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28 de mar. de 2016

Assim falou...

"Queres escalar a altura livre; a tua alma está sedenta de estrelas; mas também os teus maus instintos têm sede de liberdade." Assim Falou Zaratrustra

O louco


Acho que todo louco tem alguma história triste para contar. Claro, nós não queremos ouvir.

Toda vez que encontro na rua uma pessoa desajustada penso no caminho que ela percorreu até chegar onde chegou. Quando deixou de ser uma criança delicada? Quando deixou de ser um adolescente adorável, cheio de idéias engraçadas? Quando, exatamente, se desesperou de tudo?

Qual será a história de cada louco? Eu queria saber. Deve ser comovente. Eu iria sofrer... mas queria saber a história dos loucos. A partir de qual cena seu caminho foi desviado? Em qual momento exato não haveria mais volta? Qual o golpe fatal? Qual foi a dor que não passou? Quem declarou seu caso perdido?

Onde estavam os amigos, os vizinhos solidários, os amores redentores, os professores paternais?

Esses dias fui fazer um lanche a noite. Sentada em minha mesinha vi um menino de uns 8 ou 10 anos de idade. Sujo, descabelado, com um olhar que as vezes parecia perdido e outras vezes ameaçador; mudava de aspecto a cada olhadela minha.  Parecia um bichinho, um bichinho acuado saindo da toca por força da fome. Parecia ter medo de algo que eu não conseguir enxergar. Talvez nem fosse medo. Aquela expressão pode ter-se  apegado ao seu rosto como um papel jogado pelo vendo.  

Que dolorido é o caminho até a desesperança! E como pode um menino já ter percorrido esse longo caminho?

Todo louco tem uma história. Pena que não paremos para ouvir.

24 de mar. de 2016

Ciclos



Estou plenamente convencida de que o universo se movimenta incessantemente por ciclos. Não caminhamos necessariamente em uma direção, nem pra frente nem pé atrás. Pelo contrário, estamos condenados a círculos de caminhada enormes, imensos, de forma que por mais que andemos para a frente, essa frente é inevitavelmente curva e não temos meios de evitar chegar exatamente ao ponto do qual partimos.

Estou convencida de que é inútil denunciarmos a destruição do planeta. Podemos atrasa-la, quando muito, para o bem da nossa e da próxima geração, no máximo. Mas ela virá, tão certo como o dia seguindo-se a noite. Não deveríamos nos preocupar demasiadamente com isso. Mas preocupar-nos com uma coisa ou outra é algo tão profundamente ligado a nossa natureza que também não vejo sentido em denunciar nossa própria tolice se não conseguimos mudá-la.

Quando passei a acreditar no imenso círculo no qual estamos vivendo, observo que isso me leva ao fatalismo. O fatalismo é muito mal visto, pois nos condena a ser meros espectadores da nossa própria história, dos movimentos do mundo. É muito mais honroso que sejamos agentes, atores, ativos, não platéia.

Por ser possível observarmos os resultados, assustadores ou não, da ação do homem no planeta, somos acometidos da falsa impressão de que, por percebe-la, temos algum domínio sobre ela. Não temos.

Um ajuntamento de muitas pessoas pode acarretar um momento de pânico. Nesse pânico pode acontecer o deslocamento de grande massa humana em um determinada direção e esse deslocamento pode causar pisoteamento e morte. Isso é assustador. Quem olha de fora pode ser levado a acreditar que é muito simples parar a turba e evitar a mortes. Tudo parece ser tão simples e previsível que não entendemos por que aquelas pessoas simplesmente não param o que estão fazendo. Basta parar, basta querer. Só que nenhuma delas, que caminha para a frente com suas próprias pernas, tem realmente controle sobre o que está fazendo. O mesmo se dá com a guerra e tudo mais. Era só parar, não dar tiro e pronto!  Quanto mais afastados estamos do poder de decisão, mais simples  a questão aparenta ser. Os discursos a respeito do desmatamento de nossas florestas vão para as nossas crianças, a dona de casa, o pessoal da cidade. Eles se escandalizam e angustiam. Essas campanhas não tem poder algum sobre a vida de quem está com a serra na mão. Eles simplesmente não conseguem parar. 

