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29 de mai. de 2015

Se for pedir muito...





Segue aqui minha redação para a "fessora", contando alguns dos meus pequenos sonhos:

Eu queria poder caminhar à noite pela cidade. Tenho fantasias frequentes com isso. É um desejo tão... tão... tão pungente!  Às vezes a noite está linda demais e um vento suave e livre me pede companhia. Se não fosse o medo, a cidade à noite seria irresistível. Já livre do sol ela se torna mais leve, livre da pressa e do calor. Adoro andar principalmente à noite. Considero muito cruel não poder ter esse prazer tão simples. Não sou delinquente, não fui condenada por nenhum crime. Eu só queria andar, talvez conversando e rindo com alguém, e ver jardins tímidos das casas do centro da cidade. Poderia ir à farmácia, à lanchonete ou levar uma fatia de bolo numa visita surpresa à casa de uma amiga. E poderíamos sentar à porta e falar da vida, dos nossos sonhos, dos nossos amores, saudades e vontades.

É como naquela música Estrada de Canindé: há coisas que pra modo de ver o cristão tem que andar a pé.


Massssss... talvez seja pedir demais. Se não for possível mesmo, eu me conformo com uma bicicleta. Não precisa ser cara, não precisa ser bonita. Tão leves e magrinhas, bicicletas são eternas adolescentes. Com elas ganhamos uma ligeireza impossível de se conseguir  de outro modo. Pedalando eu sinto como se tivesse adquirido a rapidez de certos animais mais impressionantes do que nós. Gosto disso, e de gozar desse gostinho de poder que a velocidade põe na nossa boca.  E o vento entrando pela blusa, pelo cabelo, levantando os pelinhos dos braços, arrancando nosso perfume, entrando pelo nosso nariz, e o vrum-vrum-vrum na orelha...  Ficamos tão distraídos para os problemas!  Não cair passa a ser o mais importante de tudo. Nada é tão urgente. É bom demais ter um problema tão pequeno.  "Equilíbrio, garota! Vamos lá, não pense besteira se não você cai!"  E eu voando baixinho como os pombos e borboletas.  Bicicletas são baratas e só queimam o combustível que nos sobra. Como eu gostaria de passear de bicicleta, tranquila e feliz por ruelas e praças, livre como um vira-latas!

De carro gosto menos. Carro só é bom para distâncias maiores. Fora isso, não passam de armaduras caras e pesadas.  Dentro de um carro não sou parte integrante da paisagem mas uma espectadora da vida lá fora, uma observadora amargurada e sedentária.  Estou ali e não estou. É um estado que nos torna impróprios para a socialização, inatingíveis como um bife plastificado.

Tudo bem, na impossibilidade de caminhar ou usar bicicleta, aceito me trancafiar em um carro. Mas não quero que minha derrota seja total. Se vou de carro, ainda me resta um pedido: no caso de clima ameno, quero meus vidros baixados. Não estou pedindo demais. Quero minha parte nos primeiros vapores matinais, no cheirinho da chuva ou da noite ainda morna ainda respingada de sol.  Sim, vento batendo de banda e não de frente ainda serve para alguma coisa.

O que peço não é só para mim, mas para milhares de outras alminhas encarceradas. Ah: e quero tudo isso sem facada, please!

Junto com meu pedido vem a natural esperança que a ele se segue. Essa esperancinha, mesmo breve, nos ajuda a viver e a ir aguentando.  Antes que ela perca o gás e se espatife no chão teremos sido um pouquinho mais felizes.

Acho que a liberdade nos cai tão bem...

25 de mai. de 2015

Amor penado



Todo amor deve cumprir a sua sina. A sina do amor é ACONTECER.

Abre-se a cortina... ele surge! Então permite que o constatemos ... e só. O que vem depois já é lucro.

Crime grave é abortar um amor. Amor abortado é uma desgraça porque vira fantasma, alma penada. Amor penado tem aquele choro fininho no meio da madrugada. É nessa hora que desfilam os filmes do que nunca aconteceu.  Na lua cheia é pior ainda.
Não é terrível deixar uma coisa tão bonita se transformar em assombração?

Amor penado incomoda na insônia, nos sonhos também, com seu incessante bimbalhar: "Seráaaa...? Seria...? Será...? Seria...?"

A saudade dói mas não assombra. Ter saudade, convenhamos, tem seu charme.  Quem tem saudade é um felizardo. Não passou pela vida em vão.

Nem todos tem um passado. Conheço gente que não tem do quê ter saudade. Isso sim é uma lástima. Há vidas tão "em linha reta", tão previsíveis, que dá dó. Conheço gente com 70 anos mas sem passado! Desconfio que tenham muitos amores abortados a lhes desafortunar a vida.

