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28 de jul. de 2014

O grande sono e a pequena morte




Dormir é morrer um pouquinho. Precisamos entender que esse rosário de  "pequenas mortes"  tem um propósito: preparar-nos para "o grande sono".

A "pequena morte" nos pega pela mão todas as noites quando estamos narcotizados pelo cansaço. Então saímos por aí meio zonzos. Pra quê? Só pra começar a gostar do mistério. Pra dar curiosidade.

O fim do dia, com todo o seu cansaço, é uma parábola.

Não costumo questionar a brevidade da vida nem a inexorabilidade da morte. Creio na vida depois da morte, de forma que isso não me intriga. Mas um dia me flagrei com um questionamento bem semelhante ao dos nobres incrédulos: embora eu não me indigne com a brevidade da vida, é certo que me chateio com  a brevidade do dia. Muitas vezes cheguei em casa depois do trabalho e perguntei às paredes qual o sentido de trabalhar o dia todo para, no final das contas, ir dormir?  Foi pra isso que corri o dia todo?

Quando estou liberada dos meus afazerer para desfrutar algumas horas como eu quiser, sou quase sempre vencida pelo cansaço. Aí então nada me parece mais atraente do que um banho, um perfume e meus lençóis.

Por quê, quanto finalmente temos tempo, falta-nos a disposição?

Essa falta de disposição do final do dia não seria uma miniatura da falta de apetecimento no final da vida? E não deveríamos ser gratos por ser assim?

Acho que o cansaço da noite é uma maneira que Deus inventou para entendermos como a coisa funciona. No final das contas não somos perseguidos pela morte da mesma forma como não somos perseguidos pelo sono: nós é que nos entregamos a ele porque queremos e ainda achamos muito bom.

Dia a dia somos alfabetizados pelas exigências do dia e da noite: essas graciosas miniaturas da vida. Assim como uma noite de sono é o grande prêmio pelos nossos trabalhos, a morte também. Ela é uma espécie de aposentadoria; o justo reconhecimento para quem ralou muitas décadas e merece se refugiar num spa de luxo.

Você pode achar um prêmio muito fuleiro mas não é. Nada é mais atraente, para quem está cansado, do que uma proposta de descanso.

Depois de tantos afazeres seremos brindados com alguns "anos vagos" nos quais poderemos fazer o que bem quisermos. O nome disso é velhice. Mas o que vamos querer fazer nessas derradeiras "oito horas" da vida?    Essas  "oito horas" podem ser comparadas a uma virgem que fica sentadas à frente do namorado esperando que ele saiba muito bem o que vai fazer com ela.  Entre tantas opções de comportamento ela vai mesmo preferir apenas "deixar-se possuir" - ora bolas!

Acredite: você vai querer ser vencido pelo "grande sono" do mesmo jeito que todos os dias é nocauteado pela "pequena morte".

A incerteza de despertar depois "do grande sono" é o que perturba as pessoas. Se não haverá "depois", qual a graça do "agora"?

Não conheço os mistérios da vida, muito menos os da morte. Não conheço, mas intuo e faço links. A certeza de que terei muitas noites e muitos despertares me fazem dormir tão bem! Quanto à morte... Ora, é a mesma coisa.

Qual o sentido da vida? O sentido é que estou ocupada demais vivendo. Não vou parar tudo pra pensar sobre isso. E quando chegar a hora derradeira..  estarei ocupada demais morrendo. Aí vou pensar como penso hoje: "ah, estou cansada demais. vou dormir e quando eu acordar penso no assunto."