Da mesma forma são todos os movimentos sociais. Acredito firmemente que o mundo já passou por diversos ciclos de criação, deterioração, destruição e recriação. Tudo já foi novo, passou a ser velho,  afundou e tornou-se novo de novo. Não conseguimos evitar e só não aproveito o texto para pregar o silêncio porque isso também não adianta.

É irresistivel se alarmar, é irresistível denunciar, é irresistível continuar e afundar. Por isso falo, por isso calo, por isso suspiro e vou dormir. Amanhã é outro dia e talvez eu seja assaltada por melhores pensamentos.

Da mesma forma que tememos a morte e até pressentimos sua chegada mas não a impedimos nosso fim é tão certo quanto o recomeço que nos aguarda.

20 de mar. de 2016

Brincadeira das sete horas


Deitei, fechei os olhos. Aquela preguiça das sete horas da noite. Aquela, antes de a gente resolver tomar banho, jantar, fazer umas coisas e finalmente dormir. Não vou dormir agora. São só sete horas!

Eu gostava de ficar assim, sozinha, parada, nessa hora mágica, desde quando ainda era pequena e ninguém que eu amava ainda havia morrido.

Fecho os olhos e trago para cá meu mundo imaginário. Nessa hora tenho muito poder de  "fazer de conta". É fácil. Basta ficar quietinha e se concentrar. Você comanda tudo com a mente e ela lhe leva para onde desejar e para a época que você quiser. Basta querer muito, mas muito mesmo. A saudade ajuda.

Faz-de-conta que sou criança. Sou pequena e estou deitada na cama dos meus pais. Não é hora de dormir. Ainda não jantei. Mamãe vai me chamar daqui a pouco. Tomei banho, estou perfumada e a cama dos meus pais tem um cheiro muito acolhedor. Adoro aquele lugar.

(Está funcionando!)

A luz do quarto está apagada mas a da sala está acesa e clareia parte do meu corpo. Sinto o cheiro gostoso da sopa que vem da cozinha. Sinto-me querida e segura e só vou abrir os olhos quando minha mãe me chamar. Quero que ela me chame, não quero levantar sem isso. Quero que se lembre de mim, que sintam minha falta, que mencionem meu nome. Meu vestidinho está limpo, minha calcinha é de algodão e a cama dos meus pais é tão cheirosa! Quero ficar aqui pra sempre. O quarto está em ordem e sinto o cheiro do chão recém encerado. Minha  boneca nova está guardada no armário, dentro ainda da caixa. Ela também tem um cheiro gostoso. Estou feliz demais com minha boneca nova. Amanhã vou brincar com ela. Sinto um aconchego dentro de mim, uma coisa gostosa me oprimindo o peito. Quase dói. Acho que é felicidade.

Meu pai saiu agora do banho. Ele entra no quarto com uma nuvem de aromas úmidos. O vapor da água quente chega a mim quase como um carinho, quase como um ser vivo e percebo o cheiro da loção que ele passou no rosto. Rio de mansinho porque ele pensa que estou dormindo. Não estou! Estou aqui sentindo a presença dele, achando-o maravilhoso com os olhos fechados mas com a mente aberta e alerta.  Reconheço-o, vejo-o enrolado na toalha sem precisar abrir os olhos. Ele me parece tão forte, tão grande! Seus cabelos escuros e cheios estão ainda ensopados. Ele está cansado mas feliz, faminto e em paz. O mundo lá fora não existe e ele me ama. Não abro os olhos mas sei que ele é o homem mais bonito do mundo. Sua voz está dentro de mim.

Continuo assim, deitada e vendo tudo. Ouço ele abrir a gaveta. Cai um talher na cozinha. Maurício diz alguma coisa para a mamãe. Minha mente passeia pela casa.

