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30 de out. de 2011

Casinha de sapê


Hoje eu e o Luís estávamos novamente naquela brincadeira de nos imaginarmos comprando um sítio e construindo uma casa. Concordamos em que o gostoso mesmo seria construir uma casa de sapê. Não uma casinha, como na música, mas uma casa bem espaçosa esparramada em um terreno cheio de árvores e, de preferência, com um igarapé ao fundo.

Tudo leva a crer que isso jamais sairá do papel. Até porque para sair, deveria primeiro entrar. Ficou tudo no âmbito da fantasia compartilhada. Mas eu queria sim uma casa de sapê com móveis de madeira, piso rústico, cortininhas de chita e colchas de retalhos. Dispenso o cachorro magro e o galo empentelhando as minhas manhãs ensolaradas. Haveria também fogão a lenha e caçarolas de barro. E microondas. E um split, porque eu não sou de isopor. Sem falar na internet obviamente. Quanto aos vizinhos simples que viriam  tomar café no final da tarde, acho que seria fácil de arranjar. As redes sociais estão aí pra isso.

Não sou só eu: todos temos uma saudade imeeeensa de coisas simples que não vivemos nem viveremos. Todos temos saudade da lua se jogando sobre o sertão, saudades de usar tranças, das festas na roça, dos boiadeiros respeitadores usando blusa branca de algodão, dos bolos de fubá assados em fornos de lenha, dos peões sonhadores que ao final do dia vão tocar moda de viola debaixo de alguma árvore, da moça trabalhadora que casa cedo, tem seis filhos, é prendada e mantém o rosto de menina.  Sim, achamos essas coisas bonitas mas não conseguimos nem fantasiar direito a respeito delas. A gente logo salpica tudo com  modernidades e facilidades. 


Sou daquelas pessoas que amam as coisas do sertão mas não conseguem escrever a respeito. Até porque é um amor meio suspeito: no primeiro escorpião que aparece descendo do telhado a gente xinga aquele mundo e manda o sertão às favas juntamente com o rio, as flores e a Mariazinha usando tranças.

Não há salvação pra nós. Somos urbanos e alienados das coisas simples. Perdemos pelo caminho da vida até o JEITO de falar da terra, do interior.

Quem tenta compor músicas doces e apaixonadas falando de rios, terra, gado, luar e aves, hoje, passa vergonha. Geralmente. Agora me diga como pode ser tão complicado imitar coisas tão "simples"?  Não conheço ninguém que consiga "dar uma de Luiz Gonzaga", por exemplo, e ser bem sucedido. Em tempos áridos como os nossos, um Luiz Gonzada de 1,99 já quebraria o maior galho.

Pois é... mas como continuarmos cantando "a pureza e a ingenuidade do caboclo" se mal sabemos o que é um caboclo? Menos ainda "pureza" e "ingenuidade". Soa tudo falso, forçado, postiço. Como eu, querendo uma "casa-rona" de sapê, decorada e climatizada. Quero arrancar excentricidade da simplicidade. É, perdi o jeito...

28 de out. de 2011

"Nossos filhos pertencem ao mundo"




Uma ova! Os seus, os meus não!

José Saramago escreveu um texto que se tornou famoso, sobre isso. Parabéns pra ele, mas comigo não!

Essa coisa de que "nossos filhos pertencem ao mundo" me irrita. Sério. Pra começar, não foi o mundo quem os pariu, não foi o mundo quem pagou colégio dos pirralhos nem limpou carretas de cocô. Também não foi o tal "mundo" quem fazia orações desesperadas cada vez que eles ficavam doentes ou demoravam a chegar em casa. Meus filhos são muito meus sinsinhô. Podem casar a vontade mas continuam sendo propriedade privada. E ponto final. 

Uma amiga disse que estava acostumada com o fato de os filhos dela irem morar longe mas o que mais lhe doía era que eles não precisavam mais dela. Pois comigo ocorre o contrário. Adoro pensar que eles não precisam mais de mim. O que me tira do sério mesmo é a fatalidade de eles irem embora. Podiam ficar sempre por perto, nem que fosse só para efeito decorativo. 

