.

.

26 de set. de 2012

Tributo periódico

Acabei de ter um pensamento perverso!

De repente me pareceu cabível acreditar que existe uma cota de mortes no mundo; são mortes que tem que acontecer de qualquer jeito e não há como a humanidade escapar.

Hoje estou convicta de que há um número xis de defuntos que precisam ser entregues. Um número xix de vítimas que precisam cooperar. Espernear é inútil.

As almas que se vão são uma espécie de tributo periódico que se paga ao além. Nesse ponto somos todos funcionários públicos: não dá pra fugir dos impostos. A facada vem na fonte.

Cada novo medicamento que inventam desencadeia uma reação inversa, em sentido oposto à vida. Cada vitória aqui faz pipocar um novo vício ali, aumento da criminalidade, de catástrofes naturais, guerras e desastres ecológicos.  A cota tem que ser preenchida e se a ciência salva gente demais, o jeito é Deus mandar um Tsunami. Fazer o quê?

A conclusão lógia é que a coisa piorou justamente porque melhorou. Entendeu? Nem eu.

E preste atenção: quando driblarmos tudo vão começar a cair meteoros. Pelo simples motivo de que não dá pra driblar os malditos meteoros.

Cota é cota. Se não vai por bem, vai por mal.

22 de set. de 2012

A verdade sobre a mentira



Pra variar, estive pensando. Dessa vez, sobre a mentira.


Você não acha que as verdades que fazemos questão de propalar geralmente são convenientes demais, ensaiadas demais, artificiais demais? Sim: sempre desconfiei de que elas eram de segunda mão. Já as mentiras não: elas são todas tão honestas!  Vou explicar:

Todas as nossas fragilidades estão escondidas debaixo do cobertor das nossas mentiras. Nada revela tão bem quem somos do que o tipo, textura, densidade, cor e qualidade das nossas mentiras. São elas, não "as verdades sociais", que revelam nossos medos, complexos, sentimento de inferioridade, inveja, impotência, desapontamentos e frustrações.

Para entender melhor o que quero dizer é necessário lembrar que mentiras não são apenas frases proferidas. Mentir vai além. Mentira pode ser uma postura auto confiante para impressionar os outros. Pode ser tentar ostentar um padrão de vida além das posses, pode ser tentar parecer bonzinho, caridoso, gentil ou jovem. Tentar parecer "chique". Mentir não é só falar: é também tentar parecer. Esse tentar é tão comovente!

Quem tenta ser, admite que não é. Admite que sofre por não ser. Admite que, para tentar imitar, necessariamente tem um modelo ao qual se sente inferior.


Descubra no quê uma pessoa mente e aí você descobrirá onde ela não se aceita, onde sofre, o quê ela inveja, quem ela queria ser, o quê doi.


Mentir é tentar esconder uma realidade que nos parece inaceitável aos olhos dos outros. Daí concluo que uma pessoa mente na mesma proporção em que é infeliz.


Cada mentira, uma dor. Não deveríamos ter tanta raiva dos mentirosos.




18 de set. de 2012

Aquela coisinha de luz

Vou contar pra vocês que ontem pensei numa coisa linda, linda de morrer!

Suspirei fuuundo, daquele jeito que  lava e enxágua. Meu peito inflou, prendi o que pude.  Se eu aguentasse mais um pouquinho, voaria.

Ontem pensei numa coisa que de tão linda poderia ser condensada em caquinhos de cristal. Ou poderia virar um elixir mágico que cura todas as dores do mundo.

Essa coisa linda vinha voando distraída, como todo pensamento bom. Vinha borboleteando e me esbarrou sem querer. Fiquei enternecida como se tivessem colocado um bebê no meu colo. Naquele instante parece que fiquei tão pura!

Acho que só mesmo pessoas muito puras tem idéias absurdamente lindas.

Foi uma miragem, um oásis de seda nas areias da vida. Eu brilhava por dentro e aquele formigamento de luz era como um segredo de fadas, algo assim que não se pode contar. Brotou uma lágrima que olhou pela janela, esperou uns minutinhos, voltou em silêncio ao nascedouro e escorregou pela garganta.

Acho que um anjo me tocou e trouxe essa coisa assim, embrulhada em celofane. Aí ela se decompôs em várias outras coisinhas que esvoaçavam como bandeiras, como gargalhadas infantis que são vão pelo corredor.

Às vezes sou tocada por coisas lindas e sem nome. Elas não ficam, só vem de visita. São tão desapegadas de mim!

E o que se segue? O que se segue não é escuridão não. O que vem depois são uns instantes suspensos de lembranças recentes, um entorpecimento... e uma saudade.

Acabou. Foi-se embora aquele suspiro emocionado que ainda há pouco enchera tudo de luz.

14 de set. de 2012

Antecedência

Estou escrevendo esse texto em 07 de outubro de 2011. Programei para ser publicado apenas hoje.
Não deixa de ser curioso imaginar que hoje, quando esse texto chega à você, posso nem estar mais viva. Posso ser um fantasma escritor.

