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30 de jun. de 2008

E nem era da minha conta...



Não era uma visão incomum. O Homem Solitário pode ser encontrado com certa facilidade nos bares de qualquer cidade, mas vê-lo assim de perto, exercendo a sua insignificância ao vivo e a cores é meio que... sei lá, entende?

Hoje a noite vi um desses espécimes masculinos. Em torno de 50 anos, descasadoe bebendo sozinho. Nada de mais! Qualquer um pode sair, sentar sozinho no bar e beber sem neura e sem rótulo de carente. Mas esse cara eu resolvi rotular por falta de coisa melhor para fazer - o que talvez aponte para o fato de que eu não esteja muito melhor do que ele... Ah, deixa pra lá. O importante é que eu montei o dossiê completo.

Quando chegamos ele já estava lá, bebendo. Bebendo não: enrolando uma cerveja velha há vários dez minutos. Estava ao telefone. Demorou-se ao telefone. Pensei: deve ser requisitado, ter muitos amigos, pois não o deixam ficar sozinho em paz!

Nada disso. Não demorou muito para que eu mudasse de impressão radicalmente.

Fisicamente eu o achei inexpressivo. Ninguém precisa ser Paulo Zulu pra ter valor nessa vida, claro, mas... A verdade é que tive a impressão de que como pessoa ele era inexpressivo também. É, achei, achei por achar. Meu "achismo" estava a todo vapor e eu não quis contrariá-lo.

O coroa olhava insistentemente para as garotas da mesa ao lado com um jeito pedinte, quase ansioso. E nada de ser correspondido. Sem querer ser malvada, eu não via a menor chance daquelas garotas darem bola para ele.

Registre-se a seu favor o otimismo.

É... ele tinha toda a pinta de descasado, desses que querem recuperar o tempo perdido. Ele deve ter passado anos ao lado da "patroa" imaginando o quanto deveria ser fácil e agradável pegar mulher na rua mas ele ali, impossibilitado. No primeiro dia sem aliança pensou: "Ah, agora pode! Agora pode!"

Um monte de novinhas nas mesas próximas mas ninguém dava a mínima pra ele. O tempo passava e eu me incomodava. Por quê? Não era da minha conta! Sim, mas ele estava ali na minha frente, doido para fazer a noite valer a pena e nada acontecia. Evitei olhar mas era como ver um copo na beirinha da mesa e não poder ajeitar.

Saquei que o cara estava angustiado quando o vi telefonando pela quinta vez. O celular não tocava nem por decreto mas ele ligava para um, para outro, só para poder conversar. Pelos gestos, pela expressão toda de seu corpo adivinhei que ele só falava banalidades: "e aí, cara! Tudo bom! Está por onde?... É... fez um dia bonito... Não, to sozinho! E você?..." Não ouvi nada disso mas algo me dizia que as conversas eram tolas, gratuitas e difíceis de levar adiante.

Nada daquilo me dizia respeito mas a solidão daquele elemento já estava me incomodando. Torci para que ele fosse logo embora ou que uma daquelas meninas pelo menos sorrisse para o Tio Sukita. O cara queria conversar! Alguém tinha que fazer alguma coisa, meu Deus!

Ele ainda fez uma horinha, tomou outras cervejas, investiu olhares órfãos em todas as direções, telefonou para outras pessoas, tentou esticar papo... e foi embora graças a Deus. Icógnito, como quando chegou.

O vazio era dele, mas me atingiu. O vazio era dele mas não cabia em uma mesa só e buscou amparo na minha.

Para onde foi depois que pagou a conta? Foi dormir zonzo e agora tem sonhos confusos? Vê coxas brancas, cervejas quentes, amigos mortos...? Ou meteu-se em algum lugar menos glamouroso com mulheres menos indiferentes... e terminou a noite mansamente acalentado por uma fada rota?

Só eu o enxergava naquele bar. Pensando bem, será que ele existia mesmo?

Cristina Faraon

29 de jun. de 2008

A mardita


É assim que alguns denominam a bebida, a cachaça: "a mardita". Acho que agora "a mardita" passou a ser a denominação da Lei 11.705, com a qual o governo resolveu encher mais um pouco o nosso saco.

" A nova Lei nº 11.705, que alterou o Código de Trânsito Brasileiro, está provocando polêmica entre advogados e médicos. Ela é considerada rígida, coercitiva e até mesmo inconstitucional, pois transforma o ato de dirigir embriagado em crime..."

Li isso hoje. Não é novidade para ninguém. Na verdade o governo está praticamente proibindo o happy hour - e isso não está certo! Você acha que um grupo de colegas, no final do expediente, vai sentar em um bar para tomar suco de abacaxi enquanto afrouxa a gravata? Fala sério!

Você acha que essa mesma galera vai contratar um motorista só para esses momentos? Como se esses eventos pudessem ser sempre programados! Sabe como é, de repente bate aquele desejo meigo de ir para o bar para falar mal do chefe e rir de suas manias. E aí? Não pode mais?

Você acha que alguem desse grupo de amigos vai topar ir com os colegas pra ficar horas sentado bebendo só água para depois ter a indizível alegria de deixar os colegas em casa, um por um, e assim não infringir a lei? Isso existe? Em qual planeta?

De agora em diante só pode beber quem puder pagar taxi, motorista ou andar de bicicleta? O Lula tá doido?

Abaixo a selva no trânsito! Abaixo também a selva das leis! Motosserra nas duas.