Filhos longe? Aí é escroto. Eles poderiam fazer o que quisessem da vida deles desde que batessem o ponto sob as minhas vistas regularmente. Sei lá, pra checar se o nariz está no mesmo lugar, se continuam com dez dedos nas mãos e dez nos pés, essas coisas, se a barriga cresceu ou murchou, se a espinha desapareceu... qualquer coisa, desde que aparecessem regularmente, como um cuco de relógio.

Deveria haver uma distância máxima regulamentada por lei para um filho se afastar da mãe. Passou daquilo, chinelada. Ou multa.

A gente não faz check up de vez em quando só pra saber que tá tudo no lugar? Pois é, filho é mais ou menos assim; a gente precisa olhar para a cara deles de vez em quando, só pra ter sossego e ir dormir sorrindo para o teto. É pedir muito?

Pense bem e observe a lógica da coisa: eles sairam de nós. Logo, são nossa propriedade. Simples assim! Como o fígado, o baço, o coração, os pulmões. Ninguém deveria nos privar disso. É injusto demais que desapareçam. É assim uma espécie de pecado que Deus esqueceu de colocar na Bíblia.

Pensando bem, vou falar com Ele e esse vácuo deverá ser corrigido na próxima edição do Livro Sagrado. Posso expor minhas idéias brilhantes que ele não vai me defenestrar. Afinal, também sou filha!

25 de out. de 2011

Mulheres adoram chapéus!

A cruel ditadura da moda...

Chapéu nunca sai de moda, mas cadê coragem de sair por aí de chapéu?

Não me refiro a usar chapéus nas praias ou em outros passeios. Falo em ir à feira, ao trabalho, em uma exposição, em ir a um restaurante ou boutique usando chapéu. Chapéu com saltos, com terninho, com maquiagem.

Hoje vi uma moça graciosa andando pela rua. Um sol de rachar. Pois não é que, para se proteger, ela usava uma prancheta na cabeça? Acho que era prancheta ou um livro grande, sei lá. Era um treco meio ridículo. Ela não segurava com as mãos, mas o equilibrava como quem carrega uma lata d’água na cabeça. Pensei comigo: por quê ela não usa um chapéu?

Mulheres adoram chapéu!

Chapéus compõe lindamente o visual.. Além de utilíssimos, são um adereço que deveria ser obrigatório em um país tropical. Sair de casa sem ele, no sol, deveria ser tão estranho quanto sair de casa com os pés descalços.

Não conheço uma só mulher que não aprecie um chapéu. Muitas se empolgam com a chegada do verão, entre outras motivos por ser uma oportunidade de ouro para usar finalmente um belo e frondoso chapéu na praia sem parecer esquisita.

"Esquisita? Como assim? Não era para ser normal?" A pergunta é: por quê as mulheres só usam chapéu na praia? A resposta é simples: "porque eu não vejo ninguém por aí bem vestida andando pela rua ou saindo do carro usando um chapéu".

Ah, e precisa disso, sua macaca de imitação?

Enquanto a Globo não lançar o chapéu como adereço para o dia-a-dia, quem quiser se proteger do sol vai continuar colocando caderno, placa de trânsito, jornal, revista, sacola na cabeça. Algumas mulheres adotaram o deselegante boné. Particularmente prefiro uma placa de trânsito.

Esse é uma das coisas nocivas na nossa civilização: o medo de ter um estilo próprio, de usar coisas sem prévia autorização. As pessoas tem medo de exercer o que eu chamo de "soberania sobre a aparência". Pasteurizaram-nos.

Há protestos populares que podem acabar em pancadaria, prisões e perseguição. Não seria o caso de uma hipotética "Revolta do Chapéu". Sacudir de nós as amarras da moda não nos elevará à categoria de heroína, mas em compensação ninguém também vai parar na fogueira. Seria uma revolta light.

