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21 de mai. de 2025

"Botton"

Agora entendo os velhos. As pessoas criticam dizendo que precisamos de novos sonhos,  novos planos e alvos. É esse o conselho: fazer de conta que a vida não está se esvaindo e que ainda temos muita coisa pela frente. 

Creio que sempre fui - no passado - uma pessoa cheia de vida. Era algo bem real, que exalava. Era isso, não propriamente beleza, que me tornava uma pessoa interessante.  Então eu concordava com quem aconselhava os velhos a se animarem. O que eles não sabiam, e  agora sei, é que se animar cansa e nem sempre dá frutos. É um fenômeno interior  empapado de expectativas e a maioria das expectativas são pneus furados: não vão muito longe. 

Os velhos não querem mais vibrar nada, querem apenas que não lhes encham o saco.

Até uns 15 anos atrás eu ainda cultivava a ideia de que uns fatos animados poderiam me sobrevir.  Coisas poderiam acontecer. Eu então poderia plantar coisas para coisas acontecerem.   Com esse pouco de matéria-prima eu ainda consegui ir levando por mais um tempo. Toda expectativa alegre joga uma baforada de juventude na cara da gente. De fato algumas coisas legais aconteceram. Só não me disseram que elas eram "a rapa do tacho". 

O tempo está escoando como areia em uma ampulheta arrombada. Não dá mais tempo de nada e como eu não quero mais nada mesmo, está tudo bem. O trem já está em movimento. É seguir viagem com o que  tenho em mãos e seja o que Deus quiser.

Não acho que esse texto seja triste. Não estou triste por isso mas pelos grupos animados de amigos, que viraram pó. Não os amigos que viraram, pó mas os grupos. Entenda. 


Ah, os amigos...  Flutuávamos por perto uns dos outros como um sorridente sistema solar.  Parecia haver uma lei da gravidade que nos mantinha assim.  Ninguém nunca ia longe demais, ninguém nunca ia para sempre. Depois de uma temporada circundando o sol o retorno era garantido.  

Bem, não somos astros e não há nenhuma gravidade que nos grude para sempre uns aos outros. Nosso sisteminha solar - coitado - é frágil como um ajuntamento de bolhas de sabão.  Um simples sopro e vai cada um para um lado.   

Depois de uma temporada visitando o sol alguns corpos celestes simplesmente não voltam mais.  São capturados, talvez, e vão integrar outras orbitas - tchau e bênção.   

Eis que os amigos evaporam como gelo no asfalto. De fato amizade não é para sempre.  É bonito dizer que é, mas não é. Culpa de ninguém. Gelo no asfalto.  

Aí vem o lance da solidão. Mas calma, ela não chega cedo. Ela demora e se anuncia com muita antecedência. A solidão é aquela hóspede que nem chegou, mas já começou a incomodar. Começa desde quando você percebe que, aos poucos, os seus amigos vão abandonando a ciranda, um a um. "Vou ali fazer xixi e já volto" - mas não volta. É aí que você começa a entender o que vai acontecer.   Sim, ela demora a chegar, mas já te chateia bem antes.

Então saiba que essa cobrança otimista de "olhe para o futuro" não cola mais. Tudo agora se resume a uma despedida arrastada.   É o momento em que a vida se assemelha a uma "dança de rato", que dá voltas e mais voltas pra no fim acabar indo mesmo para o brejo. 

No momento está caindo uma chuva espalhafatosa lá fora. Lembro do tempo em que eu adorava pular na chuva. É uma das sensações mais maravilhosas do mundo! Não entendo por quê cargas d'água a gente para de pular na chuva!

Bem, ainda olhando para trás eu posso já afirmar que tive uma vida muito boa. Agradeço aos envolvidos.   Milhares de coisas lindas aconteceram. Tudo bem, várias outras, ruins, também aconteceram  mas elas fizeram o favor de "desacontecer", então fiquei no lucro.  Posso classificar minha passagem no planeta como BEM SUCEDIDA.  


Quanto ao mais, o melhor da pior idade é poder dizer o seguinte em relação a todos os convites e a todas as sugestões:  não sou obrigada

Vou criar um "botton" com isso.

11 de nov. de 2024

Frasco aberto


Não estou conseguindo. Sério, não consigo mais. Há coisas que escrevi há anos e nem eu mesma acredito que fui eu que pari a criança.   Esses dias fui com o cursor do mouse até o final da poesia para ver se eu mesma havia escrito aquilo ou se constava ao final do texto os créditos do verdadeiro autor.  Mas não, não havia crédito de outro. Era eu mesma, a Cristina, quem escreveu. Nossa, que surpresa! Sério mesmo?  

Acho que esqueci o frasco do perfume aberto. Ou muito mal tampado. Senti saudade da antiga fragrância mas tudo que encontrei foi um pouco de líquido amarelo-escuro no vidro. O líquido estava  um pouco mais denso e com o cheiro drasticamente diminuído... e um pouco alterado também.  Cheiros deveriam ser sagrados.  

Deixei o frasco aberto por muitos anos. Que descuido!    

Eu mesma me sinto assim, gasta e cansada e não há erro maior do que tentar fingir que ainda sou a mesma.   Mudou tudo. Não me reconheço. Isso tem um lado bom porque é necessário uma dose bem grande de angústia e inquietação para escrever alguma coisa bonita.  Tem que doer pelo menos um pouco. Agora, por exemplo, está doendo um pouco. Só por isso estou conseguindo escrever.

A felicidade é desajeitada demais. E distraída. Não registra nada, perde as anotações, esquece a chave e sempre está com pressa.    Já a paz é menina preguiçosa, satisfeita, que não quer ser incomodada. Ok, é justo. Chega de dramas e alaridos. Chega da balbúrdia das vozes internas. A paz só admite sons externos, que não clamam nem reclamam, só sinalizam. Em suas reconfortantes repetições os sons comuns deixam bem claro que a vida continua e sem suspenses. 

Sobra o que interessa:  o som da split velha, do caminhão de lixo, do gato, da lavadora centrifugando, da construção do outro lado da rua,  da panela de pressão fazendo feijão. Sobra o comum, o que não encanta nem incomoda. Sobra a deselegância das pantufas de quem não se importa mais. O visceral sumiu - e quem sou eu para dizer que isso é ruim? 

Não estou reclamando! Eu só queria conseguir transpirar mais um último soneto. Só mais uma rimazinha gentil. Só isso.    

Pois tá aí:  esse é o meu draminha de final de tarde.  

18 de mai. de 2024

Confusão emocional

BEBÊ RENA:

Finalmente terminei de assistir a minissérie Bebê Rena.  Trata-se de um tremendo DRAMA PSICOLÓGICO que acabou me levando a uma série de reflexões. 

