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26 de fev. de 2012

O cãozinho Azul

Uma historinha pra contar para a Clarinha quando ela crescer.

O cãozinho azul nasceu branquinho branquinho, como qualquer coisa branquinha-branquinha que você conheça. Recém-nascido, em meio aos olhares sádicos infantis, forraram sua "manjedoura" com trapinhos e pedaços de papel crepon azul.

Às crianças foi ordenado que não o tocassem e que se o ímpeto fosse por demais intenso, pelo menos canalizassem sua maldade borbulhante para a Barbie velha. Como sabemos, Barbies velhas deixam de ser frescas e topam qualquer parada com as crianças.

O cãozinho branco, mole e úmido como uma meleca, logo aprendeu a remexer-se. De tanto fazê-lo o azul do papel crepon mudou-se para os seus pêlos, o que foi anunciado à família como misteriosa mutação. Só que "milagre" não passou incólume pelo scanner da dona Maroca, babá severa e experiente, que desfez a aura de mistério esfregando na cara dos pasmos espectadores  os restos do crepon desmilinguido.

Ao contrário do que era de se esperar, com o passar dos dias a cor não se desfez, pelo contrário: atracou-se ao cãozinho indefeso como uma espécie de encosto que resolveu habitar aquele corpinho, só que pelo lado de fora.
Nenhum outro nome seria mais acertado - resolveram - do que simplesmente "Azul". Assim veio ao mundo, para deslumbramento da família Lima, o cãozinho Azul.

Foi essa a história que lhe contaram e recontaram dezenas de vezes ao longo de sua vidinha. O cãozinho Azul era curioso quanto às suas origens, como toda criança. A parte da sua história que o cãozinho Azul mais gostava de ouvir era quando lhe contavam sobre seu nascimento, como ele ficara daquela cor. Quando chegavam nesse ponto, a sua curiosidade por outros "detalhes" da sua vida se esvaía completamente. Então ele se deslumbrava com sua peculiaridade que, para ele, era um indicador de nobreza.

Milagre ou falta de banho? Ninguém sabe ao certo. O mistério permaneceu e todas as vezes que ele refazia a pergunta, a história era recontada com uma pontinha a mais aqui e ali, de forma a ser sempre nova. Assim, o "detalhe" pai e mãe ia ficando pra depois.
Ninguém quer ver um cãozinho infeliz. E que mal há, me digam, em fazê-lo acreditar que era especial? Afinal não era mesmo verdade?

"Que lindo cãozinho sou eu! Invejado por todos! E tão simpático. Totalmente azul como ninguém mais no mundo. Talvez algum marciano... mas aqui na Terra não tem pra ninguém. Vou ter 20 filhotes, com todas as cores do arco-íris." E assim passavam-se os sóis e as luas.

Se formos ser bem sinceros, Azul não possuía dons especiais: não sabia imitar gato, não se fingia de morto, não "quase falava" nem pulava argolas incandescentes. Era um cão, digamos, basicão - sem trocadinho. Mas também não era cobrado nesse sentido. Ao observar os dons de seus amigos ele concluía com seus botões:  "E  quem precisa aprender truques se tem os pêlos explendidamente azuis?"

Sua vida transcorria simples e divertida, sem novidades ou emoções aflitivas. Daí, talvez, sua saúde e bom humor. Porque se não sabia fazer truques, pelo menos sabia sorrir, e sorria! Para os transeuntes, para os vizinhos, para as crianças quando acordavam, para todos.

Certa vez, passeando com seu dono, Azul notou que outros cães eram igualmente afortunados. Recebiam carinho e atenção, passeavam regularmente, comiam bem todos os dias e ganhavam cafunés.  Pior do que isso: ele mesmo não chamava a atenção dos outros cães. Eles o cumprimentavam com educação: Bom dia! Boa tarde! Boa noite! - mas não lhe direcionavam nenhum olhar especialmente curioso. Mas como? Ele era ímpar!

