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30 de jun. de 2015

O Robocop

Como sempre, em tudo vejo material para reflexão. Nem o Robocop escapa.

Pois eu queria ser o Robocop. Pode rir.  Tenho inveja da destreza, da falta de medo, do jeitão focado, da ausência de dúvidas.  É amado pelas pessoas certas e temido pelas pessoas certas.  Não tem medo de errar. Não erra. Não precisa de dinheiro. Não sente as tentações gastronômicas que sentimos. Nunca fica cansado. O Robocop é tudo o que eu queria ser.

Mas... o que há de errado com a minha humanidade?  Porque notei que tudo de que eu queria me livrar são justamente as minhas características humanas. O que será que sobraria se eu jogasse todas essas "bagagens" fora? Um monte de lata? O que eu seria se não sentisse medo nem dor, se eu não errasse nem sofresse de indecisão?

Tudo bem, fiquemos como estamos. Mas vale perguntar: o que há de tão bom em ser humano a ponto de valer a pena conservar ainda que a dor venha junto? 

É possível não sentir dor nem medo nem fraqueza nem insegurança nem esquecimento e ainda assim amarmos, nos emocionarmos, experimentarmos deslumbramentos?  Não seria possível ficarmos só com a parte boa da nossa humanidade? Ou as duas partes são inseparáveis como dois lados de uma mesma moeda?

Será que devo as minhas mais caras emoções justamente às minhas dores e fraquezas? Que trama mais complicada!



26 de jun. de 2015

Bondade

Pelo que lembro, antigamente não existiam tantos vídeos empenhados em nos convencer das vantagens da prática do bem. Nunca vi, como agora, tanta campanha pela bondade. Sinal inequívoco de que nuca fomos tão maus.

Quando bate o desespero, seja em que área for, pipocam as campanhas. Campanhas são denúncias e termômetros. Pode reparar. Não seriam necessárias se tivéssemos um coração melhor.

Admito que nós acreditamos na beleza da bondade. É bonito e vale a pena para dar uma levantada na imagem pessoal. No mais, é só prejuízo. Não é assim que a sociedade encara?

Há algo sutil e persistente minando nossas mentes e  militando em sentido contrário ao das campanhas. Parece um complô.

A verdade é que, para nossa sociedade, o bem é visto como um sacrifício incompreensível, uma verdadeira loucura. O sujeito bom é quase um louco. O bem é algo maravilhoso no qual eu não quero meter a mão. Se eu conseguir convencer umas dez pessoas a serem boas, terei feito a minha parte sem precisar precisar abrir mão de nada.

No fundo no fundo estamos convencidos de que a maldade sim é que gera dividendos e vida boa, enquanto a bondade não passa de uma excentricidade estranha da qual, no entanto, o mundo depende. Algum ingênuo tem que ser convencido a prática-la hoje. Alguém tem que acreditar na cantada dos vídeos sensíveis do Youtube. Se conseguirmos essa proeza teremos salvado o planeta.

Se a bondade gozasse de bom conceito ela não precisaria de propaganda. Estamos de fato desesperados. 

22 de jun. de 2015

Nisso reside a nossa grandeza


Decididamente o Brasil é um país que optou pela misericórdia.  Devemos nos orgulhar disso. Acho que temos um crédito estratosférico com o Altíssimo.

Meu Deus como somos bons! Há uma convulsão social todas as vezes que alguém tenta endurecer contra o crime. Esses dias uma jornalista quase foi linchada por dizer que bandido merecia pagar pelo que faz.  Nosso coração de mãe prefere sofrer, chorar e morrer no lugar deles do que ver nossos pobres marginais sentindo o peso da lei.

O que mais chama a atenção do nosso nobre povo não é a injustiça sofrida pela vítima mas sim a vida dura do agressor. A infância, a fome, as drogas, o abandono, a falta de oportunidades. Também acho muito triste. Mas observo que tristeza por tristeza, o lado da vítima toca mais meu coração. Mas sou minoria. A tristeza do bandido toca muito mais o coração brasileiro do que a história sem graça da empregada doméstica que sai de casa ainda no escuro para trabalhar, dá duro o dia inteiro e quando volta pra casa ainda é assaltada ou estuprada. Ou o drama manjado do bancário lotado de prestações pra pagar que tem o carrinho roubado e a cara quebrada na volta do serviço. Todo dia a gente ouve essa ladainha, de forma que nem comove mais. A vida dura do bandido é muito, mas muito mais tocante! A mãe irresponsável, o pai maconheiro, a avó maluca, o irmão traficante, a violência, o abuso... Aí sim dá vontade de chorar. Já a empregada doméstica ou o eletricista assaltado são dois otários que estavam na rua errada no horário errado.