Claro que ter personalidade não é tão mole assim. Há um preço - pequeno - a pagar.  No meu caso, por exemplo, tenho a dizer que um dia desses usei meu chapéu em pleno centro da cidade. Eu ia almoçar com meu filho e meu carro ficou estacionado lá longe. Eu não queria chamar a atenção, só me proteger do sol por causa de um tratamento de pele, mas notei que estava sendo observada. Não esquentei a cabeça em nenhum dos dois sentidos mas meu fillho me olhou como quem diz “Oh céus, minha mãe é uma perua...”

Sim amigas, temos que ser fortes.

Desde quando nos tornamos tão bobonas a ponto de preferirmos prejudicar a pele ou nos cobrir com papelão do que usar um charmoso chapéu?

Hoje em dia a coisa é assim: não basta mais as personagens de novela usarem um determinado adereço. As humildes “mulheres comuns” só sentem que tem permissão para fazer o mesmo se :

1) Se algumas famosas (não as maluquinhas) aparecerem também na revista Caras usando-o. Só na novela não vale, porque lance de personagem é meio teatral.

2) Se na sua própria cidade algumas mulheres ricas também o usarem;

3) Além disso também é preciso que vários camelôs ao longo da cidade ofereçam centenas de cópias vagabundas do mesmo chapéu da tal socialite. Sim, eles também mandam em nosso guarda-roupas. Eles só copiam para a classe baixa o que já foi consagrado pela classe alta.

4) Cumpridos os ritos, uma revoada de peruas corre às lojas - ou aos camelôs - muito agradecidas pela permissão.

Você há de me dar razão. Enquanto esse rito não se cumpre, vamos continuar a ver mulheres colocando tudo na cabeça para se proteger do sol, menos o lindo, simples e bom chapéu.

20 de out. de 2011

Vontade

Uma frase que minha mãe dizia e que sempre me irritava muito: "Vontade é uma coisa que dá e passa."

Nada é mais irritante para uma criança ou adolescente do que dizer que quer alguma coisa, que está com vontade e ouvir isso: que sua vontade não é relevante, que ninguém vai esquentar a cabeça com ela porque, entre outras coisas, é algo que dá e passa.

A verdade é que passa mesmo e deixa todo mundo com cara de tacho. Nada há mais insano do que mudar o curso de alguma coisa por causa de uma simples vontade. Toda vontade é uma criança que bate o pé e quer. E toda criança em algum momento cansa de bater pé e fazer birra - aí vem a paz.

Seríamos mais bem sucedidos se não levássemos tão a sério os caprichos de nossas vontades. Porque ela dá e passa, mas o resultado de a obedecermos pode durar muito tempo.

16 de out. de 2011

Nazaré Pereira

Assisti Nazaré Pereira no SESC Boulevard. Eu, que já gostava dela, agora AMEI.  Nazeré é vitalidade, simpatia. Pertence à categoria rara das mulheres cuja idade nem importa.  O que vi foi uma mulher sorridente, dançante, de sorriso levemente malicioso, extremamente simpática.  Voz linda. Um show delicioso com músicos excelentes. A música e o batuque, de tão exatos, encheram o ambiente e emocionaram por acertarem em cheio naquilo que a gente  quer ouvir. Não só quer:  a gente precisa ouvir de vez em quando, pra se alimentar de beleza e alegria.  Que sorte eu estar lá. VALEU, NAZARÉ!

(Você tem que assistir esses vídeos. O primeiro então, é obrigatório.)





15 de out. de 2011

Agonia

Estou angustiada. Não consigo me decidir quanto a um template para meu blog. Passei uns tempos bem satisfeita com um, mas ele acabou dando bug. E não gosto de estar mudando o tempo todo.
Se você tiver sugestão de um bom template, mande para mim! Se não, acho que vou ficar com esse aqui mesmo.

Ultra-Vip-Diamante

Você já foi VIP alguma vez em sua vida? Já soube o que é sentir-se distinto em uma situação especial em um lugar especial para receber tratamento especial?

Ser VIP é tudo o que se quer na vida mas como chegar lá? É assim: ou é por convite ou é por pagamento.

Eu, se tiver dinheiro, pago mesmo. Por quê não jogar umas pitadinhas douradas em nosso dia-a-dia? Pagar pra ser VIP é como gastar dinheiro com maquiagem: é tudo de mentirinha mas funciona.