"A morte não é nada.
Apenanas passei para o outro mundo.
Eu sou eu. Tu és tu.
O que fomos um para o outro, ainda somos.
Dá-me o nome que sempre me deste.
Fala-me como sempre me falaste.
Não mudes o tom a triste ou solene.
Continues a rir do que ríamos juntos.
Reza, sorri, pensa em mim, reza comigo.
Que meu nome se pronuncie em casa como sempre se pronunciou.
Sem nenhum exagero, sem rosto de sombra.
A vida continua significando o que significou.
Continua sendo o que era.
O cordão da união não se quebrou.
Por que eu estaria fora do teu pensamento, apenas porque estou fora de tua vista?
Não estou longe, somente estou do outro lado do caminho.
Seca tuas lágrimas e, se me amas, não chores mais."
Santo Agostinho


17 de jul. de 2014

Negruras


Comecei a assistir, com uns amigos, um desses filmes horrorosos com sangue, gritos e torturas. Claro que não consegui ficar até o fim. Repulsivo e angustiante.

Que tipo de vida têm as pessoas que, dentro de si, concebem um filme assim?  É necessário marcas escondidas, dores, doenças e um certo tanto de lixo como matéria prima armazenada. Que tipo de mente respira imaginando isso? Por quantas horas durante o dia?  Não se assustam consigo mesmas?  E se há mercado pra isso, esse mundo é um lugar tenebroso mesmo!

As vezes acho que a Terra é uma enorme caverna muito, muito escura. Nós nos assustaríamos se pudéssemos enxergar tudo. A escuridão, no caso, é um alento. Enquanto caminhamos pisamos em insetos, esbarramos em cadáveres e moscas enormes. Há baratas e larvas, escarros e dedos. Lesmas estão debaixo dos nossos pés mas não percebemos. Seguimos em frente, reclamando apenas da ausência de luz.

Talvez convivamos com pessoas que, se pudessem ser viradas do avesso, seriam um filme de terror. Há zumbis por todos os lados, estou certa disso. Quem são eles? Não sei. 

E por falar em zumbi, acabei de reler ainda agora um texto meu, aqui no blog, no qual eu dizia que a vida só é completa se contiver também dor e o sofrimento. Quando reli lembrei do filme horroroso que comecei a ver e disse para mim mesma, assustada, que eu não estava me referindo àquilo. Não! Deixem-me explicar que a "atração pela dor"  que eu mencionava tinha a ver com cometer erros, envolver-se em situações de risco e relações tensas. Nada parecido com esse pesadelo da tela.   Então expliquei a mim mesma que não sou um desses seres deturpados que trazem à luz diversões macabras. Sou uma pessoa boa. 
Sou uma pessoa boa?

Tenho realmente condições de enxergar a mim mesma a ponto de poder recomendar-me aos outros com segurança?  Ou a caverna por onde anda meu verdadeiro EU é tão escura quando a que acabei de imaginar?

Se acendêssemos uma lamparina no labirinto da nossa mente - sim, da nossa própria mente, não na dos outros! - não ficaríamos assustados?  Do que somos capazes?     O pai que matou a filha: será que ela sabia desde sempre que era capaz disso? E a moça que matou os pais à pauladas? Desde quando se sentiu capaz?

Nossa cegueira nos protege de enlouquecer. Ou nos protege de notarmos que somos loucos. Nos protege da angústia da descoberta. Como se fôssemos mais de um: o EU ingênuo e "acreditador" e o "'EU" mau e louco; meu irmão gêmeo a quem não posso ser apresentado. Sou a pessoa má e sou a que acredita que sou boa. Sou duas, separadas uma da outra pela parede da escuridão. A parede que nos separa das nossas dolorosas verdades.

Não vemos tudo. Somos estranhos a nós mesmos. O interessante é que temos no peito um ideal de bondade e beleza que nos motiva, nos enternece e, de certa forma, levanta o nosso olhar e nos faz continuar andando nas trevas enquanto acreditamos na luz.

Não sei bem qual o nome desse "lado puro que não se enxerga". Dizem que é "espírito".

13 de jul. de 2014

Uma mulher irresistível


Cada dia mais me convenço de que não teríamos tantos problemas se déssemos mais atenção ao MARKETING PESSOAL. A maneira como nos apresentamos ao mundo determina nosso sucesso ou insucesso profissional, político, afetivo (sim, até afetiva!) e social.