Chegou uma visita para estragar tudo. É uma mulher. Sei que minha mãe vai me chamar para cumprimentá-la mas eu não quero. Quero ficar aqui, assim, sentindo minha casa, adivinhando onde está cada pessoa, o que estão fazendo, percebendo-as, amando-as, tendo medo e me preocupando com elas. Sei que meu irmãozinho está quase dormindo e que minha irmã brinca com as bonecas.

Daqui a pouco vão me chamar. Daqui a pouco terei de beijar a visita. Daqui a pouco iremos jantar. Ele penteou os cabelos e respingou aqui em mim. Água geladinha.  As pessoas estão rindo na sala.  Acho que eles estão falando nas crianças - falando em nós! Acho que somos muito importantes.

Vou contar: um... dois... três... quatro...


Cristina Faraon

17 de mar. de 2016

Lente de aumento *

Muitos de nós somos tolerantes com as formigas. Às vezes até com as moscas. De longe são tão rápidas e  pequeninas que parecem insignificantes.  E pra completar não costumamos perceber  um prejuízo imediato causado pela presença delas passando tão rapidamente pela nossa comida. Não há rastros observáveis, apenas rastros teóricos, coisa de cientista, de gente chata e detalhista. O "efeito mosca"  é coisa pra estudioso, está distante de nós - assim costumamos pensar.  Mas quando pegamos uma lente de aumento e olhamos a cara horrível de uma mosca, como ela é mesmo, a repulsa é muito grande.  Alguém pode argumentar "mas por que o nojo só agora, se você suportou isso a vida toda e vive comendo doce de padaria?" É que de perto é diferente. De perto choca.

Isso nós devemos realmente agradecer ao PT.  Taí seu legado. O brasileiro tolerou a corrupção por muito tempo porque não via nada demais naquelas formiguinhas passeando em cima do nosso pão de cada dia. A gente deixava pra lá porque não percebia ou não queria perceber os resultados. Pra quê se levantar da poltrona para afugentar moscas ou formigas se não vão me matar?   Isso sempre foi assim! Mas o PT conseguiu colocar tudo na lente de aumento e esfregar na nossa cara.  E  nós nos  assustamos.  Finalmente vimos o quanto tudo aquilo é feio, é nojento. Se desse para a gente vomitar o passado, vomitava, mas não dá.

O Lula é a cara da mosca na lente de aumento. Ele é também uma caricatura ´grotesca da sociedade brasileira, de nós mesmos. Isso dói e torna ainda mais difícil encara-lo. Seu cinismo grosseiro nos traz à memória o cinismo maroto com o qual todos nos deparamos no dia-a-dia sem dar muita bola. A gente estava acostumado, nem ligava mais. Mas aí ele aparece, faz, fala, xinga e esbraveja e no final das contas nós o reconhecemos em todas as moscas. A gente até queria "desver", mas não dá.

Daqui pra frente todas as vezes que presenciarmos "pequenas moscas" vamos nos lembrar daquela figura grotesca desafiando nossa consciência. Isso pode  nos salvar. Tomara que nos salve.

Finalmente estamos com nojo do que estávamos engolindo.

16 de mar. de 2016

Dois mundos



É mais ou menos como duas mulheres lindas em mesas opostas.

Sabem-se perfeitas mas nenhuma tem certeza de que seria a escolhida. Olham-se com curiosidade, comparam-se, invejam-se mas nunca se aproximam. Quase se amam mas se repelem.

Qual perfume ela usa? Ama? É feliz? Seria mais amada do que eu? Seu corpo é mais firme? Todas estas luzes, estes brilhos todos, são verdades que vem de dentro? Sorri deveras? Meu Deus, quanta delicadeza, quanta riqueza de detalhes, como é sedutora em suas múltiplas artes!

