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28 de set. de 2013

A gente aprende... *

Com o tempo a mulher aprende umas coisinhas básicas:

É bobagem essa fissura por "mudar o visual". Depois de uma certa idade uma mulher inteligente e antenada já chegou à sua melhor versão. Subverter os padrões a essas alturas do campeonato pode resultar em mico. Quando insistimos nisso, geralmente só o que conseguimos é ficar meio esquisitas. Aí com uns dias os amigos se resignam e deixam de franzir a testa.

É bobagem ter cinquenta batons se só gostamos de uns cinco e só ficamos bem com uns três. é chato dizer, mas a mesma regra vale para os amigos.

Acho que somos todos muito bonitos, só que os deuses tem inveja. Como não podem nos roubar a beleza, eles  se vingam fazendo a gente se dar conta dela sempre com dez anos de atraso - pelo menos.

Outra coisa que a gente aprende: comentarem a sua vida é muito diferente de "se importarem" com a sua vida. Não confunda nem se iluda. O suposto interesse dos outros pelas suas atividades pode estar no nível do entretenimento, coisa para se falar quando não há assunto. É, talvez você seja menos interessante do que supõe. As pessoas falam, falam, seguem seus caminhos e esquecem tudo.

E os elogios? Não significam NADA. Saiba: há pessoas que elogiam para promoverem a si mesmas à imagem de pessoa gentil. Marketing pessoal. Às vezes é falta de assunto ou sentimento de dever, em reuniões sociais. Uma mulher, por mais feia que seja, se gastou muito tempo e dinheiro na produção, merece algum enaltecimento. Há um certo consenso nisso - aponta estudo.

Por outro lado, a falta de elogio também não significa nada. Esse é o lado bom da notícia. Porque há os que se calam por inveja, por despeito. Há os que olham para você e deduzem que não se juntarão à multidão que lhe enche a bola. Nesse caso o silêncio é o elogio mais sincero que você poderia ter.

Outra coisa: pessoas que, por falta de espelho ou por saúde emocional, se comportam como se fossem bonitas, vão "embonitando" com o tempo. Sério: funciona.  Beleza tem muito a ver com hipnotizar os outros, não é uma coisa real.

Detalhe: o contrário também acontece: adotar "atitudes de feio" acaba com o visual de qualquer um.

Amenidades úteis.

24 de set. de 2013

Cenas de Metrô

(Texto de Márcia Gabrielle Dantas, jornalista)

Meia noite. Último metrô. Ela está concentrada em si mesma. Headphone, música alta, lê um jornal qualquer. Ela é mais uma de tantas mulheres com traços fortes, cabelo escuro, árabe talvez? Não dá para saber. 

Tantas misturas.

Todos do vagão estão voltados para si. Todos evitam trocar olhares. Todos apenas observam sentido da linha cinza gravado na parede acima da porta. 

Todos parecem cansados...todos, mas calma.... Menos um! Um homem alto, branco, de nariz afilado. Ele está diferente dos demais. Ele olha só para a moça mais bonita do vagão, aquela de traços fortes. Olha com um sorriso no canto da boca. Resolve sentar-se ao lado. Ela finge que não percebe. Ele vai além: pergunta as horas. Ela responde sem titubear e continua a leitura. Tem um ar esnobe ao falar. Ele parece encantando, não desiste. Respira fundo e pergunta: "Whats your name?" Só aí então ela realmente volta os olhos para ele e responde..."No..." Depois fica em silêncio, três segundos que parecem uma eternidade.
"Meu deus, é você?" Ela abre um sorriso gigante junto com uma gargalhada e começa a pedir desculpas.
Ele sorri junto e parece mais relaxado. Eram amigos de infância!  Mas senti um clima de romance no ar...Quem sabem não foram namorados? Ela fica tão surpresa com o encontro que esquece de descer... Os dois se dão conta algumas estações depois. Ele se oferece para levá-la até o destino. Ela aceita. Então, os dois saem do vagão juntinhos, cheios de nostalgia.

Me perdoem os headphones, os jornais, tablets, smartphones e toda tecnologia do mundo... A vida é mais interresante se olharmos ao redor.


20 de set. de 2013

Romantismo


A mesma sociedade que metralha o romantismo entre casais, acaba engolindo outras formas igualmente furadas de romantismo. 

A ideia do "bom selvagem" é uma tremenda tolice, mas ainda continua viva e gerando filhotes.

Índio bonzinho? Onde?  Aí ensinam nossas crianças que os índios vivem no mundo de Avatar, que adoram as árvores e respeitam a natureza.  Ora faça-me o favor!  São exatamente como nós: as árvores só duram enquanto não precisarem ser trocadas por outras coisas prazerosas. Dependendo da situação, a primeira coisa que fazem é entrar em acordo com os madeireiros. Não estão nem aí.

Há também o romantismo direcionado ao reino animal.  É essa tinta dourada que lambrega as mentes atuais. O raciocínio é: o ser humano é mau, os irracionais são bons e só matam o que pretendem comer. Mentira.

Tive uma gatinha cujos olhos brilhavam de prazer quando conseguia despedaçar um passarinho ou calango. Nem vou descrever aqui as técnicas de tortura que ela usava contra os pobres calangos porque não quero agredir as mentes mais sensíveis. Detalhe: a Lucrécia (o nome da gata) jamais comeu um calango sequer ou um passarinho. Não os prendia e despedaçava por fome. Nem por medo.