Agora tem o seguinte: nada mais "encardido" do que descobrir que além de você, mais metade da humanidade também foi selecionada para ser "muito very importante".  Só tem graça ser VIP se os outros não forem.  Sacou o egoísmo do lance?   Sem dúvida é um desapontamento e a todo desapontamento segue-se um certo sentimento de ridículo. É chato a gente descobrir que caiu como patinho em uma tosca armadilha para vaidosos.


Estou pensando nos malditos PLANOS DE SAÚDE.

Por alguns anos habitei as filas do INSS, desde quando essa máquina mortífera tinha outro nome. Depois que meu padrão de vida deu uma melhoradinha achei que já estava na hora de me destacar do povão. Eu queria ser VIP, pelo menos um pouquinho.

Naqueeeele tempo a gente chegava com uma carteirinha de plano de saúde e todo mundo respeitava. As portas se abriam. Liga hoje, consulta amanhã. Uma maravilha. Hoje, quando vou me consultar, junto-me a uma legião de favelados de classe média, pessoas que cairam no conto dos planos de saúde e agora não podem mais sair porque o Governo tirou o dele da reta.

Cuidar da saúde hoje é uma maratona desanimadora:

1-  A gente telefona para marcar uma consulta e depois de ouvir  muito "tu-tu-tu", uma moça-mecânica vai logo informando que só vai ter vaga para dali a 15 dias.

2- 15 dias depois a gente chega ao consultório (engarrafamento + falta de estacionamento) para ser atendido quatro horas depois. Os malas   médicos nunca chegam na hora.

3-  O médico faz mistério e não diz o quê você tem. Não importa a abundância de sintomas - eles não sabem. Mesmo.  Limitam-se a passar uma p***da de exames porque sem exames eles não são capazes nem de perceber se você tem uma garganta inflamada ou uma diverticulite no pâncreas.
 
4- Não basta ir ao laboratório: tem que pedir autorização do plano de saúde para fazer os tais exames.  A atendente nem olha para a sua cara e já vai no automático metendo um carimbo de "autorizado" no papel. Sempre é autorizado. Eles fazem essa exigência só mesmo para sacanear com você.

5- Os exames são assim:  um laboratório só faz isso, outro só faz aquilo. Para imagens você tem que ir no centro da cidade, para teste ergométrico só no subúrbio, sangue simples é aqui, sangue composto é a 10 km, xixi simples é no leste, xixi composto é no oeste.


6- Claro que nenhum exame fornece resultado no mesmo dia.  Depois de passar uma semana fazendo exame você espera mais uns 10 dias pelos resultados.


7- Com todos os exames em mãos você volta para o item 01 e 02. Provavelmente você vai cair novamente para o item três porque o médico analisa os exames e concluiu que não dá pra concluir.

8- Se por um milagre você não precisar fazer novos exames ele vai te passar uma resma ilegível de remédios caros. Claro, porque remédio barato atenta contra a imagem refinada que os médicos querem ter. Um médico de moral só passa remédio de griffe - até porque ele ganha comissão dos laboratórios e vai para a Europa de graça nas férias.  Se você tiver uma unha encravada ele vai te de passar remédio para gangrena só por causa da comissão.  Acidez no estômago? Toma-lhe remédio para úlcera.

9-  Detalhe: Você tem que ir a pelo menos duas farmácias para encontrar os remédios. Uma só tem um, outra só tem outro mas geralmente você não encontra nenhum porque o balconista tenta te empurrar um similar para ganhar também uns trocados de comissão dos laboratórios. Ele não vai para a Europa mas também é filho de Deus. Você é que não é.

10- Essa via crúcis dá gastrite.


Estou intuindo que estão prestes a criar uma nova casta de planos de saúde: os planos "ULTRA-VIP-DIAMANTE - DOENTES COM CLASSE ".  Claro que eles serão bem mais caros, mas vai valer a pena. Você conseguirá marcar consulta para o dia seguinte, será atendido por um médico sorridente e enquanto você espera receberá massagem desestressante e lanche balanceado. Se você pagar 50% a mais terá também direito a ser atendido em sua própria casa. Os exames serão feitos também em casa e os resultados entregues a domicílio junto com uma Coca-Cola. E você ainda contará com descontos de até 40% no valor dos remédios adquiridos nas farmácias credenciadas.