1-  As coisas mais estranhas ou condenáveis que uma pessoa faz nem sempre são frutos de uma livre escolha.   Algumas pessoas estão tão doentes por dentro que vão agindo de forma estranha a si mesmas.   Depois  passam o resto da vida tentando entender "afinal de contas que merda foi aquela" ou "como me vi envolvido em algo que não desejei nem por um minuto? Que tipo de idiota sou eu?'  

2- "Aconteceu porque você quis"  não se aplica a tudo.  

3- Nós não temos a menor ideia do que as pessoas passaram para chegar ao ponto em que chegaram.

4- Esse filme é assim:  depois de odiarmos o personagem por vários episódios, aos poucos ele (e nós) vamos entendendo todo o seu imenso drama interior e isso munda toda a nossa visão.

5- Um boa terapia pode te livrar de fazer muita "caca' nessa vida. 

6-  Por causa de uma carência profunda você pode destruir a sua própria vida.

7- Isso é MUITO COMUM em casos de estupros, assédios  e abusos sexuais continuados.  A pessoa perde referências e não sabe mais como a situação chegou onde chegou.   

8- Desabafar? Impossível. Para desabafar é necessário explicar o que está acontecendo. Só que A PESSOA NÃO ENTENDE DIREITO O SENTIDO DE TUDO O QUE ESTÁ ACONTECENDO. 

9-  Confusão emocional é uma coisa muito dolorosa e fragilizante.  E é bem fácil manipular uma pessoa que se encontre nesse estado. 

10- Quem mata sabe por que mata. Quem rouba sabe por que rouba. Mas o sujeito manipulado não consegue entender  qual foi a  sua motivação.  Tudo parece um emaranhado aleatório no qual foi se enredando sem sentir e depois não conseguiu mais sair. 

11-  Qualquer pessoa que olhasse aquele personagem iria dizer que ele era apenas muito burro ou que no fundo gostava daquela maluca. Só que não era nada disso. Nós somos seres extremamente complexos. Não há respostas simples para situações confusas.

Essa série é um tratado de psicologia.  

No fim você acaba sentindo pena do cara e da absurda fragilidade dele.  

Depois de tudo espero ter me tornado uma pessoa mais compreensiva com o próximo.

19 de nov. de 2023

O BELO *

Em todas as sociedades existem padrões de beleza comumente aceitos.  Eles variam um pouco mas claramente existem e  não são impostos. Eles nascem naturalmente apesar de poderem ser "contagiosos":  Sim, você pode absorver preferências de outras culturas se estiver exposto a elas.  Qual o problema? É assim no mundo todo. 

Detalhe: para tudo que é bonito existe o seu oposto. 

Você pode espernear a vontade mas é impossível abolir isso.  Você pode fazer campanha e explicar que há outros valores preciosos além da beleza. Hei de concordar com você.   Você pode dizer que beleza não é tudo e o sujeito "não bonito" é também um ser preciso .  Ok, é verdade mesmo!!!!  Mas você não pode obrigar ninguém a achar bonito aquilo que ele NATURALMENTE  acha feio. Paciência!   

Não perca seu tempo tentando subverter conceitos não fundamentais que vão ser fatalmente  alterados no decorrer dos anos. 

Quando eu era menina a beleza suprema feminina era olhos grandes e boca pequena e delicada.  Hoje inverteu: bocão está em alta. Peitão era feio. Pernas finas era feio demais. Mulher musculosa era feio.   Os pelos masculinos eram algo muito sexy, símbolo do vigor masculino. 

Ninguém precisou encher o saco de ninguém para mudar isso!  Simplesmente aconteceu e vai continuar acontecendo.  

Confie na naturalidade dos processos. Respeite!

Sempre existirá o conceito de feio e o conceito de bonito. Qual o problema? 

Quem é feio não tem que ser convencido de que é bonito através de elogios hipócritas.  O feio só precisa entender que não precisa ser bonito para ser feliz.  Ele,  como ser humano,  transcende a isso!  Felicidade e sucesso não dependem da aparência física.   É isso que precisa ser ensinado,  não o besteirol de que "não existe feio nem bonito". Mentira. Existe sim!  

A beleza não é o "bem supremo" pelo qual devamos lutar com todas as forças.  A beleza é apenas um momento biológico. Vem e vai como o vento.

17 de out. de 2023

"MATOU PARA LIMPAR A HONRA"

A um tempo atrás  era assim. 

Quando a mulher traía o marido ela corria o risco de ser assassinada por ele. Não era sempre que acontecia, mas o risco era grande.  O homem seria preso, claro. A sociedade desaprovaria o crime mas ... Sempre haveria um "mas".  Seria um homicídio causado por grave abalo emocional, portanto um crime de menor gravidade.

Hoje as pessoas, ao analisar o passado, dizem que aquilo acontecia porque a mulher era vista como propriedade do marido.  Discordo do motivo.

Não é que a mulher fosse vista como uma propriedade.  O problema é que a figura do traído era profundamente vexatória para o homem, a ponto de lhe degradar a imagem.  Era o peso de um  ridículo tão grande que se tornava insuportável  para alguns. Uma terapia ajudaria, mas um machão jamais recorreria a ela. 

Para o homem antigo era como se da noite para o dia ele fosse transformado de cidadão, pai de família e trabalhador honrado em um simples palhaço.   O papel de traído era ridículo demais para a época.  

Já quando era o homem que traía, a reação da sociedade era completamente diferente.  Pra começar ninguém ridicularizava a mulher. Pelo contrário:  as pessoas sentiam pena, se solidarizavam.  E mais: se ela não abandonasse o marido e continuasse a cuidar dos filhos, passaria a ser vista como "uma grande mulher" , mulher exemplar, símbolo de força e caráter. Isso por priorizar a união familiar, se sacrificar pelos filhos e aguentar a situação.  

O homem traído virava palhaço e a mulher traída virava santa. Ok, posso estar exagerando, mas era mais ou menos isso.

A mulher só se tornava vilã quando traía.  A traição feminina era muito mais grave do que a masculina. Não havia perdão. 

Então o crime - a meu ver - não tinha nada a ver com a ideia de posse mas com o rótulo humilhante que a sociedade da época colocava sobre o homem. Para se livrar do peso da humilhação, alguns enlouqueciam.    No conceito de muitos machos, só o assassinato ("lavar a honra")   tiraria da cara da sociedade o risinho de deboche.  Ele passaria a ser o monstro, mas não o palhaço da história. 

Assim funcionava grande parte das cabeças masculinas. Obvio que um homem equilibrado, bem resolvido e seguro de si jamais mataria a própria esposa. Simplesmente lhe viraria as costas e seguiria a vida de cabeça erguida, afinal o erro não foi dele, mas dela.  Mas infelizmente nem todos tinham essa firmeza interna e o peso da opinião alheia era mais importante do que tudo na vida. 