Saudade são quadros espalhados pelo corredor.  Uma casa sem quadros é uma casa nua.

Entrar em um relacionamento amoroso é como mergulhar. Não há perigo se você souber a hora de sair, de emergir. Pegando essa manha, não há risco. Mas mesmo sem manha e com dor, vale a pena deixar essa criança viver.

Prefiro os quadros do que os fantasmas.  Melhor saudades do que gemidos dos que não puderam nascer.


21 de mai. de 2015

Eles entre nós


Eles têm a pele perfeita e não tem medo da vida. Eles nos fazem sorrir mesmo quando estamos muito aborrecidos ou tristes. Nunca acham que você está com segundas intenções. Não estão nem aí se você é muito rico ou muito pobre. Para eles dinheiro é uma coisa que pode ser trocada por doces - só. Pode deixar sua carteira aberta em cima da mesa que o máximo que vai acontecer é você encontrá-la toda bagunçada. Quando estão tristes o nosso coração parece que vai partir. Quando sofrem ficamos arrasados e daríamos tudo para sofrer no lugar deles. Não guardam rancor. Não entendem como funciona o mal, por mais que você explique. Não ligam se voce está mal vestido ou se sua casa não tem reboco. Não gostam muito de compartilhar suas coisas porque pensam que o mundo é deles, desde o sol até as formiguinhas da terra. Por isso são felizes, porque são os legítimos donos do mundo. Por isso custam a aprender a repartir, até porque não tem noção do que seja carência. Aceitam ir a uma festa com a roupa velhinha desde que possam rir, correr e brincar. Aceitam dormir numa tapera desde que as pessoas que o amam estejam por perto. Acreditam que podem ser tudo o que quiserem, basta querer. Tem facilidade em acreditar em superpoderes e ficam muito felizes por tê-los.  Amam os animais e se comunicam com eles.  Não sabem ler mas sabem ouvir.  São como plantinhas: só murcham quando não recebem amor.

Pelo amor de Deus, seja bom para todas as crianças que cruzarem o seu caminho. Não mate a única coisa realmente pura que ainda existe no mundo. 

15 de mai. de 2015

Estamos sós


A partir do momento em que começamos a abraçar a ideia de que não existe Bem nem Mal, casamos com o Mal que dizíamos não existir.

O Brasil é o país da permissividade. A permissividade, ao contrário do que os otários pensam, não cria um paraíso de liberdade, mas um inferno de abusos e injustiças.

Gosto de filosofia mas se você for um ignorante de mente tapada vai acabar sendo enredado facilmente pelo sofisma da vez. A verdadeira filosofia abre a mente. A falsa filosofia escraviza, porque manipula pessoas de poucas luzes e enquanto isso as faz acreditar que são muito espertas.

Se nada é realmente ruim nem realmente errado a não ser para o dono do rótulo, então podemos tudo e qualquer regra pode ser quebrada sem grandes problemas. E é precisamente por falta de parâmetros que temos juízes destituídos de senso de justiça e legisladores equivocados, que votam leis absurdas e contraditórias entre si.

Não foi o pensamento filosófico a respeito do Bem e do Mal que nos trouxe a esse poço de lama. O que nos trouxe aqui foram frases úteis, safadamente pinçadas das obras dos melhores pensadores, não para levar o povo a pensar, mas para levá-lo a se animalizar.  Por quê? Porque um bicho se satisfaz tão somente com comida e sexo e é capaz de ser barbaramente explorado enquanto ri no meio da lama.

Deus não está nos castigando. Nós somos castigados dia e noite pela Lei da Causa e Efeito. É ela a nossa algoz. Quando fazemos um mal e até o reiteramos por séculos, como esperar que esse mal não se volte contra nós como uma onda gigantesca?

O Brasil nunca levou a sério o problema da pobreza. Nunca cuidou dos seus pobres. Estivemos por séculos gestando um monstro assustador que está ganhando força e estatura para destruir seus pais. De fato o monstro não pediu para nascer. Mas a questão mais urgente não é se ele merece ou não merece uma jaula. A questão é: como fazer para nos livrarmos da ditadura desse Frankenstain que nós mesmos criamos? Podemos nos submeter aos seus caprichos e abusos, temerosos e envergonhados, sem moral alguma, como pais banana que viram seu delinquentezinho se transformar numa ameaça? Ou podemos nos insurgir contra ele e nos mortificarmos eternamente com o chicote moral da culpa porque, afinal, o monstro não pediu para nascer?