Você será respeitado quando descobrirem que o seu plano de vida é o ULTRA-VIP-DIAMANTE.

Sabe qual vai ser o plano de saúde da Hebe? Do Gugu? Do Roberto Carlos? do Cauã? da Dilma? Da Daniele Suzuki? Dos Big Brothers? Do MST? O ULTRA-VIP-DIAMANTE!

Por uns quatro anos vai funcionar. Depois é claro que vai amarelar igualzinho à UNIMED, AMIL PRIMA, GOLDEN CROSS  ...   E quem sabe daí nascerá o plano EUROPE LORDS VIPS - O FUTURO NO SEU CORPO - um plano que trata as doenças que ainda não surgiram e blá blá blá...

(Cara, eu tenho que patentear isso!)

11 de out. de 2011

Dia das Crianças - 12 de outubro

Um poeminha de autor desconhecido.
Toda criança deveria ser esperada desse jeito.



Reflexão

Espero um filho
Fruto de um sonho
E de um ato de amor,
Ele será luz para o mundo.

Trará consigo um imenso poder
De sonhar e acreditar na utopia.
Distribuirá a todos, sementes de paz
E com as mãos erguerá a terra
Em direção do sol e da chuva
Para que deles bebam o calor e o frescor
Da imensidão.

Será belo, meu filho.
E a beleza trará no nome.
E seu nome se repetirá nas bocas
De cada homem e cada mulher
E nas risadas das crianças.
Será sábia e ensinará a todos
O valor da inocência e da simplicidade.

Espero um filho.
Será ele a eternização
De mim e de seu pai e de seus avós
E carregará no coração
A dignidade herdada da família
E o exemplo de seus anteriores...

7 de out. de 2011

Eu, Maria Antonieta

"Eu, Maria Antonieta, a rainha decapitada da França, uso-me deste eficiente meio de comunicação para declarar que estou inconformada  com o modo injusto e distorcido com que minha história tem sido registrada ao longo de séculos. 


Hoje, distanciada de todos pela morte e pelo tempo, posso me desvestir da minha estupefação e traçar considerações pertinentes a respeito do que os senhores chamam de História. 


Não chamo a mim mesmo de santa ou piedosa senhora. Tive minhas virtudes sim, mas elas não vem ao caso. Só desejo exercer meu direito de resposta depois de ter sido  insistentemente enxovalhada pelos  "donos da história". 


De agora em diante não aceitarei mais ser condenada pela minha suposta futilidade, vaidade, luxúria e insensibilidade para com as necessidades do meu povo, até porque não sou pior do que os governantes atuais, apenas mais bem vestida.  Venho então requerer ser julgada pelos mesmos critérios com que os senhores consideram os criminosos do século  XXI.  Nem preciso que me equiparem aos virtuosos!  Tenho sido tratada com dureza e desdém enquanto traficantes, assaltantes e assassinos tem seus crimes aliviados por olhares condescententes. Pois afirmo aos senhores que eles não são mais humanos do que eu. 


Os senhores referem-se a eles como   "vítimas da sociedade". Pois também o sou. Não inventei a mim mesma, não pedi para nascer nem tenho culpa pela forma como fui educada e tratada.   A eles foram negadas condições de serem pessoas melhores? Também comigo aconteceu o mesmo! 


Fui assassinada, perdi casa, família e bens. Hoje nada mais disso importa mas chega um tempo no qual tudo o que uma pessoa realmente possui é a memória do seu nome.  Pois tiraram-me tudo e ainda isso.  Se mesmo depois de ter perdido até mesmo o pescoço os senhores insistem em que eu continue na posição de ré, tenho todo o direito de exigir que me julguem com os mesmos critérios utilizados para os piores delinquentes de hoje. Quero igual consideração. Isso já bastaria para me fazer descansar em paz em meu túmulo depois de ter pagado pelo crime (tão invejável!) de usufruir das riquezas não solicitadas que colocaram em minhas mãos. 