Penso que era assim.  Mas e hoje,  como é?

Não é nada incomum as mulheres traídas matarem seus maridos adúlteros.  Pra começar, quando acontece  a mulher não sofre grande repulsa por parte da sociedade. Parece até que há um certo  consenso na ideia de que "provavelmente ele mereceu. Ele deve ter levado ela a loucura, coitada." A mulher não mata pela honra mas pelo ódio de ter sido enganada. E pela dor do ciúme e pela dor de imaginar o risinho "da outra" pelas suas costas.

O homicídio praticado pela mulher e o praticado pelo homem não são vistos da mesma forma pela sociedade. Quando a mulher mata ninguém a acusa de "sentimento de posse" sobre o marido. Já quando o homem mata já uma certeza geral de que foi por ele se sentir dono dela. Quando a mulher mata as pessoas reagem como se o homem tivesse feito por merecer e ela é a vítima, por ter sido quase empurrada àquele ato tresloucado.  Quando o homem mata, ninguém acha que houve alguma contribuição externa para tamanha vilania. Ninguém diz que a mulher contribuiu para a desgraça ou fez por merecer. A mulher nunca merece. Só o homem merece.  

Se antes a sociedade era injusta com as mulheres, agora é injusta com os homens. O vilão é sempre ele seja como for:  matando ou morrendo.  No caso da mulher,  se  ela matou é porque "não aguentou mais o sofrimento" e se morreu era porque ele era tão ruim que acabou tirando-lhe a vida.  

Sendo assim, parece-me que a situação é mais injusta hoje do que a de antigamente.  Porque antigamente pelo menos o papel de vilão se alternava! A mulher conseguia ser vilã quando traía. Hoje não.  

Não evoluímos NADA.  A evolução está na  imparcialidade. O sentimento de que "agora chegou a nossa vez de dar o  troco" é  profundamente adoecido e socialmente nocivo.

Agora me pergunto: quanto tempo ainda deverá se passar para pelo menos começarmos a desejar a JUSTIÇA e a trabalhar por ela? 
 

9 de jul. de 2023

Sofrimento seco *

Coisas esparsas. Ideias esparsas. É assim que sinto esse momento, onde procuro o fio da meada no meio do escuro, no meio da dispersão causada pelas redes sociais.  Estou tateando, me procurando. Às vezes  esbarro em mim mesma mas novamente escapo.

Preciso voltar a escrever.  E não é o que estou fazendo? Não. Não estou escrevendo. Estou prometendo recomeçar. Estou dizendo que quero.   

Escrever é como me achar de novo. Meu Deus, como andei perdida!  Saudade da minha versão mais real, que é capaz de ver poesia em pingo d'água. 

Estou cansada de ser nada no meio da confusão das redes. Me perdi de mim,  diluí minhas emoções, reduzi tudo a poucas frases "estratégicas e bem pensadas" feitas para serem lidas rapidamente por quem não quer ler, absolutamente. Que humilhante reduzir a isso os seus próprios sentimentos, suas próprias percepções!   Que humildade abominável reduzir tudo para caber no desinteresse alheio!  

Se é para falar sozinha que seja aqui no blog,  com o estado de espírito de quem escreve em um diário.

Hoje vi um filme triste, muito triste e romântico. Isso parece ter me acordado de algum sono muito longo. De repente me senti novamente capaz de sentir esse tipo de emoção, de dor suave.  

A gente vê tanta maldade política que parece que vamos ressecando, endurecendo junto com os outros. Uma floresta sem folhas, só de galhos secos.  Mas uma "boa dor" faz o coração amolecer. É como óleo no cascão de ferida.  Um filme romântico me pareceu bem terapêutico.  

Vejo isso como um bom presságio: poder ser, sim, que a Cristina escritora esteja voltando, cansada de guerra, cansada da inutilidade de sofrer sem poesia. 

Nos filmes a gente sofre nos braços da beleza. Mas lendo os noticiários a gente sofre no seco, muito amargamente e sem graça. É o mais nocivo dos  sofrimentos  porque, ao invés de amolecer a alma (como fazem os filmes)  o sofrimento seco faz o contrário:  desidrata a gente.   Acordar de um filme triste é se sentir feliz porque, afinal de contas, a sua vida é melhor do que aquela. Mas acordar das más notícias e descobrir que não tem para onde emergir é duro.    

Não quero continuar mergulhada, sem ar.


22 de mai. de 2023

Carência versus orgulho *

Mais um dia que se passa e eu não cumpro a promessa que fiz a mim mesma de procurar minhas amigas, manter contato, não me afastar de ninguém. Os dias são maus. Sozinho tudo fica mais triste. 

Quero deixar um recado ao mundo: parem com esse orgulho bobo de "por que só eu que tenho que procurar? Não vou procurar quem não me procura. Por que  só eu que tenho que correr atrás?"   A resposta é simples: só você tem que correr atrás porque só você sente falta. A necessidade é sua. Por que se importar com os outros? 

Se você sente sede e o fulano não sente, não faz  sentido perguntar "por que é que só eu tenho que tomar água?"   Nesse caso a necessidade alheia é absolutamente irrelevante.   Cuide de vocÊ, dê a você o que o seu coração pede.     E tem mais: o fato de não te procurarem te deixa muito a vontade para simplesmente sumir quando a sua carência for satisfeita. 

O que importa é você e o que você precisa hoje. Cobrar amor nunca deu bom resultado.  É bobagem. Apenas seja livre desses orgulhos bobos. Seja livre.  Busque quem você quer, quando quiser. Dê atenção às suas necessidades, às suas solidões e saudades.  Se agir assim você jamais será a devedora da situação. É horrível pensar na coisa nesses termos, mas lá vai: quem dá o primeiro passo será sempre o "credor".  Vá atrás sim, e jamais se preocupe em retribuir coisa alguma, já que a iniciativa foi sua.

Há um "quê" de liberdade nisso tudo. 

11 de jan. de 2023

Várias coisinhas *


1) Esses dias alguém disse, acertadamente, que as crises são necessárias inclusive para a gente descobrir quem realmente somos. É verdade. Esses dias flagrei em mim uns sentimentos pouco nobres que eu pensava não ser mais capaz de sentir.  Ok Deus! Já pode desligar a crise. Já saquei.

2) Outro dia ouvi uma frase reconfortante sobre MEDO: a maioria dos nossos medos jamais se concretiza.   É muito  bom lembrar disso. E quais são os meus maiores medos?  Obvio que não vou te contar. São poucos mas são meus.