O país está um caos. Mas como querer movimentar a maioria do povo para se indignar contra a nossa decadência se essa maioria é faminta, ignorante e está acostumado a viver sem essas coisas que estão se acabando? Para eles tanto faz. O que eles tem a ver com a Petrobrás? Eles não tem carro, mal tem o dinheiro do ônibus e só consomem o básico do básico.  A energia elétrica está mais cara? Pois há anos eu "puxo gato". Pra mim não muda muita coisa. Não tenho ar-condicionado nem máquina de lavar de aspirador de pó nem chuveiro elétrico mesmo! Como desejar que eles se indignem pelo fim das empresas das quais jamais usufruíram os produtos e nas quais jamais seriam admitidos como trabalhadores?   Danem-se as montadoras!  Como acreditar que eles vão protestar por melhoria da educação se a péssima educação que tiveram não lhes proporcionou nenhuma mobilidade social? "Cada qual que cuide dos seus interesses!" .  Os professores ganham mal? Tão reclamando de barriga cheia! Pergunte quanto ganha um catador de lixo!  O Brasil pode se acabar. Eles vão demorar séculos para notar a diferença entre um país em crescimento e um país destruído porque eles já habitam o caos faz tempo.  Nada disso interfere. Milhões sem emprego? E daí? Não tenho emprego mesmo! Milhões sem casa? E daí? Já nasci sem a mínima chance de ter uma moradia decente. O problema é de vocês! Só quero continuar recebendo minha esmola." Estão roubando o dinheiro da Saúde e não há hospitais suficientes? E daí? Problema de vocês. Nasci num barraco mesmo. O mundo de vocês está se acabando? E eu com isso? Meu mundo é outro. Não vou me preocupar com um país que nunca se preocupou comigo

De fato o problema não é deles, é nosso. Estamos sós.







13 de mai. de 2015

Uma promessa


Amanhã te escreverei um lindo verso.
Amanhã vou cantar a canção mais linda do mundo para te enternecer. Teus olhos vão lagrimar, as palavras vão sumir e o vento vai nos cercar tímido...

Amanhã juro te fazer bem, nem que para isso eu precise escalar o monte mais alto, colher a flor mais rara, casar o fogo com a água. Ainda que eu precise plantar um jardim no fundo do mar e depois domar suas ondas.

Amanhã vou te fazer um castelo. Não importa o quanto custe, terás teu castelo.

Amanhã te sentiras tão amado, mas tão amado, que terás receio de falar desta ventura para os outros. Temerás que o encanto se acabe e serás feliz atrás da porta, como criança comendo chocolate às escondidas. Assim, às escondidas,
enganaremos todas as bruxas malvadas.
Tuas blusas serão brancas, clarinhas e perfumadas. Quando abrires a gaveta haverá pétalas de flores e isso te parecerá lindo! Então teu rosto brilhará como o de um menino travesso, como o dos heróis infantis. Mas não contaremos nada disso a ninguém.

Espere mais um pouqinho, amor. Vou também fazer um bolo igual àqueles de casamento. Vou vestir meu vestido mais bonito para tocar cítara. Se as traças já o tiverem roído farei outro mais lindo ainda. Você ficará muito orgulhoso de mim e isso me deixará tímida. Baixarei a cabeça e esperarei que tu a ergas novamente com a mão em meu queixo.

Mas não se vá antes disso. Nada faças! E proiba-se de sofrer.
Acredite em mim e em cada uma dessas palavras porque tudo se cumprirá, tão certo como a coisa mais inevitável que se possa imaginar. Terei para ti meu beijo mais doce, meu carinho mais manso e até mesmo uma lágrima sentida pelo tempo que perdemos.

Hoje não. Hoje meus pés doem - olha o céu cinzento! Mas amanhã...
Quando eu estiver curada te levarei café na cama com frutas, pão fresco e pequenas margaridas ao lado dos talheres. Vou te ver sorrir feliz, feliz! E ouvir todas as tuas histórias de garoto, desde o tempo em te apaixonaste pela menina lourinha e triste.
Nada mais machucará teu coração.
Seremos canto e contracanto
Da mesmíssima canção.

9 de mai. de 2015

Príncipes de sobra



Estou ouvindo um cantor que - dizem - já foi vendedor de rua.  Que feliz acaso o fez sair da invisibilidade para nos presentear com sua voz e canções?   Sua voz é grave, sensual e levemente debochada. Certamente já era  assim quando ele ainda era vendedor ambulante. Ninguém reparou? Não. Por que só enxergamos o que a mídia nos manda enxergar?

