Não estou conseguindo. Sério, não consigo mais. Há coisas que escrevi há anos e nem eu mesma acredito que fui eu que pari a criança. Esses dias fui com o cursor do mouse até o final da poesia para ver se eu mesma havia escrito aquilo ou se constava ao final do texto os créditos do verdadeiro autor. Mas não, não havia crédito de outro. Era eu mesma, a Cristina, quem escreveu. Nossa, que surpresa! Sério mesmo?
Acho que esqueci o frasco do perfume aberto. Ou muito mal tampado. Senti saudade da antiga fragrância mas tudo que encontrei foi um pouco de líquido amarelo-escuro no vidro. O líquido estava um pouco mais denso e com o cheiro drasticamente diminuído... e um pouco alterado também. Cheiros deveriam ser sagrados.
Deixei o frasco aberto por muitos anos. Que descuido!
Eu mesma me sinto assim, gasta e cansada e não há erro maior do que tentar fingir que ainda sou a mesma. Mudou tudo. Não me reconheço. Isso tem um lado bom porque é necessário uma dose bem grande de angústia e inquietação para escrever alguma coisa bonita. Tem que doer pelo menos um pouco. Agora, por exemplo, está doendo um pouco. Só por isso estou conseguindo escrever.
A felicidade é desajeitada demais. E distraída. Não registra nada, perde as anotações, esquece a chave e sempre está com pressa. Já a paz é menina preguiçosa, satisfeita, que não quer ser incomodada. Ok, é justo. Chega de dramas e alaridos. Chega da balbúrdia das vozes internas. A paz só admite sons externos, que não clamam nem reclamam, só sinalizam. Em suas reconfortantes repetições os sons comuns deixam bem claro que a vida continua e sem suspenses.
Sobra o que interessa: o som da split velha, do caminhão de lixo, do gato, da lavadora centrifugando, da construção do outro lado da rua, da panela de pressão fazendo feijão. Sobra o comum, o que não encanta nem incomoda. Sobra a deselegância das pantufas de quem não se importa mais. O visceral sumiu - e quem sou eu para dizer que isso é ruim?
Não estou reclamando! Eu só queria conseguir transpirar mais um último soneto. Só mais uma rimazinha gentil. Só isso.
Pois tá aí: esse é o meu draminha de final de tarde.
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