3) Recentemente percebi que eu finalmente venci a depressão das sextas feiras. Um dia alegre pra todo mundo era uma tortura para mim. Foi assim por anos. O motivo provável é que a maioria dos meus sonhos, fantasias e desejos seriam realizáveis de preferencia às sextas e eles simplesmente nunca aconteciam. A esperança se renovava como fênix todas as sextas, teimosamente. Mas o mundo ao meu redor parecia estático e pouco disposto a mudar um pouco para socorrer a minha pobre alma.   As sextas feiras eram um rosário de frustrações e ressentimentos. Mas passou.   O mundo continua estático. As coisas continuam não acontecendo mas isso não me fere mais. Desisti. 

Sim, desistência pode fazer muito bem. Jogue seus sonhos no lixo se eles estiverem te enchendo muito o saco.

Sonho bom é aquele que você não precisa de ninguém para que se realize. Se é algo que dependa apenas do seu esforço, vá em frente. Mas se forem sonhos que precisem de parceiros (tipo sonho romântico) mande às favas essa tranqueira.  

4) Mas tenho outros espinhos emocionais a extirpar:  um deles é a inexplicável  angústia das viagens. Claro que gosto de viajar. Acho que todo mundo gosta.   Mas toda vez que o faço sinto uma angustia, um aperto no coração. É como se eu estivesse me despedindo para sempre de algo.  Como se fosse uma partida eterna, talvez como se eu não fosse voltar nunca mais. Uma espécie de premonição que nunca se realiza mas sempre se anuncia, de forma persistente.  Sinto como se eu estivesse abandonando alguém. A dor é exatamente essa: dor de culpa.

É tudo muito, muito cinza.

24 de out. de 2022

Quem precisa de religião?

Primeiramente é bom ressaltar que Jesus não é uma religião.  Ele é apresentado pelo cristianismo mas não se limita nem se resume a isso.  Isto posto: 

1- Ninguém é  realmente bom. Se formos olhar de perto,  dentro do coração de cada um,  TODOS  abrigamos algum tipo de mau sentimento.    Só Deus é realmente bom.  

2-  A religião inspira as pessoas a quererem ser melhores e isso é bom sim,   embora NÃO SEJA INDISPENSÁVEL.  

3- A  religião pode despertar no ser humano o desejo de ser alguém melhor. Isso em si já é bom,  mas só Cristo opera uma transformação de dentro para fora.  Então religião pode ser boa mas só JESUS é indispensável. 

4 - "Ser bom" (socialmente falando)  é um treinamento sim. É um adestramento. Qual o problema? Por que isso seria ruim? 

5-  A proposta do Evangelho vai muito além dessa maquiagem social.  Jamais devemos achar que  Jesus é uma religião.  Ele é UMA PESSOA,  VIVA E REAL.

6 - "Ah mas Fulano nem tem religião e é caridoso e honesto!"   Ótimo. Mas é só isso que importa? Não! Se generosidade fosse tudo,  Jesus instituiria uma ONG, não a sua  igreja.  

7-  Caridade é a virtude aurea sim. É o centro de tudo,  mas... e as outras virtudes?  E o perdão? E a fidelidade? E a honestidade? E as orações? E a devoção, a intercessão, o coração grato, o arrependimento,  a paz,  a lealdade,  a doçura,  a disposição para trabalhar,  a atenção para com quem precisa desabafar, a humildade...?  Nada disso é importante? 

Os pecados: e a mentira? E a inveja? E a porfia? E o orgulho? E a eterna competição? E o desejo de domínio sobre os outros? E a manipulação? E a grosseria? E as taras? E os vícios? E a falsidade? E a vontade de aparecer? E o orgulho? E o sentimento de superioridade? E o preconceito? E a ingratidão? Não precisa haver mudança?  

8-  As pessoas "boas,  que não precisam de religião" e as "religiosas sem Cristo"  dificilmente enxergam esses defeitos e carências em si mesmas.  E quando enxergam não sentem o menor incômodo  pois "já são suficientemente boas".    Só a luz do Evangelho faz a gente se enxergar e almejar algo mais.  

6-  Ninguém precisa do Evangelho para ouvir bons conselhos. Existem milhares de religiões no mundo que já fazem isso.   Se pra você o obra de Cristo se resume a fazer o que Buda já fazia 600 anos antes,  então você NUNCA ENTENDEU A PROPOSTA DO EVANGELHO.

7-  Jamais um cristão vai dizer que "Fulano já é bom então ele nem precisa do Evangelho."   Sabe por que? Porque o verdadeiro cristão sabe que em  hipótese nenhuma Jesus é dispensável. JESUS NÃO É DISPENSÁVEL NEM OPCIONAL.  Jesus não é um  truque,  ele é uma pessoa. 

O Evangelho não se resume a "mais um argumento para convencer uma pessoa a se comportar bem".  Isso é de um reducionismo lamentavel!   A obra de Cristo é MUITO,  MUITO,  MUITO MAIOR DO QUE ISSO!!!! 

Por exemplo: você pode ser um excelente cidadão, alguém exemplar,  mas ter uma vida miseravelmente vazia. O Evangelho de Cristo é exatamente sobre isso. 

18 de out. de 2022

Amor em forma de fogueira *

Sabe aquele pessoal que queimava livros na Idade Média,  durante o regime nazista,  na revolução chinesa etc? Pois é,   TODOS eles fizeram isso "em nome da verdade". 😇   Foi tudo por amor. 

Era  sempre para "proteger a população das mentiras e do fanatismo". Nossa,  que bondosos! Que sábios! Que gente bem informada da porra! 🤓

 Por exemplo:  só "eles", os guardiões da verdade,  sabem a medida correta da sua religião. Eles sabem dizer até onde você pode ir com sua crença e onde você deve pisar no freio. Se eles derem o STOP, é hora de parar!    Eles possuem a régua divina e se você não parar por bem, eles te param por mal.  

Na ciência é do mesmo jeito: há coisas na ciência que só atrapalham a evolução da sociedade.  São contraproducentes.  Mas eles,  nossos tutores,  sabem calar  todo bocudo que quiser atrapalhar a ideologia salvadora deles.  Sua felicidade é mais importante que a verdade científica e eles, só eles sabem o que você precisa para ser feliz.  Sendo assim todo  pesquisador,  todo médico, todo infectologista que não dançar conforme a música deles deverá ser silenciado.  Toda verdade que não convém ao modelo de sociedade ideal deve ser substituída por novas verdades.  

O trabalho mais difícil eles já fizeram, que foi te convencer de que "não existe verdade".  Só existe a verdade deles que, no caso, é incontestável.   Agora que você já aprendeu essa lição básica,   o que eles enfiarem como verdade DEVE ser aceito como tal. 