No Brasil as pessoas preferem que o bandido responda o processo em liberdade. Se não tiver jeito e ele for preso, que saia rapidinho por bom comportamento.  Nosso povo preferem acreditar que se formos condescendentes o bandido vai amolecer o coração e assim estaremos cooperando para a sua ressocialização. Quanto menos punição, mais arrependimento. Linda teoria! Só falta comprovação na vida real. Mas é bom ter esperança e acreditar em coisas bonitas.

Ah se todos tivessem oportunidade!  Pra que lembrar dos boyzinhos que sempre tiveram tudo e mesmo assim barbarizam?  Acreditar em sangue ruim é acreditar que existem casos que não podemos solucionar. Preferimos então crer no que nos dá mais alegria. Tá certo.   Odiamos as histórias de mauricinhos malignos ou patricinhas psicopatas porque essas histórias desmantelam nossa teoria simplista de que pobreza é culpada por tudo.  Tese boa mesmo é a que explica tudo só com meia dúzia de frases decoradas.  Não há encanto algum em acreditar que gente ruim é gente ruim, esteja onde estiver.  Somos tão bons, mas tão bons, que não acreditamos que exista maldade no mundo. Tudo é "culpa da sociedade", culpa das estrelas, culpa do governos, culpa dos capitalistas... Jamais a culpa é do bandido. Nunca se esqueça disso: eles são produto do meio e só quem tem culpa é quem não é produto do meio - tipo nós.

Fico pasma com a nossa bondade.

Todos sabemos que justiça, mas justiça mesmo, é olho por olho e dente por dente. Só que justiça é pesada e dura!  Justiça, pra ser justiça, tem que ser pra todo mundo, então é melhor abrir mão dela antes que ela se volte contra nós. Eu também quero cometer minha infraçãozinha impunemente. Quem não quer?

Justiça, mas justiça mesmo, é uma coisa muito medieval. Nós, os brasileiros, estamos convencidos de que já passamos dessa fase. Basta olhar para os nossos hospitais, colégios e favelas para vermos o quanto somos evoluídos.

Lembra de antigamente? Era olho por olho e dente por dente. Mas como não pudemos digerir a ideia de que o bandido viesse a ser castigado com a mesma agressão que causou, optamos por prendê-lo. Só que não temos conseguido providenciar prisões suficientemente confortáveis para eles, então a ideia de prisão passou a também ser considerada cruel.  Ah: castigos físicos também são cruéis, portanto inaceitáveis. Trabalhos forçados nem pensar: e se  fosse seu filho!? Melhor não castigar. Bom mesmo é "ressocializar".   Só não sabemos bem como fazer essa transfusão de cérebro, mas deixa pra lá.

Não sei se você reparou mas até aqui só levamos em consideração as necessidades do bandido, não das vítimas. Mas tudo bem, é assim mesmo. Não importa como nos sintamos; o importante é que não sejamos cruéis com eles. Nisso reside a nossa grandeza.

Enquanto a gente não decide qual a melhor forma de tratar o agressor, o jeito é prender (pra não parecermos muito otários) mas soltar logo depois (pra não parecermos muito desalmados) . O arranjo me parece perfeito! Diminuímos a pena, abrandamos a Lei, criamos  o regime semi aberto, o aberto e o arreganhado.

No Brasil é perfeitamente possível o sujeito cumprir pena privativa de liberdade em liberdade. É algo como subir pra baixo ou descer pra cima.

Nisso tudo só existe um problema:  que a justiça é dura e custa caro todos sabemos mas esquecemos que a misericórdia também tem um preço e não é nada barato.

Se a justiça, com toda a sua dureza, traz o medo, a impunidade com toda a sua leveza traz  terror.  A justiça tem seu peso mas a misericórdia também tem. Anote essa frase aí.