Tudo bem, mas se é assim, isso pode se tornar uma coisa meio neurótica. Tudo que "rende frutos" pode render neuroses.  Como relaxar?

Conheço várias pessoas muito bem sucedidas nessa arte. Será que nunca relaxam ou já acordam no piloto automático? Sim,  porque vender a própria imagem inclui até gestos mínimos.

Já estive entre as pessoas que fazem tudo errado nessa área e depois ficam achando que o mundo as odeia ou que são muito azaradas. Faz alguns anos que tenho observado a minha própria trajetória. Poucos se boicotaram tanto quanto eu. Confesso que por muito tempo achei que o mundo me odiava. Agora, que alcancei um certo nível de entendimento, sei perfeitamente bem onde pisei na bola - mas continuo sem energia pra mudar o rumo.  Em diversas situações escolhi a roupa menos indicada, critiquei a pessoa errada no tom menos aconselhável. Pior: não foi distração, foi consciente. Mas era irresistível!

Hoje eu sei de uma coisa: quanto mais vezes a palavra "irresistível" constar em seu vocabulário, maior a chance de você ser um fracasso de marketing.

Sempre achei "irresistível" dizer certas verdades para certas pessoas. Menos um ponto. Mesmo que essa "certas pessoas" fosse um superior hierárquico. Menos dez pontos. Acho irresistível abrir mão do traje "executivo" mesmo que esse fosse o recomendado para a ocasião. Menos cinco pontos. Se estou com problemas, isso fica estampado na minha cara. Menos três pontos. E por aí vai. E por ser "essa mulher irresistível" já perdi oportunidades interessantes.  Não sei fazer "as amizades certas". Acho irresistível optar pela espontaneidade. Também é irresistível dar a minha opinião sincera quando indagada. Menos um ponto aqui, menos um ponto ali.

Meu mal não é "não saber usar o marketing pessoal". Meu mal é não ter paciência para  as suas exigências.

Já os bem sucedidos são divididos em três grupos: 1) os sortudos,que já nasceram formatados para o sistema; 2) os determinados, que sabem o que querem e instintivamente caminham naquela direção sem pestanejar, por mais artificial que seja o comportamento a ser adotado; 3) e os orientados. São aqueles que contratam um profissional da área para lhes apontar o caminho que eles são incapazes de enxergar.

Dos três, o segundo grupo é o que mais me causa admiração. Isso porque o primeiro não tem mérito algum por ter nascido como nasceu. O terceiro grupo tem mérito pela humildade em reconhecer o próprio fracasso e correr atrás da solução, só são sempre flagrados, então a coisa fica muito artificial e cômica. O segundo grupo, dos determinados, pra esses sim eu tiro o chapéu.  Não são a maioria. Eles percebem como deveriam ser, então vão à luta. Sem alarde, sem se importar com mais ninguém, confiando apenas em si mesmos. Metem a cara, mudam de cara, dão a cara a tapa... e conseguem alguma coisa.

Política é tudo. E eu aqui, do alta da minha "irresistibilidade",  só tomando nota...

9 de jul. de 2014

Linchar ou não linchar - eis a questão

Somos dia a dia moldados por nossas escolhas. Tudo que a gente faz nos modifica, ainda que não percebamos. Note: um trambiqueiro de décadas vai ficando, aos poucos, com cara de trambiqueiro. Já reparou? Pinguço tem cara de pinguço, malandro vai ficando com os trejeitos de malandro, preguiçoso se movimenta, fala e anda como preguiçoso. Ele pode ser facilmente reconhecido. Quem se prostitui, aos poucos vai dando bandeira claramente. Militar tem jeito de militar, religioso fica com jeitão de religioso. Claro que há exceções e algumas vezes as aparências enganam. Mas só algumas vezes. E só enganam quem é ainda jovem e inexperiente demais. Mas essas são as exceções porque, de um modo geral, todos vamos adquirindo "cara de"  mais cedo ou mais tarde.