Os Reguladores da Mídia e Detentores da Verdade (que belo título!)  são pessoas muito especiais!  Têm uma clarividência incrível!   Só eles conhecem a versão correta das narrativas e jamais permitirão que uma "verdade invasora" manche a sua linda cabecinha .  Confie! Eles sabem qual  a versão perfeita de tudo que andam dizendo por aí. 🦻👌  

Você realmente precisa que eles te mostrem o caminho,  a verdade,  o rumo certo,  a interpretação correta da vida.🤡  Eles são O ORÁCULO!!!!  🙏🙌

- Me dê aqui sua liberdade.  Vou cuidar dela para você.  Protegerei seu cérebro como se eu defendesse o meu próprio salário. Deixa comigo!  

Sabe aqueles caras lá de Brasília? Eles são muuuito safos mas você... é tão ingênuo!  Você não sabe analisar versões, pesquisar várias fontes e tirar sua própria conclusão. Você pensa que sabe.  Já notou que geralmente sua conclusão é diferente da deles? Pois é, você pensa  tudo errado! Por quê correr esse risco? Pra quê ter tanto trabalho raciocinando  se os seus tutores podem mastigar isso tudo pra você?    😁👍

Confie neles.  Eles só querem o seu bem.👌

13 de out. de 2022

VOLTAR A SER CRIANÇA? Não, obrigada *

Se há uma coisa que não tenho a menor vontade de resgatar é "a criança que existe em mim". A ingenuidade total é perigosa,  é pesada e é um saco. Sempre tem alguém rindo da sua ingenuidade. Pode reparar.  

Não tenho saudade de só poder sair de casa com um adulto a tiracolo segurando minha mão e determinando o ritmo da caminhada.  Meu sonho era poder sair sozinha.

Não tenho saudade da minha introversão, da minha dificuldade em entender uma ironia, não tenho saudade de não ter uma resposta na ponta da língua nem de não saber reagir a uma brincadeira de mal gosto.  Não tenho saudade de me sentir inofensiva no meio de algumas crianças agressivas. Eram inúmeras as situações em que eu não sabia como agir ou reagir.  Isso é muito incômodo!

Minha infância foi feliz sim, cercada de amor e pessoas maravilhosas.    Mas meu universo interior não era muito divertido. Era uma casa por arrumar. Era "tudo ainda por fazer". 

Não acho que ser criança seja tão divertido.  Eu achava a  dependência total dos adultos algo detestável (embora eu soubesse que era necessário). 

Infância? Chega. Já deu. A vida está melhor agora.

4 de out. de 2022

Despedidas *

Acho que a despedida dói mais do que a saudade. 

A saudade é uma dor diluída no tempo.  Já a despedida é a dor de todo o tempo concentrada em um único momento.  

16 de jan. de 2022

E por fim... *

Por fim, haja o que houver, permanece aquela coisa  bem minha, lá dentro, firme como o ferro. É o nosso eu verdadeiro que ninguém consegue matar.  

Há ainda por debaixo de todas as camadas do tempo aquela pessoa respirando, como um bebê não desejado sufocado dentro de um espartilho. Há ainda, e pra sempre, esse alguém que nunca pudemos ser e ao mesmo tempo jamais deixaremos de ser.   

Pra sempre e enquanto houver vida, de vez em quando você pode esbarrar em você mesmo por aí. E vocês se olharão nos olhos. "- Por onde andou? Por que não se impôs?"  

Enquanto houver a possibilidade  de alguma música ou algum cheiro sutil te acordar esse ser virá a tona cheio de cobranças. Um lugar, uma cor de parede, uma camisa velha, um cheiro peculiar, um vulto livre naquela colina, um trem indo embora cheio de amargura.  As duas pontas do tempo se encontram e você vai acabar esbarrando consigo mesmo. Deve doer. 


"Ele", o seu EU adormecido, é como uma semente que vem à tona mesmo guardada em uma lata debaixo da cama. Ao menor sinal de sol, de ar e de vida pode abrir os olhos de novo. 

Enquanto a gente é jovem há sempre o consolo do que pode vir a ser.  A ideia de "algum dia talvez" ajuda a gente a viver. Sempre pode cair sobre nossas pobres cabeças algum milagre derradeiro. Pode haver algum cochilo dos vigilantes ou convergência de astros. Alguma coisa sempre pode dar tão errado mas tão errado que você de repente consiga pegar aquela ponta de fio solto e resgatar alguma coia para si. 

Mas e quando muito tempo já passou?  Dá até medo de que o milagre chegue atrasado.  A pior coisaa do mundo é um milagre  atrasado.     

E se tudo der muito, muito, muito errado mesmo e a vida te jogar no colo aquela pluma perdida que andou vagando pelo mundo? E se ela vier? O que você faria depois de tanta demora? A dor desse atraso seria tão dolorosa que só a morte serviria de consolo.

É estranho demais esse sentir, de que tudo o que não foi era a sua verdade, no final das contas.

23 de mar. de 2021

O crochê das cartas *




"Escrevo-te essas mal traçadas linhas..."
"Escrevo-te esta mensagem desejando que ela te encontre feliz e saudável,  juntamente com os teus. "
"E não repares nos erros de português..."

Frequentemente era assim que se iniciavam as cartas: de um jeito formal, empertigado.   Nada de gírias . Escrevia-se para o primo como quem escreve para o chefe. E por que não? 

Eu adorava escrever cartas, embora as minhas não tivessem as tão famosas "mal traçadas linhas".  Quem escreve uma carta tem 60% de garantia de receber uma resposta e aí está uma das delícias de fazê-lo. Se você tivesse sorte a resposta viria em uns 15 dias.  Em época de e-mails e WhatsApps, 15 dias parece muito, mas não naqueles idos. O tempo é relativo. Para ser mais precisa: o tempo não existe. Melhor ainda:  o tempo é como chifre, é uma coisa que colocam na sua cabeça.

Me ocorreu agora que nesses tempos emocionalmente chochos deveríamos "brincar de voltar ao passado".   Que bela surpresa a sua amiga teria ao receber uma carta sua! Que iniciativa simpática! Redigir uma carta hoje é quase como tecer uma peça de crochê. 

Faça crochê!

Sim, eu sei que existem e-mails, WhatsApp e outras frias modernidades que tornam tudo muito mais rápido e sem graça.  Ignore. Siga em frente na sua decisão de ser "original". Escrever carta é escrever história! Porque geralmente elas são guardadas como relíquias. Olha que chique! Muito da história que  conhecemos revelou-se através de cartas. Diários também, mas hoje é dia de falar das cartas.

Boa parte da história do Brasil e do mundo foi resgatada através da doce indiscrição de revirar cartas alheias.   Amareladas e misteriosas elas nos revelaram coisas incríveis!  Eram objetos pessoais cheios de desabafos íntimos, mas com o passar das décadas (e séculos!) tornaram-se documentos, verdadeiras relíquias; provas de crimes e conspirações,  amores e ódios. As melhores cartas eram as desesperadas, na minha opinião.