Jesus teve misericórdia dos pecadores. O resultado é que foi crucificado no lugar deles. Esse é o centro da doutrina cristã: o pecado não sai de graça, nunca. Alguém paga. Ou, no linguajar dos economistas, "não existe almoço grátis". A misericórdia sai caro para o misericordioso, meu amigo. Alguém acaba pagando a conta e se não for o bandido, vai ser você. Sem diminuição de pena.

É emocionalmente pesado para o brasileiro dar o troco ao criminoso, até porque em quase todas as nossas famílias há um bandidinho de estimação.  Você não quer que ele sofra, quer? Pois então! Deixemos a justiça de lado.  Justiça é coisa de gente grosseira, de povos bárbaros, ignorantes, que desconhecem as mais novas doutrinas do Direito. Não somos selvagens nem cruéis como os japoneses, norte americanos e europeus. Vamos mostrar a eles o que é ser evoluído!


19 de jun. de 2015

Incoerências





Para quem gosta de auto análise existe um teste muito útil que ajuda a avaliar nosso nível de "crescimento espiritual". Você pode me perguntar qual seria a utilidade disso. Respondo que nada como um espelho para afastar a doce ilusão que cultivamos a respeito de nós mesmos.

Além da verdade como um fim em si mesmo, acrescento que quem se enxerga, perdoa. Ou dizendo de outra forma: toda falta de perdão aponta para um certo grau de cegueira, de falta de auto percepção.

Terminei de assistir o seriado Os Borgias. Deixo aqui meu protesto porque a história ficou órfã, foi abandonada ao deus-dará sem uma conclusão. Se eu soubesse disso nem começaria a assistir. Fecha parêntesis.

Os Borgias conta a história real de uma família poderosíssima na Roma antiga. Eram corruptos, violentos, lascivos, ricos, bem vestidos e charmosos. Bem, essas duas últimas características deduzi por conta própria.  Os Borgias não é o único seriado que nos lança em rosto  essa vergonhosa capacidade que temos de admirar vilões.

Vilão no * dos outros é colírio, né?

É constrangedor ter que admitir que torci o tempo todo pelo mal. Eu não queria que o Cesar Borgia morresse nem que fosse traído. Não queria que seu capanga, frio assassino psicopata, morresse. Curti as cenas de sensualidade entre ele e sua irmã Lucrécia e ri das tramas absurdas de seu pai para conseguir o papado. Estou decepcionada comigo mesma.

Resta o consolo de acreditar que essa admiração reprovável só é possível porque a indústria do cinema domina a técnica de explorar nossas emoções e tornar qualquer coisa aceitável por conta de um belo pacote. Somos então vítimas da vilania de Wollywood. Manipulam nossos sentimentos com os mais vis propósitos.

Posso também consolar a mim mesma dizendo que só me entreguei a isso por brincadeira. Não há vítimas reais numa película. Deixei-me seduzir conscientemente pelos cenários belíssimos, figurino encantador e beleza dos personagens só porque o jogo da sedução é gostoso e, nesse caso, ninguém saiu machucado.  E posso sempre repetir que "na vida real" eu jamais apoiaria aquela família mafiosa. Eu me insurgiria contra toda forma de injustiça e odiaria de todo coração Rodrigo Borgia, Cesar, Lucrecia e o restante de sua execrável família.

Pronto! Estou pura!

Após esses discurso calmante não posso evitar algumas perguntas: por que a maldade não me causou natural repugnância?  O que importa se é praticada por pessoas lindas ou por brutamontes fedidos? Por que o charme do personagem tapou meus olhos para a justiça?  Por que o que sinto vendo um filme não pode ser considerado "vida real"? Que álibi furado é esse? Meus sentimentos são reais e se vejo uma criança ser torturada em filme não fico aflita? Mesmo sendo ficção aquilo não me dói? Dói sim, como se fosse na vida real. E então? O que há de errado comigo?

Uma coisa é reagir perante a sociedade de carne e osso como essa sociedade de carne e osso exige que reajamos. Outra coisa é reagir livremente, sem observadores, abandonados no sofá da sala escura em companhia apenas da nossa natureza humana. Talvez essa seja a hora da verdade.

