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17 de abr. de 2018

Transbordou

Usar o termo "transbordante" para se referir a qualquer coisa costuma  evocar algo positivo.  Traz uma ideia de saciedade borbulhante, farta mas leve.  Transbordar é tudo o que se quer, exceto quando estamos falando de paciência.   Há sim o transbordar  negativo.  É quando  alguma coisa "enche", não cabe mais dentro da gente

Pois o Facebook "transbordou".  Meu relacionamento com ele hoje é de "separação de corpos". Não sei ainda se chegaremos ao divórcio, mas está perto.

Nunca vi um ajuntamento de gente com tanta dificuldade em interpretar um texto, seguir uma linha de raciocínio ou ser contraditada. Não me sinto capaz de  continuar "ouvindo" que  defender um ponto de vista  equivale a "desrespeitar a opinião alheia". 

Mas não foi só isso que me cansou.  Cada defeito dos outros aponta para os meus próprios e isso foi me deprimindo aos poucos.  A cada raiva eu me sentia um verme.  Então imagine você quantas vezes por dia me senti assim. Sou meio neurótica, "meio culpada de tudo", então é cruel essa auto análise diária e forçada.  Se o sujeito é chato considero que chata posso ser eu, que não o acolho dentro de mim com paciência. Se me aborreço com quem não aceita críticas me pergunto por que isso me irrita? E daí que o cara seja imaturo?  Novamente a vilã sou eu.  Posições políticas,  equívocos de interpretação, precipitações, inconveniências, chatices gerais, tudo isso aponta também para mim, que  me irrito quando tudo que eu queria na vida era ser um mar de serenidade e simpatia.

E as eternas discussões insepultas? E os meus brilhantes argumentos que já me enojaram de tão repetidos e inúteis?  Pois ninguém está lá para mudar de ideia mas para expor ideias eternamente, incansavelmente, pelos séculos dos séculos amém.

E a opinião que ninguém pediu? E indireta? E a felicidade falsa? E a feiura cinicamente elogiada?  E a vontade de dizer que o brega é brega?

Fora os assuntos repetitivos temos também os assuntos do momento. De dez em dez dias aparece um escândalo ou piada ou vídeo incrível que eram para trazer baforadas de novidade ao ambiente mas por serem tão exaustivamente comentados ficam logo com cara de velhos.  O vídeo do momento, o escândalo, a mancada da vez, tudo é remastigado por dias.

Na verdade nada disso é bom nem mau. Só que enjoei. Além do mais todos achamos razoável que uma pessoa "recolha" as próprias imperfeições debaixo de uma roupa ou maquiagem estratégica. Pois meu recolhimento pra fora do Facebook equivale a vestir um belo vestido para esconder as "celulites da alma".   Isso porque entrei em crise. Aos poucos fui me sentindo disforme, inconveniente, má, passional. E essa passionalidade é pesada pra mim. Estou em crise com o que sou, o que sinto, com o país e o  planeta.  Tá tudo me espetando.  O país corroído por todo tipo de sífilis social e eu condenada a apenas assistir e protestar  em libras?  Chega. Preciso tirar férias dessa coisa.


6 de abr. de 2018

Reis e rainhas

Quem me conhece sabe que sou fascinada pela história da monarquia inglesa. Sei lá por que.  Talvez isso seja até meio bobo e te dou todo o direito de me criticar.   Mas acho que isso tem  tudo a ver com o fato de que, quando era criança, eu vivia  envolta em histórias de princesas e fadas.  Adorava os contos.

Bem, esses dias eu estava assistindo um vídeo sobre a rainha Elizabeth I e a rainha Mary, da Escócia.   A história é longa e bem interessante mas uma das coisas que me chamou a atenção foi o fato de que, comprovadamente, Elizabeth não queria executar a rainha Mary. Mary fora condenada à morte por conspirar contra a vida de Elizabeth.  Acontece que Elizabeth gelou com esse abacaxi nas mãos por que certamente se lembrou do que significou para si a morte de sua própria mãe, Anna Bolena, decapitada a mando de seu pai, o rei Henrique VIII.  Elizabeth deve ter sofrido muito com isso e deve ter  execrado  tanto o mandante quanto os executores da sentença. Deve ter odiado seu próprio pai. Sei lá. Mas de repente, por uma tremenda ironia do destino, ela se vê em situação semelhante, tendo que decidir sobre a vida de uma mulher.  Não uma mulher qualquer mas uma rainha, uma legítima "ungida".  Isso foi emocionalmente muito pesado para ela.  Mas analisando a sequência de fatos Elizabeth não poderia ter  agido de outra coisa. Ela postergou o quanto pôde. Demorou, pensou, rezou, mas não teve jeito: assinou. E Mary foi decapitada.

Isso tudo pra dizer que a gente costuma pensar que os poderosos são de fato poderosos.  Teoricamente sim, mas não de fato.  Há toda uma cadeia de interesses e pressões e consequências que não pode ser ignorada. E nessa cadeia o tal "poderoso" nada mais é do que um fantoche.  Não sei quantas pessoas xingaram Elizabeth. Não sei quantas outras a pressionaram para autorizar a execução. Mas o fato é que ela foi obrigada a fazer algo que, definitivamente, não queria, e isso lhe pesou em demasia.

Até onde podemos crer que os poderosos de hoje realmente poderiam agir de outra forma?  Quem será que os pressiona? Quem monta neles, às escondidas, e lhes dá as ordens? Como garantir que neutralizar a própria consciência não seja a única forma de não morrer de angústia? E uma vez desativada a consciência, quem me garante que seria possível ligá-la de novo?

Há caminhos sem retorno. O caminho do poder, o caminho da maldade.   O poder nada mais é do que o lugar onde a pessoa descobre que quem tem realmente poder, não aparece. 

Acho que de todas as etapas que se precisa vencer para chegar ao poder,   uma delas se chama "vender a alma ao diabo".  E não sei a partir de qual momento é impossível voltar atrás.

Não digo isso para justificar nada nem ninguém. Ma acho que não considerações válidas. Um poderoso que se vê obrigado a tomar uma decisão, de fato não a tomou. Apenas obedeceu.

Queria poder ouvir cada autoridade desse país e do mundo. As coisas devem ser bem piores do que imaginamos.   Acho até que alguns "não largam o osso" simplesmente porque não podem fazê-lo.


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