Nas cartas mostrávamos não apenas nosso interesse mas, muito mais que isso, mostrávamos nossa cultura, personalidade e bom gosto.   Em uma carta a sua letra é a SUA letra!  É como uma impressão digital. Você está lá. Parte de você vai junto, no envelope. Cada carta é única.  Por isso quem escreve preza muito a boa letra, o acerto, a cultura enfim.  Porque ninguém quer revelar a própria ignorância assim, tão flagrantemente,  em meio a garranchos, frases mal ajambradas, parágrafos desconexos e perguntas sem interrogação.   

A desnecessidade de escrever cartas é um dos fatores que nos jogou no abismo do relaxamento cultural em que nos vemos hoje. 

Sua letra  e modo de se expressar denunciavam sua agudeza de espírito, seu estado de saúde,  sua pressa, calma e mais outros dados sutis só notados por espíritos igualmente refinados.

O papel escolhido também falava por si  só.  Uma folha qualquer em branco jamais se igualaria àquele  papel fino e pautado. Nesse caso você demonstraria ser alguém mais organizado, sensível e atencioso. Vaidoso talvez.   A escrita da caneta também poderia denunciar  capricho ou estado de pobreza lamentável.  Tinta vermelha, e ainda falhando? Era o fundo do poço.  Já aquele azul profundo e uniforme deslizando no papel como uma virgem sonhadora na pista de gêlo ...  Que finura!   

Você poderia também colar decalques e diversas figurinhas no papel.  Dependendo da idade e do tipo de figura isso indicaria leveza e bom humor ... ou um espírito meio retardado. 

Por tudo isso e um pouco mais eu gostava tanto de escrever e receber cartas. Porque você só escreve a quem dá muita importância e só recebe de volta se tem importância para alguém.   Há todo um jogo de  distinção nisso. 

Dificilmente uma carta passa de três páginas. Mais que isso é prova de grande intimidade porque nenhum assunto formal rende tanto.  Já a carta de uma folha só poderia ser indicativo de que a pessoa só queria "fazer o social":  desincumbir-se logo da tarefa de responder para não dar espaço a cobranças. 

Isso tudo acabou?  Não necessariamente.   Posso hoje mesmo iniciar um movimento encorajando as pessoas a escreverem de novo umas para as outras. Não da maneira relaxada como no WhatsApp, com textos cheios de "ata", "tdbm?" e "qq rola?" mas com aquele desvelo de quem tece, para o futuro, os documentos que virão a ser "do passado". Fazendo história, enfim.

Vamos lá?  


4 de jan. de 2021

Bokeh - As pessoas *

Acabei de assistir o filme Bokeh. Logo em seguida tive uma ótima ideia: escrever a respeito. Mas alguém pensou nisso antes de mim, claro.  Dei uma procurada na internet para ler algo a respeito. Encontrei principalmente AQUI  mas também aqui, no "Dicas de Cinema":

"Não é um filme brilhante, arrebatador, de grandes emoções, mas é algo bem feito e que pode propiciar um estudo interessante da natureza humana. Das necessidades imediatas e daquelas que são fundamentais para o ser humano. O que é imprescindível, afinal?"

Bem, metade de tudo o que eu diria já estava lá, desconcertantemente exposto. Sendo assim fui poupada do trabalho exaustivo de primeiro explicar para vocês do quê se trata a película.  Ótimo, vamos  pular logo para os "finalmentes".

Possivelmente não era intenção do idealizador do filme que ele tivesse uma "moral da história".   Parece que ele só queria mesmo instigar.  Conseguiu. Mas fui além: achei uma "moral da história" por minha conta. Ei-la:

Por pior que pareça ser o nosso próximo, por mais desprezível que seja o vizinho e mais chatos os nossos parentes; por mais insuportáveis que sejam determinados povos e determinados conhecidos, a vida seria insuportável sem eles. Não necessariamente por motivos práticos de subsistência mas por questões emocionais.  O emocional sustenta tudo.

Quando pensamos em um cenário de fim do mundo só nos preocupamos com água, comida, abrigo, energia. Coisas práticas e palpáveis para a manutenção da vida. Tendo isso geralmente pensamos: problema resolvido. Pura ilusão.

Não havia na história um personagem solitário, mas um casal jovem e bonito com o mundo todo aos seus pés. Não bastava? Não seria o suficiente?  Juventude, beleza, companhia, amor, saúde, alimento, acesso livre a todos os bens mais cobiçados dessa vida, as roupas mais lindas, joia, todo o conforto e a possibilidade de morar na casa mais linda que eu escolhesse.  O que mais alguém poderia querer? É o auge da felicidade e da satisfação humana! É o retrato de uma vida perfeita! Não é?   Para a minha surpresa a resposta foi NÃO.  Se não existirem "as outras pessoas" esse mundo perfeito será o retrato do inferno.  Nada, absolutamente nada parece ter sentido sem "as outras pessoas".  

Antes desse filme eu ainda não havia percebido isso de jeito nenhum.  No filme a gente sente fome e sede de ver gente. Chega a ser aflitivo.  Nada, nada, nada faz sentido sem os vizinhos, os transeuntes anônimos, o taxista, o moleque correndo, a turma no bar, o avião passando, alguém falando no rádio, o vendedor de picolé, a colega que acena, a velhinha na janela, o ônibus cheio, as dez pessoas na marquise esperando a chuva passar, o cortejo fúnebre, a noiva atrasada, a fila na bilheteria, o bebê...  A vida tem que estar em todo lugar, não só na gente. E se não há outras pessoas nós vamos murchando por dentro até desejarmos a morte por puro desespero de solidão.

Estou até agora surpresa comigo mesma por ter demorado tanto a perceber isso.  Eu preciso das pessoas até mesmo para elas me encherem o saco porque  disso é feita vida.  Há uma dinâmica encantadora até no desagradável.  

Segundo a Bíblia morte não significa inexistência. Morte significa separação eterna.  E "morte eterna" (separação) é o outro nome do Inferno.  


Desliguei a televisão e me senti reconfortada por ver carros passando, gente na rua, mensagens no celular, vizinhos. Eu não aguentaria o peso de seguir em frente sem eles. Sem você.

3 de jan. de 2021

Fome adormecida *

Não é só a música que pode tomar forma em nossa mente. Percebi hoje que o silêncio também pode ser formulado e "ouvido" dentro de nossas cabeças. É por esse motivo que essas imagens me trazem paz. Uma paz gostosa e um tanto melancólica.

