e eu nem notava o quanto eram incômodas.
Pois então abracei com alegria todas as generosas desculpas que a vida jogou no meu colo. Preguiça é permitido. Tenho o direito, pessoas idosas cansam mais mesmo. Engordei? Sim, e você queria o quê? Faz parte. E na suas idade eu estava melhor do que você. Não quero ir hoje para a academia. Não vou. E mesmo que eu vá não vou virar Garota Verão então dane-se.
E tem mais! Sinto nos mais jovens uma certa disposição em relevar certas coisas, meu jeito ou algo que eu diga, assim como eu relevava as manias e falas da minha avó. Isso também traz conforto. É mais uma almofada que a vida coloca gentilmente nas nossas costas.
Essa é a parte boa mas é bom lembrar que é de desculpa em desculpa que uma pessoa desmorona. É isso que eu quero? Não. Ainda me sobrou uma dose de vaidade. Então entre o conforto das desculpas e o medo do desmoronamento vou me cuidando, me equilibrando entre a rebeldia e o auto cuidado. Ainda frequento academia.
Nem sempre sou minha amiga. Vez por outra ainda me lanço o "fogo amigo" da auto crítica inclemente:
"- Pare! Pra quê esse batom ridículo? Vermelho não vai mais ficar bem em você. E pra quê outro par de brincos? Eles não vão te melhorar em nada. Vista qualquer coisa, ninguém se importa. Sim, esse anel é lindo mas em sua mão só irá reforçar o fato de que a pele envelheceu. Que alegria pode haver em coloca-lo em suas mãos enrugadas? Não vai ter o mesmo efeito da juventude, querida. E convenhamos: você realmente não precisa de mais outro vestido. Qualquer coisa que você vista não farás mais diferença. Acabou." Em várias ocasiões, mesmo com dinheiro na bolsa, já deixei de comprar anéis e vestidos por causa disso.
O consolo é que essas flechadas ácidas continuarão tendo influência sobre mim só por mais um pouco de tempo. Estou caminhando para aquela fase do "tudo posso".Minha realidade agora é essa cadeira de balanço mental, que oscila entre o conforto da condescendência e a auto crítica cruel, entre a rebeldia e o auto cuidado. Vou para a varanda da vida mais ou menos resignada, sem saber direito se esse vai-e-vem é ou não é para deixar no automático, se é ou não é para ser assim.
Cadeiras de balanço não servem como símbolo de indecisão mas de descanso. Acho melhor eu abraçar essa compreensão.
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