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21 de dez. de 2019

Um homem "pra casar" *



 Hoje simpatizei muito com um homem totalmente desconhecido. Só porque ele era um homem bom. 
Eu assim o classifiquei porque estava, com ele e mais uns 30, em uma fila de embarque com a mente ociosa.  É  um ótimo contexto para começar a imaginar coisas. Imaginar coisas é o melhor que se pode fazer com a mente ociosa. Ou não. Deixa pra lá. Bem, esse era um homem bom, esforçado e trabalhador. Pra casar. Tinha todas as ferramentas pelo menos. E
stava logo à minha frente. Prestativo e companheiro, carregava com muito cuidado e dificuldade um enorme pacote que até hoje não decidi o que tinha dentro. Parecia tão incômodo carregar aquele pacotão delicado com uma mão, manter o cartão de embarque e documento de identificação na outra mão e empurrar a malinha com o pé! E ele parecia tão cônscio da importância do que fazia e tão disposto a continuar fazendo sem reclamar! Não parecia mal humorado, só um pouquinho cansado. Claro que era um bom homem, o tipo que não cansa fácil e se cansa, só nota depois. O melhor homem em um raio de cem metros, decidi. Gostei dele. Vejam vocês o poder da imaginação. Do nada a gente rotula e determina quem presta e quem não presta, numa escaneada só. O que havia dentro daquele pacote é mistério até hoje. Enfeites de Natal? Doces finos? Taças? Brinquedo desmontável? Roupa de bailarina? Patins? Patins não, não são frágeis. Fiquei curiosa mas me contive. Não sou muito boa em puxar papo com desconhecidos. O fato é que ele se esforçava para que seja-lá-o-que-fosse não balançasse nem derramasse nem caísse ou esbarrasse em ninguém. Não parecia ser uma bomba. Ele não era do tipo que transporta bombas por aí. Não com aquela cara de pai de classe média baixa apaixonado pela filha de nove anos e pela esposa seis anos mais nova e um pouquinho obesa. ( Meu Deus de onde tirei tudo isso?!) . Pois ele tocou meu coração. Não era um homem bonito. Nem feio. Apenas comum, com cara de pai com bom salário mas que dissolve tudo em família e não sobra nada - mas ele não se importa. O típico "cara que rala". Certamente se eu estivesse no lugar dele estaria já com cara de enfado e dor nas costas. E se alguém encostasse para conversar eu aproveitaria para reclamar da chatice de ter que viajar carregando aquilo tudo e " não sei onde eu estava com a cabeça quando concordei em levar tanta tralhas. Fazer fazer favor para os outros é uma tremenda furada e eu estou cansada, meus braços doem e no final das conta ninguém vai dar valor, como se essa viagem fosse a coisa mais agradável do mundo e bla bla bla." Bem que eu queria que quando alguém me olhasse ao acaso pensasse consigo "nossa, que mulher legal! Gente fina mesmo!" Mas eu não coopero. Tanto não coopero que não me ofereci para ajudar o Home Legal. Como castigo estou até hoje sem saber que raios ele carregava naquele pacotão. E vejam: eu estou escrevendo sobre ele mas ele não escreveu nada sobre mim. Ele é o cara legal, marido de ouro, enquanto eu não passo de uma viajante que fica rotulando os outros. Bem, caso não tenham notado, essa é uma crônica de "preconceito do bem". Viu? Existe sim.


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