Quando "ouço" esse silêncio dentro de mim, criado pela contemplação de imagens como essa, é quando me dou conta do tanto de barulho que me rodeia e do quanto preciso, desesperadamente, de um casulo. 

Algumas necessidades nossas só são notadas quando provocadas. É como quando passamos em uma padaria e sentimos o cheiro do pão fresco. De repente nosso paladar acorda, tudo acorda. Não sabíamos que estávamos com fome. Não se trata de gula. Estou falando de "fome adormecida". 

Há fomes que adormecem em nós por pura distração. Excesso de atividades, de passa-tempo ou de barulho.  O barulho desconecta nosso cérebro do corpo. Estranho percebermos de repente que estávamos dormindo, enganando nossa alma. 

Quando nos apaixonamos também é assim. Abrimos os olhos e percebemos que não estávamos vivendo. Parece que tudo o mais era em preto e branco. A vida era dormente e preguiçosa, indigna de qualquer arroubo. Aí a paixão aparece e o desespero da fome antiga ressurge. "Estou viva e com fome de vida! Como consegui ficar tanto tempo sem viver?!"

Esses "despertares" são tristes e alegres. Interessantes e angustiantes. Nada garante que não adormeceremos de novo. 

Essas imagens me "desadormecem".   Em um primeiro  momento preciso do silêncio, da contemplação. Quero ouvir apenas os estalos dos galhos, zumbidos de pequenos insetos e passarinhos lá longe. Meu Deus, como quero isso!

Tomar banho, colocar a roupa mais confortável do mundo, o perfume mais fresco e simplesmente ir. Quero andar resoluta e em linha reta só por ir. Por nada e em busca de ninguém. E sem sentir os pés doerem.  Depois vou querer parar em qualquer lugar por tempo infinito deixando os olhos navegarem ao acaso.  E depois seguir em frente mais livre do que nunca. E,  quem sabe, voltar pra casa com a alma fresca.

Os sons do mundo são opressivos. E essas gravuras despertaram minha fome antiga. Acho que tenho dormido demais.

 

9 de dez. de 2020

LAMPEJOS e considerações *

Às vezes pensando em Deus percebo em mim uns lampejos de compreensão. Lampejos. Mas tão rapidamente quanto a luz veio, ela vai. Como um flash, um raio, e tudo fica escuro e confuso de novo. Então me sinto incapaz de explicar o que há pouco parecia ter entendido tão perfeitamente. Mas isso não me frustra nem entristece. O que fica é o prazer de constatar que tudo tem uma explicação sim! Uma explicação muito reta e coerente e que um dia não me escapará mais. 

 Acho que morrer é assim: a luz brilha e tudo passa a ser compreendido de uma vez só. Como se acendessem todas as luzes do casarão ao mesmo tempo. Só que na morte o flash não apaga. Ele continua para sempre. O gozo do conhecimento é maior do que todos os gozos da vida. Depois, a paz. 

Tento manter o instante de iluminação através da escrita mas não funciona muito. A luz da lembrança não é tão clara quanto a luz da revelação, que por sua vez não é nada duradoura. 

Hoje vejo que os fracos precisam dos fortes e os fortes precisam dos fracos. Existe uma harmonia perfeita entre os menos capazes e os mais capazes, de tal forma que nem sei se fraqueza é mesmo fraqueza ou se força é mesmo força.  Não há sentido em viver se ninguém precisa de você. A maior angústia é a inutilidade.  É ela que dobra os velhos e lhes tira a alegria de viver.  O sujeito sem causa dá voltas em torno de si mesmo  e se perde num triste labirinto. 

É um ato de caridade divina que os mais aptos possam conviver com os menos aptos. Só assim os dois encontram sentido para a vida.  Através do socorro mútuo as pessoas passam a confiar no amor, na amizade, no bem sem interesse, na generosidade sincera. E acreditar nessas coisas é que nos traz esperança em tempos difíceis. Acreditar nisso pode ser a diferença entre a vida e a morte. Note então que praticar o bem é plantar vida para nós mesmos.  

O fraco e o forte...  A felicidade não existiria sem esses dois lados da moeda. É absolutamente necessário que o rico encontre o pobre, que o inteligente encontre o tolo, que o feio encontre o bonito, que o alegre encontre o triste. É nos encontros que todos se salvam. A vida na terra não teria sido preservada se não fosse assim. Nenhum ser inteligente suportaria o peso do vazio existencial, da inutilidade, da solidão. O peso de não fazer amigos - pois amigos se faz com atos de generosidade também. Eu preciso muito de quem precisa de mim. Eles não são um estorvo, mas a minha salvação.

O inferno começa quando as pessoas não se misturam. O isolamento leva as pessoas a desconhecerem por completo o motivo de estarem no mundo.  Quando cumprimos nossa função todas as dúvidas filosóficas perdem seu interesse. As perguntas mais profundas da nossa existência existem para se resolverem por si mesmas, no chão da vida. Elas se diluem sozinhas quando postas em ambiente próprio. A resposta para todas as dúvidas é a luz. Elas nascem no escuro e derretem frente à luz.  No exercício intelectual solitário nenhuma resposta é satisfatória. É como caminhar em círculos.  A melhor resposta  é aquele momento no qual a pergunta deixa de ter importância. Derreteu. 

Outra coisa que aprendi foi sobre essa coisa de  "salvar a alma". Ninguém tem seu espírito salvo antes de ter sua alma salva. Salvar a alma é salvar o emocional da perversão, dos vícios do pensar, das doenças emocionais, das taras, dos traumas, medos, covardias, egoísmos. Salvar a alma é como salvar do fogo o projeto original de uma casa.   "Salvar a alma" não é construir uma casa em um dia, depois da morte. É construi-la aos poucos ao longo da existência.

Fazer o bem salva a alma. É o que preserva a nossa humanidade, aquilo que somos de verdade. Quem faz o mal se dilui no mal. Perde suas características originais. O mal é altamente corrosivo: esburaca, empena, encarde, resseca.   Possivelmente é por isso que só Deus tem o direito de tirar a vida das pessoas porque só ele consegue fazer isso sem se sujar ou diminuir.  Ele é imutável.   Não digo que o criminoso não mereça morrer. Merece pena de morte sim. Teoricamente sou a favor, mas ...  quando penso na prática da coisa sempre pergunto se eu aceitaria a missão de matar.  A resposta é "eu não!  Que outro faça isso!"  Por que eu não posso me perder mas meu irmão pode?  Por que eu posso preservar minha alma e o outro não? Alguém teria que sujar as mãos e se embrutecer. "Ah, eu não!"    Se não eu, então quem?   Quem seria o desgraçado condenado a se perder de si mesmo, se amesquinhar e ressecar por dentro? Quem seria o desafortunado, condenado a despedir-se de si mesmo a cada execução?   Não, ninguém poderia matar o criminoso sem se tornar menor, mais torto, mais doente da alma.  Todo verdugo, com o tempo, seria igualmente digno de morte porque matar avilta.

