Qual o melhor amigo de uma escritora? O papel? O computador? O gravador? Um professor? No meu caso vou confidenciar a vocês: meu "muso" inspirador é o meu carro. Decididamente.
Naquela caverna de lata, embalada pelas irregularidades do asfalto, sinto-me segura, inserida no mundo e ao mesmo tempo refugiada dele, uma expectadora curiosa mas intocável. Juntando-se a isso a dificuldade de correr devido ao trânsito, sou forçada a ter calma e relaxar. Essa convergência de fatores fertiliza minha a mente. Minhas mãos estão no volante mas o corpo, quase totalmente estático, é levado a uma postura propícia à meditação. Ah... Aí então reflito, relembro, questiono, formulo, enterneço-me, adoto causas, descarto causas, dou razão a uns, condeno outros, perdôo quase todos. E ainda retoco o batom.
Ultimamente quase não estou escrevendo. Chato isso. A maioria das postagens que vocês tem lido são jurássicas, pois foram programadas há semanas. O culpado por esses brancos não é o meu carro, mas um outro fator misterioso. No carro, como já expliquei, sempre tenho ótimas idéias. Quando engarrafo então, é a glória! Os textos me vêm aos borbotões, as palavras pingam fartamente sobre sobre o painel, escorregam pelo volante e se aconchegam meigas em meu colo. No sacolejo emendam-se em fileira como pequenos ímãs que por sua vez se irmanam em parágrafos e por aí vai. O mundo passa então a fazer sentido e borbulham dentro de mim frases redondas, exatas, que imploram para vir à luz. Elas querem nascer! Sou mãe!
Quando chego ao meu destino já estou com o texto pronto e corrigido. Desembarco, bato a porta do veículo feliz da vida. Então aciono o alarme - plim-plim! - e o meu cérebro entra em curto. Esqueço tudo.
É frustrante. E é um mistério como não consigo lembrar de jeito nenhum daquela idéia tão cara construída ao longo do percurso. Mesmo que eu retorne quinze minutos depois não adianta nada: os textos não estão mais lá. Evaporaram, foram abduzidos. Espero que não estejam sendo atraídos pela órbita de outro blog...
Preciso culpar alguém... Pois agora me ocorre que o plim-plim do alarme talvez exerça um estranho poder narcótico sobre minha memória. Como uma varinha de condão, como o estalar de dedos do psicanalista que interrompe uma seção de hipnotismo. Só sei que nessas idas e vindas já escrevi e perdi livros inteiros!
Sabe, eu acho que vida da gente é cheia de plim-plins que mudam os rumos do nosso pensamento, que dobram nossas vontades e espanam as melhores decisões da nossa cabeça. As coisas vão bem, já decidi que não vou mais ingerir carboidratos a noite e vou tratar melhor os flanelinhas. Tá decidido, ponto final. Aí acontece um plim-plim que me faz esquecer tudo e voltar a ser a mesma cabeça oca de antes. Assim fica difícil evoluir como ser humano, não é mesmo?
Antes que alguma coisa aconteça vou logo dizendo: nada há mais relevante nessa vida do que descobrir onde está o detonador dessa bomba. A pergunta é: qual é o plim-plim que interrompe tudo e nos leva sempre ao ponto de partida?
O quê é que sempre acaba acontecendo e, quando acontece, representa o fim do que estava nascendo? É uma pessoa? Um toque de celular? Um pensamento recorrente? O ruído do cartão de ponto? A ladainha de alguém? Você, eu, nenhum de nós vai subir mais nenhum degrau na escala da evolução se não descobrirmos o que é que está nos interrompendo. Quem está roubando nossas resoluções e idéias brilhantes?
Por hoje é só. Acho que já te iluminei o suficiente por hoje.
Quer mais? Vá dar uma voltinha de carro pra ver se funciona com você, vai!
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