Quão mais atraentes me parecem essas luzes do que a naturalidade das minhas águas que jorram sem maquiagem, selvagemente! Minhas margens verdes e frias, meu barulho, meu cicio, o que seria mais desejável?

Eu represento a paz que todos procuram mas ela, a glamourosa, é a segurança, a vaidade que os homens inseguros tanto precisam ostentar. Todos a querem durante a semana. Todos lutam pelo seu brilho. Poderiam talvez matar por ela, por sua loirice refulgente mas minha paz é ardentemente desejada por noites e noites em sonhos confusos e inconfessáveis. Porque eu sou o que de mais primordial os homens precisam. Sou a mãe, a mulher nua que os quer sem terno e sem carro. Sou o desejo na terra, na água e no mato, sou tudo, o transe natural e sem insegurança; sou a completa aceitação, a plenitude. Sou tudo o que jamais deixariam de querer se não houvesse a civilização. Por isso voltam para mim como quem volta para si mesmo desesperadamente.

Mas a outra também olha do outro lado a mulher selvagem e, entre as suas jóias, pensa na exuberância daquela que precisa de tão pouco para ser amada. Daquela que com um simples canto os arranca de seus braços dourados com uma facilidade desconcertante. E eles vão hipnotizados, seguindo uma cantiga que ela mesma nem escuta. Aos finais de semana tudo o que eles querem é a paz, o sossego daqueles braços verdes. Impossível competir! Como ela é linda, meu Deus! Como é tão linda com tão pouco?  Mas terminado o final de semana, saciada, ela os devolve todos! Joga-os de volta para mim fazendo tão pouco caso... como se não me custasse tanto essas companhias.

Dois mundos... como duas mulheres em mesas opostas.

9 de mar. de 2016

Crimes pré-resolvidos no Brasil


Se um sujeito for assassinado:

Se era negro: foi crime de ódio racial com certeza.
Se era religioso praticante, de qualquer religião, foi perseguição religiosa sem dúvida.
Se era ateu com certeza foi algum crente xiita.
Se era bandido: foi execução, não importa onde estava nem o que estava fazendo.
Se era um político: foi a oposição.
Se era gordo foi crime de ódio contra os gordos.
Se era homossexual com certeza foi homofobia ainda que ninguém soubesse que o cara era gay. Mesmo que tenha sido um enfarto, ainda paira dúvida de assassinato.
Se era judeu com certeza foi algum alemão escondido por aqui.
Se era palestino com certeza absoluta foi algum judeu escondido por aqui.
Mas se foi uma mulher com certeza foi algum machista dos infernos que matou
Se a mulher assassinada era adúltera ainda assim não merecia morrer
Se o assassinado era adúltero, tinha mais é que morrer - caso o assassino tenha sido uma mulher.

Se era homem, branco, heterossexual e não era nem aleijado, então dane-se.

8 de mar. de 2016

Liberdade: dá pra se livrar? *

Já que hoje é Dia da Mulher vou atacar de Chiquinha Gonzaga, a mulher que ninguém segurava, que mandou tudo às favas porque gostava da noite, da vida artística, da música, da liberdade.  Deve ter sofrido, deve ter ficado mal falada... mas não conseguiu se limitar ao papel de mãe e esposa.

Já falei sobre isso mas vou falar de novo: a liberdade verdadeira, em estado bruto, é maior do que quem a porta. Ela engole tudo e não pode ser dosada. Se dosar, não é. É essa liberdade que mais me faz pensar.

Dizem que "liberdade a gente conquista" e que "fulano conquistou sua liberdade". Sim, liberdade física, política. O tipo de liberdade menos instigante e mais comum. Liberdade exterior. Tá, é relevante sim, mas não é dessa que estou falando. Estou falando da liberdade interior, essa que poucos conhecem; essa luz ofuscante que dita a vida de muito pouca gente.