É instigante imagiar que o contexto em que estou vivendo agora pode estar completamente alterado quando esse texto for publicado. Estarei no mesmo endereço? Terei emagrecido? Engordado? Terei reencontrado alguém querido? Terei me despedido de quantos? Terei desistido do blog? E meus filhos, como estarão? Quais transformações fundamentais terei sofrido? Nenhuma? Quais dores terei que suportar? Quantas alegrias me farão pular de contentamento? Será que em março já terei enjoado de comer Doritos?

Em 14 de setembro de 2012 espero estar melhor como ser humano.  Se eu não melhorar, renovarei os votos para 2013.

10 de set. de 2012

Beijos aos chatos

É difícil amar uma pessoa mas não tentar ajudá-la com sugestões. Ver a pessoa amada fazendo besteira ou posando de ridícula é duro, não dá pra ficar calado. O problema é que é muito difícil a pessoa amada perceber nossa atitude como prova de amor.

Quem ama se importa, né? Quem ama não consegue ver um amigo pagando mico ou tomando decisões nocivas. Mas é sofrido dizer a uma amiga: "querida, não seja assim tão vulgar!" Cadê a coragem?

Por essas e por outras é que os adolescentes muitas vezes se apegam mais aos amigos , que aplaudem suas bobagens, do que aos pais, que os adverte.  É uma pena que as coisas sejam assim. Tenho certeza de que as pessoas que mais questionaram minhas atitudes foram aquelas que mais me amaram, pois preferiram correr o risco de me chatearem do que correr o risco de me verem dentro de uma situação perversa.

Então, um beijo a todos os chatos e intrometidos que se importam comigo!

7 de set. de 2012

Comoção

É sempre comovente observar uma pessoa feia que gasta um  monte de dinheiro tentando ser menos feia mas não progredindo em nada. O feio inconformado mas que apesar dos esforços não sai do lugar sempre gera uma certa pena. Mas e o feio conformado?  Este gera incômodo.  As pessoas sempre se perguntam por quê, afinal, ele capitulou sem lutar.

Por quê coisas como essas, tão fúteis, nos levam a gastar cinco minutos de reflexão? Talvez por termos muitos minutos demais pela frente e nos sentirmos a vontade para desperdiçar alguns. Talvez porque somos fúteis e pronto. Talvez porque seja verdadeira a teoria de que estamos todos conectados em uma energia comum.

Somos como miçangas de um mesmo imenso colar global. Não adianta tentarmos nos convencer de que isso ou aquilo  não é da nossa conta. Tudo é da nossa conta! Por isso tudo nos interessa memos que "não interesse". A gente quer saber, a gente tem opinião. Queremos ver, provar e interferir. Execramos ou aplaudimos condutas alheias que, aparentemente, não afetam diretamente a nossa vida. Mas será mesmo que não?

Precisamos de muito esforço de auto convencimento para conseguirmos finalmente nos desiteressar de tudo o que não tem relação direta com a nossa vida em particular. Porque a princípio reagimos como se tudo fosse mesmo da nossa conta.

Li certa vez uma teoria atraente que dizia que estamos universalmente conectados uns aos outros ainda que não saibamos ou não admitamos. Somos energia pura do mesmo feixe - digamos assim. Como tudo faz parte de mim e como eu faço parte do todo, esse é o motivo para eu me incomodar com o bigode alheio, com a gastança do vizinho, com a timidez excessiva de um conhecido, a galinhagem do artista, a amargura do amigo e mais milhões de outras coisas "alheias" à nossa vida. A feiura e a beleza, a solidão, a incoerência... tudo teima em fazer parte de nós mesmo quando repetimos que não temos nada a ver com aquilo.  O "não tem a ver", no final das contas, pode não ser sabedoria.  O "não é da minha conta" pode ser uma tremenda anomalia na vida.

4 de set. de 2012

Regulando a virtude

 
Nem sempre a paciência ilimitada é uma virtude. Geralmente não é. Quem tem paciência demais acaba  reforçando comportamentos alheios inaceitáveis. Se uma pessoa que age mal mas não vê resultados da sua má ação, então continuará incomodando sem ter noção da gravidade das suas atitudes. O sujeito excessivamente paciente mascara a realidade. O mundo não é paciente com ninguém.  Uma reação forte (um "chega-pra-lá")  às vezes é absolutamente necessário. Só assim o outro vai conseguir acordar e se realinhar à realidade da vida (ou seja: se mancar). Isso vale para adultos e para crianças. Paciência demais pode transformar o fofinho tolo em um pentelho insuportável.

3 de set. de 2012

As super pernas



Não sei se você vai considerar estranho o que vou dizer mas lá vai: acho essas próteses de pernas, utilizadas pelos atletas paraolímpicos, um barato.  

São leves e fortes e, embora não tenham sido criadas com essa finalidade, dão ao sujeito um "ar de poder", um "plus" muito bem-vindo para quem perdeu as pernas humanas. 