Se os assaltantes, que espalham o terror nas cidades podem ser vistos com misericórdia pelos mais letrados do seu tempo, porque também não eu?   Se se admite que a vida não lhes deu chance de serem melhores, por que presumir que em minha gaiola de ouro eu tive mais opção do que eles? Em meu tempo não existia televisão nem cinema nem internet. Os nobres não se punham a andar pelas ruas socializando com a plebe nem trocavam idéias nas tabernas com as pessoas comuns.Como sensibilizar-se com suas mazelas? Não havia nem telefones. A alienação era bem maior do que se pode imaginar hoje!   Eu poderia ser melhor do que fui? 


Sim, poderia. Assim como muitos meninos que passavam fome poderiam ser professores, bancários, médicos, atletas. Teoricamente poderiam sim, mas a maioria não consegue. Nem todo mundo consegue quebrar a maldição imposta pelo meio em que vive.  Senhores, não fui melhor do que o flanelinha que os importuna!  O luxo exacerbado também corrói o caráter e não é fácil andar em sentido contrário ao do mundo. Sejam também comigo clementes! Ou só os pobres são filhos de Deus?


Eu era pouco mais que uma menina, contava quatorze anos de idade quando fui separada da minha família para, como objeto de negociação e diplomacia, ser entregue em casamento ao rei da França, Luis Augusto de Bourbon.  Além da função decorativa, tudo o que eu deveria fazer - e fiz - foi parir herdeiros. Era praticamente tudo o que esperavam de mim. Nada mais me foi explicado, ensinado, cobrado ou imposto.


Conquistei a admiração da sociedade por meu bom gosto e excessos. Diverti-me. O que mais poderia fazer? Na época não me ocorreu outra idéia. Hoje é possível cometer todo o tipo de desatino enquanto se compra indulgência com obras sociais. Infelizmente naquele tempo isso não existia como moda. Eu deveria ter tido a idéia, mas não tive. Paguei caro pela minha falta de criatividade. 


Gastar e divertir-se; era exatamente o que as pessoas faziam no meio onde eu vivia.  As pessoas que me cercavam aplaudiam-me e procuravam imitar-me. Não consegui supor que eu deveria fazer exatamente o contrário de tudo o que eles admiravam.  Não me ocorreu que aquilo tudo pudesse ser tão absurdo. Lamento não ter convivido com nenhum santo que me influenciasse de outra forma. Fui impregnada desde criança pela idéia de que a vida ideal era a vida que eu vivia e não vivê-la era tolo e inútil, visto que não melhoraria em nada a vida dos demais. Tudo se resumia a luxo, prazer e beleza - coisas que os senhores também desejam.


Não fui uma contestadora dos costumes da minha época.  


Sei perfeitamente que nem todos os miseráveis se tornam bandidos e nem todos os ricos se tornam insensíveis, mas acontece.  Digo alguma novidade?


Nem todos os nobres se tornam insensíveis e fúteis, mas a maioria não escapa da maldição imposta pelo meio em que vive. O que esperavam de mim? Que eu fosse uma louvável exceção?  Pois saibam: não existem sementes de exceções. Ninguém planta exceção. Plantamos regras e apenas gerenciamos a surpresa. 


Notem que minha insensibilidade para com a vida do próximo não é maior nem menor do que a insensibilidade do assaltante que  esfaqueia a vítima por ela não trazer dinheiro na bolsa.  Admitamos que a minha desumanidade assemelha-se à deles. Sim, suportarei ser olhada como delinquente mas não tolero ser julgada como se eu estivesse acima da influência do meio em que vivi. Por que eu sou imune ao meio mas os assaltantes não? Sou melhor do que eles? Se sou melhor, então mereci as riquezas que esbanjei e fui morta injustamente. Se não sou melhor, exijo ser considerada com a mesma condescendência. Cada pessoa reage ao mundo do jeito que consegue.