Ou o mal me indigna em todas as suas representações ou sou muito pior do que pensava que fosse. Há explicação razoável para que reações tão díspares diante do mal não representem o próprio mal em nós?  Vejamos:

Os vilões bonitos e sensuais nos seduzem, isso é fato. Por que é assim? Será porque eles demonstram força, não tem medo, são intrépidos e sabem se impor?  Nesse país tão violento onde não passamos de presas, nosso desejo mais profundo é nunca mais sentir medo. É horrível viver com medo! Mas os vilões parecem desconhecer esse tipo de sofrimento. Talvez por isso nos cativem. Morremos de inveja deles. Não temem: são temidos. Não esperam pela sorte: conquistam, pegam da vida o que querem displicentemente e altivos como se colhessem frutas de sua própria plantação.

Essa é a explicação? Ou a explicação verdadeira fugirá de nós para sempre? Nesse caso é melhor fazermos logo as pazes com as nossas incoerências...







17 de jun. de 2015

Pelas montanhas



Fico muito, muito emotiva quando ouço a trilha sonora do filme The Sound of Music. Esse filme me traz tantas recordações, tem para mim uma carga emocional tão grande que nunca se esvaiu. Incrivelmente por décadas não se desgastou.  Sempre o mesmo enternecimento, o mesmo calor de um abraço antigo e aquela emoção de ter o coração novamente despertado de um longo sono.  Como se alguém me trouxesse pela mão, de onde eu estivesse, para as minhas origens, para o meu eu mais simples e verdadeiro.   Sinto o mesmo deslumbramento com as canções, as mesmas lembranças - umas vívidas, outras não, mas tudo numa bruma só. E sinto vontade de chorar e choro quando não tem ninguém por perto.  Em minha garganta fica aquele resto de lágrima, aquela lágrima de criança que santifica quem chora como uma espécie de água benta.  Aflige, mas ainda assim sinto-me melhor. Sinto-me pequena, sinto-me Cristina, conectada a todos os que já amei um dia mas foram embora.

Talvez seja assim. talvez eu sinta assim para sempre, até o final da minha vida.  E quem sabe quando eu estiver livre e chegar lá do outro lado, posso até ser saudada com Climb Ev'ry Mountain  ou Something Good... ou The Sound of Music.

Um dia vou chegar no meu lugar, correr pelas colinas frescas, vou rir muito e pegar nas mãos das pessoas. Vou encontrar todo mundo de quem já me despedi e nunca mais vou precisar dizer adeus. Vou ser acolhida de novo do jeito que meu coração precisa e dar todos os abraços que não dei. Meus joelhos não vão doer, não vou mais sentir frio ou calor e o vento mais forte vai nos levantar um pouco do chão. Vai ser assim.  A natureza se tornará carinhosa para sempre e nunca mais eu terei timidez em dizer "te amo". E vou rir muito e deixar pra lá todas as lembranças ruins.

Fico tão emotiva! Era para eu me sentir uma tola mas disso não me envergonho. Não quero me livrar dessa fragilidade.  Quero chorar todas as vezes que meu coração precisar de desafogo. Quero conservar intacto esse pedaço da minha alma porque é a parte mais pura e original do meu eu. É o cordão umbilical que me liga aos meus ancestrais. É a minha essência não tocada pelo pecado. É o que vai afinal sobreviver.

15 de jun. de 2015

O estado inato do homem *

Tempos atrás escrevi sobre a solidão. Uma das coisas que disse é que sempre percebi a solidão como uma espécie de amor proibido, doce veneno ou qualquer outro chavão parecido.

Tenho passado a vida a oscilar entre o desejo de ficar só e o medo de me lascar com isso.  Pelo sim, pelo não, resolvi garantir as coisas e salvar minha alminha de sofrimentos desnecessários. Mas permaneceu a curiosidade. Seria mesmo tão ruim assim? Ou as pessoas é que são fracas ou chatas, não suportando a própria companhia? Eu me acho muito legal. Sempre gostei do jeito como me trato, da amizade, do respeito e da compreensão mútua existente entre eu e mim. Será que com toda essa bagagem psicológica ainda assim eu desabaria?