Nesse ponto sou forçada a imaginar quantas outras pessoas maravilhosas estão nesse exato momento sendo desperdiçadas pelas marquises, praças, pontes e presídios. Lamentaríamos muito se um anjo aparecesse para nos revelar, em tom grave e apocalíptico, que cada inútil, preguiçoso, viciado ou alienado que encontramos pelo caminho é, na verdade, um incrível feixe de luz não descoberto. Um buquê de poesias não florescidas. Estrelas discretas esperando a nuvem passar. Existe por aí milhares de pessoas incrivelmente talentosas porém invisíveis.

Talvez Deus já tenha respondido há muito nossas orações mas somos cegos e passamos distraídos. Nossa salvação talvez esteja maltrapilha catando piolhos debaixo da marquise. Fico aflita com essas imaginações.  E se eles sabem quem são mas negam-se a nos ajudar só porque ainda não os beijamos?

E se a solução de todos os nossos males sociais dependesse da simples disposição de beijarmos um mendigo fedorento?

Eu gostava muito daquele conto antigo, "O Sapo Dourado". Era mais ou menos assim:

Um lindo príncipe teria aborrecido certa bruxa e por isso tornou-se alvo de uma maldição: seria transformado em um horrível sapo para sempre, destituído então de toda sua beleza, riqueza, conforto e amigos. Assim ele passaria todos os seus dias até a morte, a menos que uma linda moça tivesse coragem de beijá-lo.  Um dia,  vagando à noite pela floresta (não me pergunte por quê) uma linda moça ouve uma voz muito triste vinda do lago.  Era lua cheia, dessas que de tão linda, tão lua e tão cheia emocionam a gente e nos fazem querer mostrar pra todo mundo: "olha que lua linda, meu Deus!" como se houvessem outras luas lindas meu Deus espalhadas por aí... Pois bem, a moça ouviu o canto vindo do lago e, curiosa, foi ao encontro daquela encantadora voz masculina. Quando chegou mais perto percebeu, boquiaberta, que quem cantava não era humano. Viu então o enorme sapo. Parecia asqueroso mas seus olhos eram tão tristes mas tão tristes que a pena que ele inspirava mais pena do que asco. Enquanto cantava chorava e isso era deveras comovente.  Suas lágrimas, antes de rolarem envergonhadas para o lago, cresciam na beira dos seus olhos, paravam trêmulas, azulavam no luar, então desistiam de ser lágrimas e se jogavam no lago.  Mas como ele não podia desistir de ser sapo, continuava a cantar e chorar. Enquanto se comovia, a moça sem sentir aproximava-se dele, como se não comandasse os próprios pés. Quando chegou bem perto ele ouviu seus passos esmagando as folhas. Parou de cantar, muito assustado. Ele parecia ter virado pedra e nenhuma lágrima azul apareceu mais. Arregalou os olhos e, mudo, por um instante quis pular fora. Mas imaginou que se aquela moça quisesse lhe fazer algum mal, melhor que o fizesse logo. Estava cansado de fugir de pessoas assustadas e perigosas.  Quando aquela carinha branca emergiu da vegetação seus olhos se encontraram. Foi quando a menina, percebendo o medo que inspirava, sentiu necessidade de mostrar-se dócil. Pensou em usar palavras amenas mas no estado de choque que o sapo estava nenhum diálogo seria possível. Então deixou-se levar pelo coração e aproximou-se devagar, em passinhos cuidadosos e estendeu a mão para tocá-lo. Ele tremeu mais ainda e tão grande foi o seu abalo que a moça imediatamente colocou as mãos para trás num gesto de "rendição". Mas continuou se aproximando com uma coragem incompreensível. Aquela postura de mãos para trás o acalmava, embora ele continuasse confuso. Quando ela chegou bem pertinho nada disse, apenas beijou-o...  e o que aconteceu em seguida foi muito louco.

Pois saibam os senhores que nossa cidade está cheio de sapos, principalmente à noite. Há um encantamento, uma maldição que os mantém com aquele aspecto grotersco. Mas as maldições estão aí para serem desfeitas mesmo, não é?

Quem se habilita?

Ah quantos príncipes teríamos...

5 de mai. de 2015

"Chan Chan"


Chan Chan: esse é o apelido da chinezinha mais gracinha do mundo.

Os olhos são obviamente apertados e bem negros, como duas amêndoas de ônix. E o cabelos beeeeem lisinhos. Por determinação superior (ou seja: minha) hoje são cortados ao estilo “chanel”. O corte alonga o pescoço. O efeito é gracioso.


É magra e tem perninhas finas. Não come muito. Ela é toda fininha.  A gente tem até a impressão de que pode quebrá-la como se quebra macarrão. Mas claro que ninguém faria isso com a Chan Chan! Ela derrete a gente!