Em suma: foram pessoas como os senhores  que me forjaram. Descobri isso lendo as idéias dos intelectuais modernos.  


Não busco absorvição, mas igualdade de tratamento. Só assim vocês provarão que são melhores do que eu. Se não são melhores, como tentam aparentar, eis aí mais um motivo para deixarem de me julgar.


Maria Antonieta." 

4 de out. de 2011

Sustentabilidade



Hoje acordei com sentimento de culpa. Estou me sentindo super culpada porque não simpatizo com a palavra SUSTENTABILIDADE. Ai que vergonha!

Quer saber? Acho que esse negócio não existe. Somos uma espécie inviável. Não sou contra as provdências que visam nosso crescimento sustentável. Sou todinha a favor, só não acredito!  Não me sai da cabeça que nós já estamos condenados e é só uma questão de tempo para a bomba explodir. Desculpa aí se você é um esperançoso verde.

Pra completar há um problema com a palavra em si:   quando ouço SUSTENTABILIDADE  não consigo pensar em nada verde ou azul.  Veja você algumas das idéias que me atacam quanto penso em sustentabilidade:

1 - SUSTENTABILIDADE lembra PRIVAÇÃO, PROIBIÇÃO -  Para eu ter uma atitude sustentável devo me privar de um monte de coisas "não sustentáveis". Devo ser basicona.


2- SUSTENTABILIDADE lembra LIXO - Não deveria, mas lembra. Porque a questão não diz respeito apenas a matéria prima. Precisamos entender uma coisa: Produção faz cocô, sabia? E o nome do cocô da produçao se chama LIXO. Quando penso em "sustentável" me vem à mente, estranhamente, o seu contrário: uma montanha insustentável de lixo correndo atrás de mim.


3- SUSTENTABILIDADE lembra AMEAÇA  - Falar em sustentabilidade é ameaçar, querendo ou não. É apontar o dedo no nariz. É fazer a gente se sentir culpado do caos só pelo fato de ter nascido. Nasci, consumo, sou um monstro destruidor.  Isso torna o discurso pesado.

4- SUSTENTABILIDADE lembra  CINISMO - Sei que deve ter gente falando sério, mas lá no fundo fica a suspeita de que tudo é só pra inglês ver. A gringaiada injeta grana aqui para garantir a sustentabilidade, então alguém tem que dar a impressão de que estamos levando a coisa a sério (quando todos sabemos que não estamos).  Tá, eu sou maldosa. Esqueça esse item.

5- SUSTENTABILIDADE lembra FATALIDADE - Por fim, todos os discursos sobre sustentabilidade, desgraçadamente, negam a si mesmos. Eles só nos levam a concluir que jamais haverá uma conversão em massa capaz de mudar o rumo das coisas.

Tudo bem, vou plantar uma árvore. Mas depois, pra relaxar, vou fazer umas comprinhas.

2 de out. de 2011

Gretchen



Tô pensando na Gretchen e em como as pessoas podem ser cruéis.
Tô pensando na Gretchen e em como é enganoso confiar na própria bunda.
Tô pensando na Gretchen e em como a juventude passa rápido.
Tô pensando na Gretchen e no desamor de pessoas aparentemente boas.
Tô pensando na Gretchen e em como a auto exposição pode ser uma faca de dois gumes.
Tô pensando na Gretchen e em como teria sido mais negócio para ela ter continuado casada com um de seus vários maridos.
Tô pensando na Gretchen e em como é triste não poder pelo menos sonhar que uma nova plástica possa  tranformar a água em vinho.
Tô pensando na Gretchen... será que ela não se lembra dos homens ricos que a desejaram? E será que ela não se pergunta se eles ainda ... deixa pra lá.
Tô pensando na Gretchen que não sentia o tempo passar... mas que agora sente.
As pessoas se comprazem em flagrá-la fazendo show em circo de subúrbio. Se comprazem em mostrá-la servindo mesas em lanchonete de Orlando.
Acho que ela agora só queria ficar longe de tudo e em paz.  Às vezes o ostracismo faz um bem danado.

Vamos deixar a Gretchen em paz.

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