Liberdade interior não é algo que alguém possua. Você possui liberdade de ir e vir, liberdade política etc. Você possui essas liberdades conquistáveis. Mas a forma mais autêntica de liberdade não pode ser possuída porque é ela que possui as pessoas. Ela domina. E domina de tal forma que o servo dessa liberdade sofre, muitas vezes atê vê o mundo desmoronar ao seu redor mas simplesmente não consegue se conter. Não consegue se limitar , planejar, encaixar, ser menos.

A liberdade que a gente dosa é a liberdade que a gente pensa que tem.

Chiquinha Gonzaga era assim. Não dava pra ser o que não era. Existem milhões de pessoas no mundo que vivem uma vida que não desejam, mas vivem. Porque acham que é o certo, o mais decente, o mais razoável. Mas a pessoa livre não pensa muito nisso, só pensa no que quer e no que gosta.

Não acho nada bonito abandonar marido e filhos pequenos simplesmente porque gosta de música, gosta da noite e o marido  não queria que ela se envolvesse com música popular e a galerinha dos palcos. Para mim, tanto quanto para muita gente, não parece razoável que a música seja mais importante que o lar, a família, o sentimento dos filhos, o marido, a respeitabilidade social, a segurança. Além do mais ela poderia tocar em casa, compor em casa, para a família, deleitar-se consigo mesma. Não, mas precisava ir além, sem freios, botar o pé no mundo, na noite, no carnaval, sem hora pra dormir, sem hora pra acordar, sem regras.  Certamente ela pagou caro mas quem é livre não faz conta de preço. Talvez ela até quisesse ser como as outras mulheres, que usam o que tem de liberdade para dosar a própria liberdade.  Mas quem segura o vento?

Muitos homens são assim. Querem sinceramente uma família, mulher e filhos. Querem sinceramente fazer a coisa certa, mas algo maior dentro deles não deixa que se limitem aos seus ideais. Há uma coisa mais forte que os chuta pra fora.  Um ímpeto de simplesmente fazer o que tem vontade. Depois sofrem e fazem sofrer e se arrependem sabendo que jamais mudarão.

Chiquinha Gonzaga era livre como a maioria dos homens o são. Sinceramente não sei se é bom ser possuída por esse tipo de liberdade impositiva. Não, não é bom nem é bonito. Assim é a "liberdade primal": uma força que impede a pessoa de ser detida por seja lá o que for. Uma impetuosidade que faz com que o sujeito enxergue a si mesmo como urgência das urgências e faça apenas o que quer fazer, ainda que isso lhe custe outras coisas que tanto ama. Ainda que ele jamais saiba com certeza se valeu a pena.

Esse é o tipo de liberdade que não se conquista; a pessoa nasce com ela - ou não. A grande conquista, nesse caso, é a "vítima" conseguir se livrar dela.

Você tem tempo?


Acabei de receber um texto muito bom em minha caixa de e-mail. Eu poderia postá-lo aqui mas por quê fazê-lo se você vai acabar recebendo também, mais cedo ou mais tarde? No entanto, meu precioso comentário não está ao alcance de qualquer mané.

Não adianta ter as bolsas mais caras, os carros mais impressionantes ou frequentar os lugares mais glamourosos. Nem adianta ser bonito, culto, bom de papo. Ter sucesso não rende taaaanta felicidade. Uma vida boa, realmente boa, indiscutivelmente boa é medida pelo seguinte: TER TEMPO.

Você tem tempo?

Tempo sim é qualidade de vida. Já ouvi falar de empresários que não conseguem parar pois todo passeio, festa, almoço e jantar são na verdade reuniões de negócios disfarçadas. Há pessoas que constroem casas mas não têm tempo de tirar uma soneca em sua varanda; vivem amarelando no escritório ou vagando exaustas pelos hotéis do mundo. Ora, pra quê eu quero dinheiro se não for pra usufruí-lo?

Bora ao cinema? Vamos reunir a turma para um bate papo? Vamos para a academia?  Vamos dar uma voltinha no shopping?  Vá lá em casa que eu quero que você prove minha nova receita.  Não?! Você não tem tempo? Então meu filho, não importa a marca do seu carro ou da sua roupa: você é um pobre coitado e a sua qualidade de vida pode ser classificada como "bosta".