Certa vez uma cadelinha lançou olhares insistentes que o fizeram colocar-se estrategicamente sob o sol para realçar a cor e ganhar um brilho extra. Fez todas as poses mas notou, meio encucado, que não era para seus lindos pêlos que ela estava olhando. Era uma paquera comum entre cães comuns e isso começou a lhe preocupar. Ele sabia que não existia no mundo outro cão como ele, afortunadamente, explendidamente, curiosamente e indiscutivelmente azul. Mas ela lhe olhou como olhava para o Desmóscrates, cão vizinho.
Crise existencial. Adolescência, talvez? Não sei. Não sei a idade de Azul. Só sei que ele chegou a perder o sono.

Mais um dia pela frente... Com fundas olheiras saiu com seu dono para um passeio. Linda manhã.  Pois sim: naquela manhã "especialmente comum" seu dono deparou-se com um amigo que não via há tempos. Foi uma surpresa mútua com abraços, vários tapas nas costas (por quê os humanos fazem isso, meu Deus?!)  e flashes de recordações de lá e de cá. Ele observava aquela alegre esquisicite e considerava, meio amargurado, o fato de que não possuía lembranças assim. Pelo menos nenhuma que valesse tantos tapas.

Por fim, esvaindo-se os assuntos, seu dono lembrou-se de exibi-lo, sorridente, ao amigo. O amigo, em um gesto previsível e polido, fez-lhe um cafuné e lhe sorriu com um olhar como o de quem acaba de ver algo indiscutivelmente... razoável.

Razoável?  Ele não era um cão "razoável" mas o explêndido e raro cão azul, único na cidade e quem sabe no mundo!

Pelo jeito o tal amigo não vira nada de esplêndido nele, pois lançara-lhe um olhar nada mais do que morno.  Ele não merecia uma desfeita dessa.

Resolveu colocar tudo em pratos limpos. Ao chegar em casa seus latidos eram de quem exige uma explicação. Algo estava errado e agora era hora de descobrir.

Confronto!  A família viu-se em polvorosa tentando acalmá-lo. Ele andava em círculos pelo tapete, falando - digo, latindo  - coisas desconexas sem parar, emendando uma frase na outra. A princípio pensavam que ele queria saber quem eram seus pais. Depois notaram que não era esse o "xis" da questão: ele queria saber o que havia de errado consigo, que sempre foi tratado em casa como raridade mas, no mundo, não passava de um Zé Ruela.

Disfarçadamente todos correram a esconder os espelhos da casa. Cada um foi para um lado. Seu dono fazia pose em frente ao maior espelho da casa. A porta do quarto, com outro espelho enorme, foi estrategicamente trancada enquanto discutiam. Havia algo estranho ali.

Pediu explicações, implorou, jogou-se no chão com as patas pra cima, fez que ia ter um derrame, cambaleou, soluçou de frente para a parede, tentou o suicídio prendendo a respiração, fez de tudo. A última cena foi justamente a que carregava uma maior força dramática: era a hora da revelação. Seu último arroubo foi em frente à cristaleira (quem ninguém lembrou de esconder) cara a cara consigo mesmo. Sim, no espelho da cristaleira.

Até então ele só reparara nas prateleiras da cristaleira e isso quando o sol incidia sobre as taças límpidas e os pequenos mimos lapidados. Aquele brilho, a luz decomposta... Era só o que olhava até então, mas dessa vez foi diferente - oh Céus!  E o quê ele viu?

Viu um cachorrinho baixinho, poucos pêlos, olhos arregalados, orelhas caídas, rabinho pouco sedutor (fino e curto). Comum. Dolorosamente comum. E com dentes amarelados. E de óculos. Patético.

Pelo menos era azul. Pelo menos isto restou - pensou ele. Então resolveu tirar os óculos - azuis, que ganhara quando pequenininho - para checar a cor dos olhos. Vaidade... Maldita vaidade!