Embora o aspecto de quem não tem pernas seja o de fragilidade, essas próteses conseguiram realmente mudar isso!  A pessoa "pula"  rapidinho (desculpem o trocadilho)  do visual frágil para o futurista, do limitado para o "posso mais".  

Minha opinião é que, mesmo esteticamente, essas próteses são melhores do que as que imitam pernas humanas.  Claro que depois fui descobrir, desapontada, que as prótes-imitação não foram realmente abandonadas. Os atletas usam-nas no dia-a-dia e deixam as "super-pernas" reservadas para a prática de esporte. Uma pena. Porque as super-pernas são muito mais cheias de personalidade. Pode parecer infantil de minha parte mas pra mim é como se dissessem: "tudo bem, perdi as pernas, mas com essas que agora tenho ganhei superpoderes.  Adquiri velocidade,  mobilidade e canso menos do que você; virei um primo distante do Robocop.  Então tudo bem se quiser ficar olhando."  

Para mim eles lembram sim os heróis cibernéticos - e quem não simpatiza, de pronto, com os heróis?  É um lance subjetivo e irrefreável. Todos gostamos de quem pode mais - ainda que não possa.  

Ao invés de parecerem "sem pernas" ele acabam parecendo alguém que chegou a um estágio mais avançado, um "plus".  Ficam com um ar mais confiante, poderoso e por conseguinte, sexy. 

Pronto, falei.

1 de set. de 2012

Mas eu quero ver Marte!

Milhões investidos: fotos de Marte. Fotos da Lua. Cortinas lindas, lajotas de alta tecnologia, carros que são um sonho, microondas, celulares que fazem tudo, tatuagens perfeitas, cirurgia plástica, MP3 onde eu quiser, doces finíssimos, culinária de alta tecnologia, prédios de arquitetura incrível, hotéis paradisíacos, clonagem, próteses poderosas, transplantes, animação computadorizada...

E enquanto isso, milhões morrendo de fome. Tudo o que está no parágrafo acima foi comprado com o dinheiro que poderia resolver a fome do mundo. E aqui entramos em um impasse.

Não estou defendendo tese. Estou só imaginando as coisas para chegar, talvez, à mesma conclusão de sempre.

Não, não estou defendendo tese...  mas afirmo que o mundo seria um lugar muito pior se vivêssemos apenas por pão e água. A vida confortável que possibilitou um músico compor uma obra linda, essa vidinha confortável pode ser traduzida em dinheiro. E eu não queria viver em um mundo onde não houvesse espaço para a arte, para lugares lindos, para a alta tecnologia. Eu quero viver em um mundo onde eu possa olhar Marte, olhar fotos de bebês no interior do útero, onde existam microscópios caríssimos que me desvendem segredos incríveis.

Mas tudo isso vale a fome? A miséria?  Não. Mas eu quero ver a lua, quero ver a beleza, quero sonhar com um lugar lindo que de fato exista, ainda que eu trabalhe a vida toda e não consiga chegar lá! Minha alma precisa disso. Não sou apenas corpo. Penso que seríamos menos humanos em um planeta onde, com os irracionais, nos limitássemos a comer e reproduzir e não pudéssemos brincar de Deus.

Há algo de divino em nós. Há uma curiosidade insana, uma criatividade suicida. Nascemos para mais, muito mais do que somos hoje! Em busca disso caminhamos, ainda que caiamos no abismo. É fatal, é a sina, é irresistível. Simplesmente não conseguimos parar. É a nossa glória e destruição. Há algo de comovente nisso.

Nem só de pão vive a humanidade - mesmo.  Felizmente não sou responsável por escolher os destinos do mundo.  Felizmente não sou eu quem vai matar a beleza para matar a fome ou manter a beleza e manter a fome. Essa escolha é tão pesada que não cabe a nenhum homem em particular.  Para decidir isso seria necessário um consenso "cósmico" - e isso não existe. Nunca existiu.

Talvez - eu disse "talvez"! - o que chamamos de supérfluo seja o que nos afasta das feras. Talvez, apenas talvez, um mundo sem o supérfluo seria tão mais árido, mas tão mais duro e triste, que cairiamos em um buraco bem pior do que esse no qual já estamos. Porque hoje ainda podemos sofrer e esfriar a alma em momentos de música, de sonho e deslumbramento. O que seria de nós se todo o mundo fosse em preto e branco e se jamais pudéssemos saborear algo que nos fizesse tirar os pés do chão e gemer de prazer?  "Huuummm! Meu Deus, que Delícia!!!"

O que seria a vida sem o "Huuummm! Meu Deus, que Delícia!!!" ou o "Meu Deus, que coisa incrível!!!"?

Sei de pouco, sei de quase nada nessa vida, mas de uma coisa sei: eu não queria viver em um mundo onde não houvesse cientistas malucos, onde o homem não pudesse dar saltos, superar-se ou deslumbrar-se.

Eu quero ver Marte. Um mundo básico é o mais assustados dos mundos.

"Estamos todos na sarjeta mas alguns de nós contemplam estrelas."  
Oscar Wilde

Páginas