Ainda não sei. Essa postagem não é a resposta, apenas uma luz inicial para apreciar a questão.

Essa manhã cancelei minha conta no Facebook - ohhh!  Percebi que estava gastando tempo demais com aquilo, além de me aborrecer e quem sabe aborrecer os outros. Nesse cancelamento pude sentir um gosto de despedida, de abandono, de saudade das pessoas. Foi uma espécie de adeus com o qual eu não contava. Como poderia um simples clique no botão "encerrar conta" trazer alguma carga sentimental?  Pois é, tá vendo como não sei nada da vida? "Quem sabe ainda sou uma garotinha esperando o ônibus da escola sozinha..."   Hoje, como estou dramática, digo que a experiência me lembrou o ato de acenar, do navio, para o cais que vai ficando lá longe.

Eu conversava com pessoas que moram muito longe. Um amigo nos Estados Unidos, outra em Madri, gente de São Paulo, Manaus, Brasília, Recife, Minas, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pará... Quando verei esse povo de novo? Como eu teria contato com pessoas que moram tão longe e em lugares tão diversos?

Agora me vejo lendo notícias, crônicas, vendo propagandas, fotos, coisas engraçadas e coisas tristes e não tenho com quem compartilhar. Estou incomodada com minhas idéias represadas.  É algo como chegar da rua trazendo pacotes e não ter onde colocá-los, nem mesmo uma mísera banqueta. Você já chegou em um lugar querendo aliviar as mãos e não encontrou nem um pendurador de bolsas? Nem um aparador ou caixote? e teve que ficar segurando objetos dos quais gostaria de se aliviar? Pois é mais ou menos assim.

Não sei por que estou lhe explicando. Você deve saber!

Escrever em blog não é bem um compartilhar de idéias. Blogar é falar sozinho para não enlouquecer. Pelo menos comigo tem sido assim. Já pensei até em fazer apologias absurdas só pra ver se alguém se manifestaria mas desisti da idéia quando me lembrei da Lei de Murphy.

Li hoje que "a solidão é o estado inato do homem, cada ser está por si só no mundo" (Martin Heidegger). É verdade. Está aí um pensamento a ser explorado - mas com quem? Se eu o colocasse no Face logo apareceriam pessoas para serem contra, outras a favor. Apareceriam os legais, os chatos,  os surtados que não dizem coisa com coisa, os religiosos, os politicamente corretos, os felizes crônicos... O Face chega a ser perturbador pelo que tem de personagem esquisito e idéias dissonantes. É instigante do ponto de vista sociológico e psicológico. Um circo, um manicômio, uma sala de espera, uma festa, uma mesa de bar, um sei-lá-o-quê que, no entanto, nos dá a chande de discutir e se relacionar com as pessoas.

Em suma, a lição do dia é essa: solidão não é falta de abraço nem de companhia pra festa. Solidão é não ter com quem compartilhar as idéias.  Aprendi a lição 01: há algo de aflitivo nisso.


(Leitura complementar tudo-a-ver: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2015/06/quem-passa-protetor-nas-suas-costas.html)




11 de jun. de 2015

Fugitivos


Sabe uma coisa que cansou?  Datas festivas que nos lançam em um mar de obrigações. Nada contra as comemorações em si.  Gosto de festa e dou tudo para estar com a família e os amigos. Mas da feita que isso vira um peso, alguma coisa tem que mudar.

Eu te proponho:

Aceito sugestões para darmos nome a esse movimento. Pode ser "The day after" ou "Movimento do Outro Dia" ou "Fugitivos".  Funciona assim: a gente se insurge contra a data padrão.  Damos um chute nas correrias, preços abusivos, restaurantes lotados e cozinheiras indisponíveis. Mandamos tudo para as cucuias e combinamos com a família: de hoje em diante todas as datas comemorativas serão celebradas um dia antes. Ou um dia depois, sei lá.

Cada dia mais me convenço de que a maior parte dos nossos sofrimentos sociais poderiam ser neutralizados se fôssemos minimamente  rebeldes contra o sistema.

Natal. Essa data não deveria significar "calvário".  "Vou dar uma passada na casa da minha mãe depois na casa da minha sogra depois na casa da minha tia!... Ufa! Depois eu passo aí."