O fato é que ele ficou sem saber a cor de seus olhos porque tudo o que pôde enxergar no  espelho da malfadada cristaleira era um cão baixinho de poucos pêlos, olhos arregalados, orelhas caídas, cauda mínima, dentes amarelados, sem óculos e... ENCARDIDO.

Oh dor! Oh desilusão! Então ele não era azul? Era branco, e o pior dos brancos. Não o branco neve. Não o branco marfim, não o branco azulado, mas o branco encardido.

Ali ficou, pasmo e duro em estado de choque. As patinhas esticadas para cima. Ridículo. Naquele estado mais parecia uma barata morta.

Pegaram-no e colocaram em seu leito, em meio a muita discussão, troca de acusações e críticas mútuas: "Não se deve esconder assim as coisas de um bichinho! A culpa é sua! A verdade viria a tona mais cedo ou mais tarde! Como não pensamos nisso? Agora é tarde. Eu bem disse que não deveriam ter dado banho nele! A culpa é sua, com suas histórias rocambolescas! Chamem um médico!"

Emagreceu. Não quis falar latir pra ninguém. Chorou. Teve crise nervosa quando tentavam lhe inculcar que ele era muito especial e raro, ainda que não azul, ainda que encardidinho. Nada. Recusou até osso de rabada. Por fim, morreu.

Com uma semana, não suportando a "dor" da perda, seus donos compraram outro cão. Um pouco mais alto, um pouco mais alvo, um pouco mais peludo, que sabia se fingir de morto e - para piorar - que se olhava no espelho e sabia muito bem quem ele era.

Chato, né?

Consolo: o Céu é azul.

22 de fev. de 2012

Mosqueiro - Oh!

 Não sei por quê o nome "Mosqueiro". Nada a ver. Estive lá esses dias e não vi mosca alguma, só praia de água doce... morna, com ondas macias e carinhosas. Muito vento, muito sol



18 de fev. de 2012

A vantagem da invisibilidade

Tudo na vida tem um lado bom. Com exceção do bom-bom, que tem dois lados bons.

Esse preambulinho é para anunciar que vou aproveitar que meu blog não tem muita visibilidade para dizer mais uma coisa politicamente incorreta.

Esses dias uma amiga disse que discorda da nossa legislação, que classifica o grafitismo como crime ambiental.  Ela tem olhos tão bons mas tão bons que vê tudo como arte urbana. Disse que acha aqueles troços bonitos e até ofereceria de bom grado as suas paredes para serem grafitadas.

O certo é repetir o mesmo, uma vez que esse tipo de "arte" nasceu nas ruas, entre os desafortunados e desocupados e hoje ganhou um certo status. Nada mais correto do que "reconhecer" o valor daquelas coisas. Mas como não estou me candidatando a nenhum cargo público, digo que:

Acho aquelas pinturas "horroríveis". Elas têm um quê de deprê, de "pra baixo", um aspecto sujo e bandido que não me faz bem ao espírito.  O valor dessas pinturas, na minha impressão, é mostrar o tipo de estado de espírito que a inspirou. Então vale como estudo psicológico, sociológico, curiosidade, apoio a quem não sabe fazer nada melhor, denúnicia etc. Serve, vá lá. Melhor uma pintura dessas do que ... do que... sei lá, do que uma propaganda do PT.

Pra completar, frequentemente surge nessas pinturas um negrinho esfarrapado, antipático, com cara de mal elemento, cara de "vamos brigar" e com um dos olhos repulsivamente estourado, sugerindo que seja um personagem de gangue.

Dá pra simpatizar?

Tudo bem, entre ter um muro pixado pintado e ter uma casa assaltada, escolho a primeira opção. Mas que é feio, é feio.

Comecei falando que tudo na vida tem um lado bom. Levando isso para o grafite posso concluir que é positiva a circulação de dinheiro para se adquirir as tintas e é bom ocupar o "artista" com alguma coisa que não ofenda muito.

Mas que é feio, é feio.