A questão que tenho em mente hoje não é se o bandido merece ou não merece levar uma surra amarrado no poste. Quer saber? Até acho que merece. O problema é: e quem vai surrá-lo, será que "merece" se transformar naquilo em que  VAI se transformar?

Acho que é impossível surrar ou torturar alguém sem se modificar por dentro,sem se tornar um ser humano um pouco pior a cada dia.  Não dá pra fazer o mal sem tornar-se vil, sem se manchar e ir tomando a forma de monstro. É isso o que me inquieta.

Minha preocupação aqui não é com o bandido em si, mas com todas as outras pessoas, que não deveriam se deixar arrastar pela mesma maré de sujeira.

Quando vejo fotos e filmagens de linchamentos sempre penso: estamos afundando. A questão não é se "ele" merece mas se vale a pena que aleijemos nosso emocional. Ser vítima de bandido já é suficientemente ruim, mas baixar e baixar e ir descendo cada vez mais ao nível irracional ... aí é mesmo uma lástima!

Não nos iludamos: linchar modifica a pessoa. Embrutece, entorta. Tira a sensibilidade. Mata alguma coisa bonita que todos temos lá dentro desde que nascemos. É como envenenar-se.

A resposta justa à agressão é a agressão. Toma-lá-dá-cá.  É como vejo. Só que a justiça pode ser pesada demais para nós. Porque quem já se embruteceu a ponto de conseguir desfigurar um ladrão é porque está perdendo ou já perdeu uma das características humanas mais marcante.

Urso não tem pena de ninguém nem sente a dor de ninguém. Onça não se põe no lugar da vítima. Cobras e rinocerontes não sabem o que é compaixão.  E são essas coisas que nos diferenciam deles!  Se formos despidos assim de uma fatia tão importante da nossa humanidade, em que nos transformaremos?!  Porque depois de um linchamento ninguém volta pra casa do mesmo jeito nem do mesmo tamanho nem com o mesmo coração. Não nos iludamos.

Repito: o agressor pode até merecer a surra. Merece sim.  Mas ela pode sair caro demais para nós. Sai muito caro deixar-se afundar na mesma lama. Isso traz consequências.

É essa a minha questão filosófica de hoje. Isso me inquieta deveras.

Existe um jeito de sermos justos sem nos mancharmos?

5 de jul. de 2014

E se...?!


E se, no final das contas, os errados estivessem certos e os certos estivessem errados?
E se os indomáveis fossem a única categoria livre e os outros fossem os otários?
E se os "marginais" fossem os únicos capazes de fazer o que nós não conseguimos, que é assustar o poder?
E se não ter CPF for justamente o tapa na cara que "eles" merecem levar?
E se o certo for aquilo, e não isso?
E se a submissão for o erro e o veneno que nos está matando?
E se "sair do sistema" for um ato de coragem?
E se os certos, certos mesmo, forem aqueles que se recusam a dedicar a vida inteira para conseguir um carro ou apartamento? E se eles incomodam justamente porque não se dobram?
E se o sentido da vir for ir em sentido contrário?
E se os esquisitos forem a obra prima de Deus?
E se a gente parar de alimentar o sistema?
E se eu me recusar a dar lucro?

Há uma multidão lá fora, uma multidão de pessoas a margem da sociedade. Não sabemos exatamente seu número. Estão fora de controle.  Talvez seja esta  a resposta, a grande sacada. Cair fora, sair do controle, deixar de ser gado.

E se todos os bens que tanto insistem para que eu consuma, não valerem um décimo de um dia do meu trabalho? 
E se o esforço deles para que nos tornemos "cidadãos" não passar de uma sentença de morte disfarçada? 
E se "cidadão" for apenas o apelido de otário?  
Por que meu país não pode ser eu mesma?
Por que eu tenho que creditar nas necessidades que eles dizem que eu tenho?

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