Adianta ter carro e só usa-lo para trabalhar? Adianta ter um lindo quarto mas não poder de vez em quando permanecer na cama lendo uma revistinha? Adianta uma sala bonita se só passamos por ela de relance? Adianta uma linda mesa se não me reúno com os amigos para uma macarronada?

Melhor ter menos glórias e mais tempo. Tempo é vida.

Falam mal dos caboclos que vivem nas beiras dos rios e não procuram "melhorar de vida". Como assim?  Passar a vida correndo atrás do vento é mesmo uma vida melhor? Muito desses ribeirinhos tem tudo: comida todo dia, peixe, farinha, açaí, frutas, sexo, filhos, passeios, amigos com os quais podem conversar, rir, falar da vida (ha quanto tempo você não vê os seus amigos?), um barquinho (você tem um?)  e a imensidão dos rios e das florestas. E ainda fazem o próprio horário de trabalho. 

Você tem certeza de que a nossa  maneira de viver é uma opção melhor? 
São mesmo eles os burros? 
Ou os burros (de carga) somos nós?

4 de mar. de 2016

Cavalo xucro


Reli alguns textos meus. Já notou que de vez em quando faço isso? Talvez eu seja a minha maior fã. É isso que chamo de saúde emocional!

Pois bem: gosto da série Recordações. É bom poder novamente e novamente e novamente escorregar para o passado e andar por aquelas velhas ruas. O bom dos textos de recordação é que eles direcionam a nossa emoção na carona da lembrança. Não é só lembrar, é sentir de novo! A emoção vai junto.

Mas relembrar traz um certo perigo, que é deixar a mente divagar, andar por onde quer. Qual o problema? É que daqui para acolá ela pode cair num buraco de más lembranças. Deus nos livre! Dói demais.

Todos temos cenas tristes no passado. Há coisas que adoraríamos que o mundo esquecesse. Desapontamentos, erros, maldades, arrependimentos, mancadas inconfessáveis, diarréia no momento errado, dívidas não saldadas, injustiças gerais. Sim, o terreno das recordações é bem perigoso, de forma que o prazer de recordar pode rapidamente azedar se formos acometidos pela recordação errada. Taí a grande utilidade de escrever. Escrever recordações é pôr rédeas no cérebro: ele só vai para onde a gente manda. 

Claro que é necessário! Não é tão fácil assim mandar na própria cabeça. Ela quer ter vida própria, pensa que se garante sozinha. A cabeça da gente é como um cavalo xucro. Ou será que você nunca foi obrigado a ouvir a mesma música por cinco dias seguidos só porque seu cérebro resolveu empacar? Pois é, a mente teima em nos massacrar com aquela musiquinha idiota por dias e dias seguidos sem pedir nossa concordância e a gente não consegue encontrar o botão "stop". Da mesma forma também não é fácil tirar da tela aquela cena da calça rasgada, ou da tosse encatarrada no meio da cerimônia. Pois deixo aqui meu melhor conselho: escreva.

Escreva textos contendo seus melhores momentos. Encha cadernos e mais cadernos. Você se sentirá um sucesso! Tente ser fiel aos fatos e não aumentar demais a glória do momento. Se não perde a graça, porque a graça é ser fiel. Quanto mais verdadeiro, mais clara e colorida será a cena projetada. Uma vez feito isso, você terá posto rédeas definitivas em sua mente e mostrado a ela quem é que manda no pedaço.

Em seu seu caderno - ou blog - estará registrado o filé da sua existência. Pra você e para a posteridade, o que é mais interessante! E através da leitura e releitura você poderá ser gentilmente conduzido às cenas que realmente interessam; à área VIP do seu passado!

Vá por mim: escreva. É a única rédea que seu cavalo xucro ainda aceita.

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