15 de fev. de 2012

Frase de hoje


Arás de um grande homem tem sempre uma grande mulher. Atrás de uma grande mulher tem sempre um idiota olhando a bunda dela.
Tati Bernardi

14 de fev. de 2012

Resposta padrão

Geralmente, em entrevistas, o entrevistador sempre acaba perguntando ao entrevistado se ele já teria se arrependido de alguma coisa em sua vida.  Essa pergunta sempre vem e a resposta padrão é: "Não me arrependo de nada. Tudo foi aprendizado e tudo contribuiu para eu ser quem eu sou hoje."

Sempre torci o nariz para essa resposta.  Primeiro porque é padrão. Coisas previsíveis são chatas porque não nos acrescentam nada, nem uma mísera surpresa.

Em segundo lugar, sempre desconfiei de que a afirmativa fosse balela. Quem nunca se arrependeu de ter contado um segredo a uma amiga  fofoqueira?  Quem nunca se arrependeu de não ter estudado o suficiente para o concurso, de ter se envolvido com uma pessoa problemática ou de ter interpretado mal a atitude de alguém que só queria ajudar?  Quem não se arrepende de ter aplicado mal o próprio dinheiro? De ter sido frio com a pessoa amada ou de ter sido inconveniente em determinada ocasião?  Eu, que sempre fui perseguida por arrependimentos se fim, não poderia engolir uma resposta tão politicamente correta como essa.

Outro motivo para seu não gostar da tal resposta é que, de acordo com a minha formação cristã, a falta de arrependimento é pior do que o pecado em si.  Errar é humano mas esnobar o perdão de Deus é muita, mas muita cara de pau.  A pessoa piedosa sempre se arrepende de alguns atos e algumas omissões pelo trajeto da vida.  Uma pessoa dizer na cara do Criador que não necessita de perdão é o fim.

Hoje, pensando melhor, vejo que as coisas não são tão preto-no-branco assim.

Imagine se duas pessoas estão passeando à beira de um precipício e uma delas escorrega. A outra lhe segura pela mão, não deixando que ela caia. Mas aquela situação é complicada porque segurar o amigo pendurado no alto de um precipício é terrivelmente dificil. Cada minuto que se passa ele parece mais pesado. Aí a mão começa a doer, os braços, as costas, as pernas, tudo dói. Doi e cansa até o ponto que, não suportando, a pessoa abre a  mão e o amigo cai - e morre.  Esse amigo que deixou o outro cair pode se arrepender do que fez?    Não.   Ele vai lamentar para sempre o ocorrido, vai se angustiar por não ter aguentado o peso daquele corpo, vai  ficar de luto por muito tempo, mas não poderá se arrepender, por um motivo simples: ele não tinha condição de ter agido de outra forma naquela situação.  Se pudesse voltar atrás, saberia que de qualquer forma não teria forças para continuar.  Ele pode analisar a coisa por todos os ângulos mas chegar à mesma conclusão. E se alguém lhe perguntar se ele se arrependeu de ter sido fraco ele responderá que NÃO.

Uma pessoa com a perna gangrenada que pede para ser amputado: será que ela pode ser arrepender de ter tirado uma perna? Não.   Isso quer dizer então  que ela está feliz  e realizada com a sua situação atual? Também não. Ela vai lamentar para sempre não ter uma perna mas se voltasse ao passado, amputa-la-ia de novo por pura falta de opção. Fazer o quê?

Ninguém se arrepende do que não poderia ter evitado, do que lhe foge. Não é porque tomamos uma determinada decisão que nos agradamos dela.  Ninguém se arrepende de não ter tido forças, de não ter sido adulto, de não ter tido uma idéia brilhante para salvar uma determinada situação. A gente só se arrepende das nossas escolhas livres e conscientes, quando sabemos que poderia sim ter agido de forma diferente.

Agora pergunto:  quando a gente pode saber com certeza que nenhuma circunstância imperativa nos obrigou e que nós éramos livres e poderiamos, sim, ter agido de forma diferente?