Ela deve ter uns seis anos pelas minhas contas. Não conheceu os pais naturais. Viveu sua pouca vidinha em um orfanato no interior da China. Bons ventos a trouxeram. Não fui atrás, não a escolhi. Veio trazida pela mão de uma amiga, despretensiosamente, e me apaixonei. Você sabe: a gente não escolhe essas coisas do coração nem está preparada nunca para os momentos fatais da vida. Quando acontece, já era. Foi assim.

Quando a vi pela primeira vez ela estava com um vestido “tubinho” de gorgorão amarelo.  Numa primeira olhada me lembrou um abajur. Abandonei logo a idéia porque lembrei que os abajures não lambem pirulito e ela estava atracada com um. Parecia muito feliz na posse daquela preciosidade e nem me enxergou. Estava meio descabelada...

Minha amiga e eu ficamos conversando na sala. Ela me contou a história da chinesinha, que estava ali “emprestada” mas que deveria ser devolvida ao Estado.

- Hmm... Precisa devolver mesmo?
- Gracinha ela, né?
- Não vai ficar com você?
- Não posso! Você sabe a minha vida como é.
- Mas não dá peninha de devolver?
- Dá. Mas é assim mesmo. Vou visita-la de vez em quando. Ficamos amigas!
- Será que ela ficaria comigo um final de semana?
- Acho que sim. “Você gostou da tia, Chan Chan?”

Ela não respondeu nada mas li seus pensamentos de novo: “prefiro meu pirulito!” Perdoei e coloquei-a sobre meu colo. Era leve como uma fada.  Menininha de isopor e cabelo arrepiado...

Demorou um bocado até ouvirmos sua voz. Demorou também para podermos vê-la pulando e perseguindo a minha gata.  Só sei dizer que a Chan Chan foi ficando, ficando... E já tem um monte de vestidinhos no armário. E Melissas coloridas também. É a chinesinha mais fashion das redondezas.

Tudo mentira. A Chan Chan não existe a não ser na minha imaginação. Que bobagem a minha!

Ou... Ou ela existe sim!  Em algum orfanato chinês, toda misturada com as outras menininhas. Mas ela se destaca porque espia pela janela todos os dias com suas amêndoas de ônix esperando eu achegar, tomá-la pela mão e levá-la pra casa.


Cristina Faraon

1 de mai. de 2015

Ela se acha linda!


Tenho uma amiga feia. Muito feia. Mas feia mesmo.

Às vezes olho as publicações dessa amiga na internet e custo a entender como alguém pode se sentir tão a vontade dentro do próprio corpo e expor a própria feiúra como ela expõe, entre poses, caras e bocas, de forma quase engraçada. Ela se comporta em fotos como se fosse  uma gracinha.

Não deixo de acompanhar suas novas publicações. Sinto um estranho prazer em me admirar com sua falta de percepção. Incrivel não notar o quanto é feia.

Pronto, terminado o preâmbulo tenho a dizer que incrível mesmo é eu não perceber o quanto ela é uma pessoa maravilhosa  e emocionalmente saudável.

Por quê meu primeiro impulso foi achar que ela sofre de um erro de percepção? Não seria uma maravilha se todo mundo se sentisse lindo como ela parece se sentir? Quantas moças não teriam morrido inutilmente em salas de cirurgia!  Que mal há em se sentir bonita? A quem se ofende?

Essa minha amiga é uma lição para o mundo. Sentir-se bonita como é se amar, se aceitar e ser feliz. Todos seríamos mais felizes se nos sentíssemos como ela parece se sentir. 

Ela não é louca, só é feliz. Loucura mesmo é passar a vida toda procurando imperfeições para em seguida se amargurar com a própria aparência e perder o sorriso e a graça. Loucura mesmo é se comparar com fotografias photoshopadas. Patético é ser complexado.

Queria poder dizer a essa amiga o quanto ela é interessante e o quando ela nos ensina sobre auto aceitação. Queria poder pedir desculpas pelo modo preconceituoso com que a olhei por tanto tempo. Queria também dizer que a suposta breguice dela é um tapa de luvas de pelica naqueles que pensam que ela deveria estar se importando com o que eles pensam. Um tapa na minha cara inclusive.

Bom mesmo é ser feliz.  Beleza é uma ilusão. Feiúra também. Regular a própria felicidade com conceitos tão voláteis é rematada tolice.

Sabe, nota dez pra essa amiga.  Ela vive muito bem sem o nosso aplauso e diz isso da maneira mais sutil e eficiente do mundo.

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