E as cobras? Matam muito mais do que aguentam comer. Capturam animais e quando não aguentam comer tudo de uma vez, os guardados como numa espécie de poupança. Igual a nós.

 Não tenham dúvidas: se os irracionais precisassem de dinheiro para sobreviver você os veria adotar as mesmas safadezas dos humanos. Todos os dias ia ter elefante dando trambique, cachorro vendendo mercadoria vencida, cobra assaltando, pinguins vendendo drogas, borboleta se prostituindo. Por outro lado, se nós não precisássemos de dinheiro estaríamos hoje nos matando e despedaçando uns aos outros com a mesma crueldade sangrenta das onças, aranhas, tubarões e outros bichos.

Cachorro, quando se invoca, pode atacar seus próprios donos. Já soube de vários casos. Não foram maltratados ou provocados. "Tipo do nada".

Pare de chamar os bichinhos de santos e humanos de monstros. Só o que nos eleva é o amor. Tirou isso, o que sobra é SELVA!

13 de set. de 2013

Roupas no varal


Palmeiras espiando por detrás dos prédios. Luzinhas piscando "eu tô aqui!"  A torre do O Liberal toda azul, imponente e calma. As meias, shortes e blusinhas penduradas na sacada. Minhas plantinhas com os olhos fitos na minha direção. Claro que querem se comunicar. Querem saber  o que estou escrevendo, afinal de contas. 

Difícil acreditar que o inanimado  seja isso mesmo: sem vida. As coisas convivem, se expressam e relacionam. Não pode ser só impressão.

As roupas adoram quando são sacudidas pelo vento. Ela riem, festejam. É a grande travessura do dia, de brincar de ser pássaro. Elas riem e arregalam os olhos, são crianças felizes.  Da sala os móveis espiam pelos cantos dos olhos, cheios de admiração. Desejariam a mesma brincadeira ao mesmo tempo que a temem. Parece ser tão arriscado! Móveis não brincam nunca, não sabem o que é acenar para os vizinhos segurando o fio só pela pontinha. As cortinas acompanham timidamente, ensaiam o mesmo movimento mas não passam muito disso. Não ousam ser tão efusivas. 

Em todo canto há cor e vida. Parece que só consigo participar disso um pouquinho quando estou só, completamente só, com meus pensamentos e percepções.

Às vezes sou roupa no varal. Às vezes sou como os sofás. 


8 de set. de 2013

O homem de Todo Sentimento

"Meus olhos molhados
Insanos dezembros!
Mas quando eu me lembro
São anos dourados!"

Quem é o Chico Buarque?


É o homem bonito dos olhos verdes. Mas claro que não é só isso.

Há um certo mistério cercando o Chico. As canções mais profundas, ele escreveu ainda tão jovem! Seriam necessários muitos e muitos quilômetros de praia para enxergar e entender tão bem e tão sentidamente o que ele percebia. A partir de quando essa percepção quase telepática, do sentimento humano, passou a ser tão clara pra ele?

A poesia do Chico é indiscreta de tão exata. É denunciadora em sua capacidade de descobrir o que cobrimos. É então desconcertante, bocuda, tocante.  

Conta a lenda que todo gênio decepciona na intimidade. Geralmente - dizem - são chatos, distraídos, distantes. Até maus, às vezes. Não sei. Dizem que são capazes de friezas glaciais, indelicadezas espinhentas, inafetividades grotescas. Dizem que Einstein era um marido horrível, que Mozart era um irresponsável, que Guimarães Rosa era esquisito, inseguro e cruel com a mulher.

Quem é o Chico Buarque, nas entrelinhas? Talvez o homem de "Todo Sentimento" nunca tenha encontrado a paz do amor. Seria possível? Seria possível entender tão claramente as nuances do sentimento feminino sem se comover?  Talvez o que ele escreveu tenha sido direcionado mais pela sua intuição do que por sua sensibilidade. Talvez ele escrevesse apenas o que gostaria tanto de conseguir sentir.  

Não posso crer que ele seja apenas um mestre das palavras. Ninguém domina o verbo a esse ponto. As frases tem vida própria e são forjadas a partir de uma matéria prima muito especifica. Nenhum verso tem magica sem amparo na verdade. Pode ser a verdade nua e clara ou uma segunda verdade, virtual. Pode ter a ver com a uma certa verdade almejada. Verdade escondida, verdade intuída, verdade abafada. Mas tem que ser verdade.

O Chico ama? Amou? Do que escreveu, o que viveu? 

Saudade, desesperança, solidão, lembranças, sentimentos persistentes... Se ele sabe tudo que escreveu, se nada saiu por encomenda ou acidentalmente ... Então o homem de Todo Sentimento não cabe em si de tanta lindeza. E talvez sofra muito porque, sem a música, não tem onde reclinar a cabeça. Onde encontrar alguém que lhe faça par, que olhe no fundo dos seus olhos verdes e enxergue  o que ele realmente é?

"Pretendo descobrir
No ultimo momento
Um tempo que refaz o que desfez
Que recolha todo sentimento"

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