Meu Deus pra quê isso?  Todo mundo está careca de saber que Jesus não nasceu no dia 25 de dezembro, então porque não podemos fazer uma ceia em paz, com todo mundo tranquilo e feliz no dia 20 ou 23 ou 28? Porque tem que ser naquela data fatídica onde já existem cinco festas que você não pode faltar? Por que uma pessoa tem que passar o dia na cozinha preparando um jantar para convidados que já vem de duas festas cansados e com o estômago lotado?

Vamos repensar tudo! Por que Dia de Natal? Por que não Semana Natalina onde a ceia e o Amigo Invisível possam executados - no bom sentido - com tranquilidade?

- "Ah, mas se não for no dia não tem graça!"  Não tem por que? Quem disse isso? Não tem graça é ser do jeito que está sendo! A graça é a gente que faz; depende de costume e convencimento. Tudo é condicionamento e se for para o bem geral, por que não?

E Dia das Mães com restaurante lotado, fila e preços 30% mais caros? O que te obriga a isso? Por que não marcamos uma simpática homenagem para a nossa mamãe no dia anterior, com calma e em paz? Um dia com a sua mãe, outro dia com a minha. Pronto!

Dia dos Namorados: meu Deus, que suplício! Não existe restaurante viável.  Nem bar nem lanchonete nem carrinho de cachorro quente. Tudo lotado. Fila pra motel - haja viagra! Quem consegue transar sabendo que tem uma fila de cinco carros atrás de si xingando e amaldiçoando o seu desempenho? Por que se deixar subjugar por uma ditadura tão sem sentido? Que tal restaurantes mais tranquilos e românticos, cidade calma e atendimento mais atencioso?  No "Dia dos Namorados" propriamente dito vocês podem simplesmente colocar o pijama e ver um filme romântico agarradinhos com a cama cheia de pipocas.

Nunca mais esqueço daquele ano em que resolvi o seguinte: não vou fazer ceia dia 24. Cada um vá para onde quiser.  Nossa confraternização familiar será o almoço do dia 25. Foi um alívio pra todo mundo e uma alegria pra mim. Cada um foi ver a avó, a mãe, a sogra, a tia da amiga da prima, e finalmente no dia seguinte pudemos estar todos juntos. Sério: foi um dos dias mais felizes da minha vida porque todos puderam comparecer sem desespero.

Pois essa é a minha proposta. De hoje em diante, que tal darmos a nós mesmos e aos nossos parentes um NATAL REALMENTE DE PAZ?

Ou será que você é tão escravo do sistema que não pode cogitar nem nessa pequena rebeldia?



7 de jun. de 2015

Karaoke

Karaokês são divertidíssimos - quando é a gente que está cantando.  Difícil é aturar os outros. Karaokês são muito instrutivos: nesses eventos somos ensinados a ter uma paciência infinita gerada pela esperança de também cantar e esquecer aquele sofrimento.

É o momento também em que aprendemos a valorizar o cantor que mais odiamos. Descobrimos que ele não é tão ruim assim.

Karaokes  são eventos que nos ensinam o que é paciência infinita e generosidade angelical. E ensina outra coisa mais difícil do que fazer vista grossa: fazer ouvido de mercador.

A arte de não ouvir é uma das que mais precisamos aprender.  Isso porque a maior parte dos nossos dissabores nos invadem através dos nossos ouvidos. Os olhos e os ouvidos são as portas do coração. Pois participando das insuportáveis noites de karaokê você vai aprender a arte de esperar, de fingir que gosta, de aplaudir querendo vaiar, de rir do que não tem graça, de ouvir o que detesta - e sorrindo.

Karaokê é um exercício de civilidade a que todos deveríamos nos submeter vez por outra.

De minha parte acho que estou indo muito bem com essas lições. Estou há horas ouvindo as piores músicas cantadas pelos piores cantores que já pisaram o planeta. O exercício de não escutar fingindo que estou escutando  já me ajudou muito a habitar outro planeta quando esse aqui não está valendo a pena.   Estou de parabéns pelo meu poder de concentração. Já posso levantar, pegar minha condecoração e finalmente ir embora.

Karaokês são torturantes para quem não está participando.  Se não fosse um treinamento de civilidade, deveriam proibir.

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