Agora entendo que fazer o bem até a quem nos faz mal não é um mandamento piegas. Não é um mandamento cuja finalidade seja preservar o outro. É um mandamento que guarda o próprio praticante e o protege da oxidação livrando-o de virar "outra coisa". Sendo assim, tanto faz se minha boa ação foi aproveitada ou reconhecida. Isso nem faz diferença. Enquanto o mal é corrosivo, o bem é um poderoso conservante. Precisamos nos conservar porque ninguém é feliz se estiver descaracterizado, sendo outra coisa que não ele mesmo. A autenticidade é a única beleza verdadeira, Eu preciso fazer o bem porque isso preserva a minha alma, isso me salva, isso não deixa eu me perder. 

O mal se acumula imperceptivelmente como placas bacterianas. Não percebemos, não sentimos que estamos nos metamorfoseando. O bem , ao contrário, acho que não nos transforma: ele nos conserva, nos protege das mudanças.

14 de set. de 2020

Poeira *

Já percebeu que os seus tataranetos provavelmente não saberão nem o seu nome? A não ser pela lógica (já que ninguém existe sem ter vindo de alguém) eles não terão ideia de que você existiu. De que você era você. Não é inquietante perceber que você não significará nada para eles? Nada! Um cachorro, um passarinho que esteja vivo terá mais importância para eles do que você e toda a sua história - gloriosa ou furreca.


E se você se tornar famoso? Mesmo que você se torne famoso, ainda assim eles não te conhecerão. Você será apenas um personagem manipulado, cercado de mentiras ou suposições ridículas. Com sorte você se tornará um personagem muito pouco parecido com o que você é mesmo.

Eu sei o nome dos meus avós e minha bisavó e bisavô. E só. Não sei nada sobre os pais deles. Sumiram no tempo. Evaporaram assim como eu evaporarei.

Em muito pouco tempo a minha passagem sobre a Terra será sumariamente apagada sem deixar rastros. Documentos se perderão. Pior: algum filho da mãe pode até aparecer e dizer que eu nunca existi!!!! "Não existem evidências!" Meus descendentes, embora devam a vida a mim (digamos assim) dificilmente se interessarão em saber que eu fui, o que eu pensava, o que eu sonhava, quais foram os momentos mais felizes ou mais tristes da minha vida.

Cara, essa insignificância pesa. Hoje, meio que de repente, estou incomodado com ela.

Estou pensando em construir uma pirâmide em minha memória.

13 de set. de 2020

Inserir é para os fracos *


"Insira, por favor". Por enquanto parece que ainda podemos dizer isso sem receber de volta uma saraivada de risadinhas.   Incrível o medo que temos das risadinhas! 

Já notou como ficarmos evitando palavras para não sermos engraçados?  Como as risadinhas intimidam as pessoas! 

Hoje em dia quando você vai pagar alguma compra com cartão de crédito a moça do caixa não diz "pode colocar" ou "pode meter".  Nãaaa! Não pode porque seria engraçado demais!  Ninguém pode botar nem meter nada: tem que INSERIR,  muito formalmente e com cara séria.

Qual o problema de dizer "pode meter" ou "pode enfiar, senhor".  Nessas horas eu queria ser caixa de loja só para ter o prazer de desafiar esse tipo de bobagem. Só pra mostrar que sou superior e não me curvo a intimidações tolas.

Que bobões estamos nos tornando!  Agora todo mundo fala "insira por favor"  como se inserir fosse algo muito diferente de meter.

Sim, se eu trabalhasse num caixa iria fazer questão de transgredir. Iria encher a boca na hora de passar o cartão e diria "pode botar" ou "pode meter o cartão, senhor". Qual o problema?   Achou engraçado? Pois que ria! Ótimo. Pelo menos já sai da loja mais feliz do que quando entrou. Acho que estamos precisando mesmo de mais "meta", "coloque" e "ponha" nem que seja só pra fazer os bobos rirem.

Inserir, pra mim, já é um um sinal de fraqueza.  Os fortes não se submetem a esse tipo de pressão. Portanto "colocar", "botar" e "meter" são atos da mais pura rebeldia, enquanto que "inserir"é coisa de gente frouxa. 

Quem tem medo de risadinha imagina o quanto não se rebaixaria para fugir de uma cara feia.


8 de set. de 2020

O louco (em 15/06/14) *

Já faz anos e todo mundo está careca de saber que o falecido ator Heath Ledger recebeu indicação para o prêmio Globo de Ouro por sua atuação como Coringa em "Batman - The Dark Knight”. Sim, os loucos são enigmáticos, inquietantes e às vezes cativantes. Por isso mesmo o cinema jamais esquece deles.

Geralmente os personagens malucos existem para nos meter ódio. Ou nos deixar encurralados, sem saber o que fariamos nas situações por eles propostas.

Quando assistimos a história de um bom menino que se tornou mau porque não suportou o peso da vida ficamos comovidos.  Somos então forçados a refletir sobre nossa própria fragilidade. Nossa mente é sujeita a deformidades e isso é assustador.  O cérebro está lá, guardadinho em sua caixa de osso, mas mesmo assim pode ser afetado por coisas invisíveis! Algo não-físico atravessa a caixa craniana e causa mais estrago que uma paulada.

Heath, como Coringa, no fez rir com o cenho franzido. Ele conseguiu passar para nós um peso interior, um mal estar generalizado que era impossível ignorar. Em seus modos amalucados ele atraía para si todas as atenções.   Heath Ledger fez o papel do louco que sofre, sangra por dentro e por isso esmurra o mundo.

Todos nós, às vezes, invejamos os loucos. Eles, somente eles, tem liberdade para dizer o que quiserem e serem como decidirem ser.  Eles assustam e às vezes até se impõe por isso.  

Loucura é a liberdade sem freios. A liberdade ao quadrado. A liberdade tão livre mas tão livre que nem seu dono consegue agarrá-la. Ele é arrastado por esse cavalo assustado e indomável.  O louco não tem controle, não se controla mas em compensação faz o que quer, grita, diz o que quer, se impõe. É desse tipo de liberdade que estou falando: uma liberdade amarga. Eles podem tudo, menos se controlar. Por isso não cabem nesse mundo e vivem em um mundo paralelo.  Vivem lá e cá.

Há uma dose invejável de liberdade na loucura.  Só uma dose, e é cara. É bem verdade que ser "normal" também não é lá muito barato... 

A loucura é a liberdade e, contraditoriamente, a suprema prisão. E isso é estranho, como não poderia deixar de ser.

REALIDADES BRASILEIRAS