Hoje,  indiscutivelmente  mais madura, olho para trás e vejo que cometi vários erros em minha vida. Mas  antes de me condenar sempre me pergunto:  eu gostaria de ter agido de outra forma?   A resposta é sempre SIM.

Mas quando pergunto  a mim mesma : se eu pudesse voltar ao passado eu agiria de outra forma? Nem sempre  consigo responder SIM com a mesma certeza. A resposta honesta é:   naquele tempo eu não tinha cabeça para ter agido de outra forma. Dentro daquelas circunstâncias eu não tinha condição alguma de ter feito diferente, então não posso me arrepender de nada, por mais lamentável que tenha sido. Ou seja: se eu voltasse àquele tempo cercada pelo mesmo contexto, eu teria feito tudo de novo.

Isso faz de mim uma pecadora impenitente?

Por outro lado se aquelas situações do passado se repetissem hoje com a Cristina de hoje, eu  jamais cometeria a série de erros que cometi.   Viver é errar. Viver é acertar. Viver é fazer o balanço.

Talvez isso não seja uma falta de arrependimento. Talvez isso seja apenas um "arrependimento realista".

Acho que agora entendo a tal resposta padrão.

"Não me arrependo" não quer dizer necessariamente que eu considero que agi certo e que faria tudo de novo. Talvez queira dizer apenas que eu gosto muito de mim e reconheço que essa pessoa que sou hoje foi forjada pelo meu passado de erros e acertos.  "Não me arrependo" poder ser apenas uma maneira de dizer "eu gostaria de agido de outra forma mas não deu, não daria e pronto, fim de papo."

O que nos melhora é a experiência e o tempo.

Nada impede que um "Não me arrependo" venha seguido de outra frase:  "se aquela situação se repetir, minha resposta a ela será outra."

10 de fev. de 2012

O mistério de Eva


De fato não tenho condições de falar nada que já não tenha sido dito a respeito do Holocausto em si, mas o tema suscitou em mim outras considerações que posto aqui, sabendo de antemão que que não passarão para a história.

Vi e revi o filme A Queda. Assista. Embora a figura de Hitler esteja um tanto manjada ele permanece em minhas impressões como um ET inexplicável. Uns dizem que ele era doido varrido, outros juram que ele sabia muito bem o que estava fazendo. Como vou saber? Pra mim ele tinha o pior da loucura e o pior da lucidez. Deixa ele pra lá. Estou enjoada da imagem feiosa de Hitler e seus clones holywodianos.

Dessa feita quem me impressionou no filme foi sua mulher, Eva Braun. Ela não me saiu da cabeça. Gestos, riso, roupas, porte físico, penteado... Vi uns quinhentos vídeos dela no Youtube. Ela sozinha, com amigas ou com seu estranho marido. Conclusão: ela também era estranha. E mais ainda do que ele.

Era estranha por ser cheia de vida, pela sua imensa simpatia, juventude, energia, meninice, educação, sensualidade. No filme era mostrada assim e nas imagens da vida real notei que o filme foi bem fiel. Pode ir lá conferir.

Ela e Hitler pareciam mais um malabarismo do que um casal. Ela parecia não ter nada a ver com ele! Mas pela lógica, tinha sim. Ele tinha cara de mau; ela não. Ela parecia ser o seu oposto. Melhor desconfiar.

Para mim Eva Braun é um desafio e uma provocação. Esse casal nos mostrou que o mal pode ter muitas caras e que frequentemente escapole às redes da nossa percepção. 

Eva: jovem, ágil, irrequieta, gentil, sempre sorrindo. Sempre sorrindo? Como assim?  Fiel a Hitler como um cão. O que não faria sob as ordens dele? 

Para não nos confundir, bem que ela poderia ter nos feito o favor de aparecer infeliz nas fotos. Mas não, ela era estranhamente sorridente e alienada de tudo. Morbidamente feliz e de aparência leve. Quando escondida sob essas aparentes virtudes, a maldade surge de forma mais assustadora ainda.

Talvez, talvez. Tudo aqui é talvez.

É desconcertante notar, no filme, que Eva era a imagem da alegria esfuziante. Daí deduzo o quanto o nosso método de percepção e avaliação da maldade humana é falho. Estamos mesmo em maus lençóis.

Só há uma salvação. Só há um consolo. Existe a chance de que Eva tenha sido mesmo assim, meio maluquete como o filme sugere. Uma criança tolinha e gentil, flutuando em um mundo paralelo. Pateta, mas boa gente. Tomara. Se foi, o mundo ainda tem esperança. Se não foi... preciso reavaliar meus conceitos.

7 de fev. de 2012

Soneto póstumo [Mário Quintana]





— Boa tarde… — Boa tarde! - E a doce amiga
E eu, de novo, lado a lado, vamos.
Mas há um não sei quê, que nos intriga:
Parece que um ao outro procuramos…

E, por piedade ou gratidão, tentamos
Representar de novo a história antiga.
Mas vem-me a idéia… nem sei como a diga…
Que fomos outros que nos encontramos!

Não há remédio: é separar-nos, pois.
E as nossas mãos amigas se estenderam:
— Até breve! — Até breve! - E, com espanto

Ficamos a pensar nos outros dois.
Aqueles dois que há tanto já morreram…
E que, um dia, se quiseram tanto!





1 de fev. de 2012

Tristeza de amar



Questiono a tal "tristeza de amar".

Não há tristeza de amar. O pior amor sempre levanta a nossa moral, sempre nos ilumina. Amar é bom, mesmo que esse amor não consiga sair do terreno do coração.

A paixão não correspondida, essa sim envenena toda a nossa existência.

O amor é forte e vigoroso, mas não tem as urgências da paixão. O amor sabe esperar, sabe viver de si mesmo. O amor alimenta-se de amor, de forma que quem ama jamais é órfão. Porque o amor, uma vez que não cabe em si, transborda e, por fim,  refresca o próprio recipiente que o contém.

Quem ama vai sempre muito bem, obrigada.

O bom do amor é que nos dá a sensação de que, mesmo na distância, ele é uma espécie de energia positiva que "protege e cuida" do ser amado. Você pode amar a quilômetros de distância e a pessoa nem saber disso, mas lá dentro do seu coração você imagina que aquele seu sentimento é bom para ela. Como? Não sei!  É algo como uma pouçança secreta da qual a pessoa amada poderá dispor quando precisar. Isso é bom. Sim, mesmo de uma forma estranha o seu amor secreto é bom para ela. Seu amor a enriquece mesmo que ela nem saiba disso!

Amor é ouro e por isso você não quer jogar fora. Você se sente enriquecido só por ter sido capaz de acalentar aquela coisa tão preciosa dentro de si. Amar é muita moral!  Só de imaginar que apesar de todos os seus defeitos, todos os seus grandes erros, todas as suas vergonhosas indiferenças e futilidades, ainda assim você está sendo capaz de gestar "uma partícula de Deus" - uau!   Aquilo te eleva, te levanta,  limpa a sua barra. Se você deixa escapar aquela coisa de dentro de si - a única coisa realmente boa na vida - quão reles você se tornará! Que belo monte de carne fedida você seria! O empobrecimento seria tão drástico que a conclusão sempre é que a de que é melhor amar, mesmo solitariamente, do que viver oco.

É um chavão muito piegas mas é verdade: ninguém realmente vive se não ama.

Eu amo. Então questiono a música "Bom dia, Tristeza." Não existe a "tristeza de amar." Existe é a tristeza de uma vida sem objetivo, sem missão, sem alvo, sem explicação. Existe a dor filosófica, é isso que dói. Só que é difícil de explicar e difícil de admitir porque essa é uma dor geralmente (e erroneamente) considerada idiota. Se o "coração sentidor" acha que ama, ele vai jogar a culpa de toda a sua tristeza no amor - pobre amor! É melhor culpar o amor do que admitir que se está vivendo um vazio sem fim.

Amor não deprime ninguém. Não deprime, mas leva a culpa.

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