"Oh sábia Cristina, então qual seria sua sugestão para esse assunto tão espinhoso?"

Eu preferia ficar calada mas já que você me perguntou, lá vai:

Acho que a pessoa deveria ser severamente punida se causasse danos à integridade física, à vida ou ao patrimônio de alguém. E só.

Trocando em miúdos: A pessoa deveria ser IMPEDIDA de dirigir alcoolizada, não teoricamente proibida. Repito: IMPEDIDA de fato, não proibida . São coisas diferentes.

Como assim?

A polícia deveria não só continuar, mas intensificar as blitz. Uma vez que o motorista tenha sido flagrado dirigindo sob efeito de álcool, ele deveria APENAS ser proibido de continuar dirigindo pelas próximas doze horas. Seu carro ficaria apreendido por doze horas e depois devolvido. Simples.

Poderiam também criar o DISK-DEDO DURO. Imagine alguém do próprio barzinho que ligasse para a polícia dizendo: "Alô autoridade! Tem uma cara que acabou de sair aqui do bar ... Ele está chumbado e deveria ser impedido de continuar dirigindo! Já está chamando Jesus de Genésio e até cantou a minha garota! Anotaí a placa do carro dele..."

Pronto! Uma vez anotada a entregação, o elemento seria abordado e teria seu "poder atropelandi" neutralizado por doze horas. Não basta? Pra que complicar?

Quanto ao motorista, suas opções seriam:

1- Ligar para alguém e pedir humildemente que viessem lhe buscar;
2- Chamar um taxi.
3- Ficar dormindo dentro de seu próprio veículo, esperando o tempo passar;
4- Ir para um hotel ou motel - sei lá, o freguês é quem escolhe. O importante é não permitir que ele dirija alcoolizado.

Em qualquer dos casos o tal motorista poderia reaver seu veículo horas depois.

Detalhe importante: nada de multas! A previsão desse tipo de multa não evita acidentes, só evita a multa em si.

$abe como é
O poder do "capilé"

É isso. Por favor, alguém encaminhe essa postagem ao Governo sob forma de "Sugestão de Proposta de Projeto de Reforma de Lei".

Assino embaixo.

Cristina Faraon

28 de jun. de 2008

Considerações de uma mente desocupada

(...ou "Quatorze passos para o nada")

1- Por que não levanto e vou dar uma corridinha?

2- Por que eu deveria dar uma corridinha?

3- Porque fazer nada é bom mas incomoda e trabalhar é chato mas faz bem à consciência? Não dava pra ser o contrário?

4- A corridinha vai melhorar minha vida em quê?

5- Quem não dá corridinha é menos feliz do que eu?

6- Continuar aqui deitada vai me fazer algum mal?

7- Se eu nunca mais me exercitar, qual maldição terrível se abaterá sobre mim?

8- Eu ficaria muito deprimida se descobrisse que a minha versão sem-ginástica e sem-adoçante não seria ao final das contas nem um pouco melhor do que o que sou hoje? (Essa foi profunda...)

9- Ficar deitada pensando abobrinha e depois sentada escrevendo abobrinha diminui minha imagem perante meus semelhantes?

10 - Eu sou muito semelhante aos meus semelhantes?

11- Ficar deitada morgando é "curtir as férias"? Ou tô perdendo tempo?

12- Já fiz a minha boa ação do dia?

13 - Que raio! Escapei da corridinha e agora vem a cobrança da boa ação do dia? Só posso estar doente. Por que eu deveria fazer uma boa ação hoje? Vou confeccionar uma camiseta: "Aceito de bom grado as SUAS boas ações."

14 - Férias só do trabalho? Então não adianta... Bom mesmo é se disfarçar de outra pessoa e tirar férias de mim mesma.

Taí: finalmente uma boa idéia. Tá vendo o que é ócio criativo?

Cristina Faraon

27 de jun. de 2008

Santo Sepulcro


Esses dias eu estava procurando uma foto da tal Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém. É o lugar onde, mais provavelmente, Jesus foi sepultado. Felizemte ele foi inquilino do tal imóvel por muito pouco tempo, mas mesmo assim o local ficou famoso. Tão famoso que resolveram estragar tudo.

Pois é, procurando no Google deparei-me com essa foto deprimente.

Caramba, ressurreição na minha mente remete a alegria, vitória, fé, otimismo, o bem vencendo o mal, luz, anjos, eu no Céu de vestido branco e os cabelos para sempre sob controle, claridade, alegria enfim. E olhe só! Olhe para essa cena modorrenta. Cheira a mofo, cheira a vela e a pano velho.

Pra piorar olhem o jeito desse homem. Olhem a alegria, a animação desse infeliz. Parece que todas as contas dele vencem hoje. Ou que ele está com uma crise de gota. E sofre de azia. E a mulher dele dorme de jeans.

Que desânimo, que desalento, que vontade de morrer! Quando sair daí ele vai ser jogar debaixo do trem. Ou debaixo do camelo, já que estamos no Oriente. É um suicida em potencial.

Dá vontade de dizer pro cara: "Meu amigo, vá para casa. Vá, vá! Jesus não vai se chatear não, fique frio. aliás faz tempo que Ele não vem aqui porque esse ambiente é muito deprê. E pára de olhar essas velas, que saco! Vela não responde prece, rapaz. Vá embora que esse ambiente está te deixando pra baixo, tá te broxando. É mais fácil você dar de cara com o Nosso Senhor durante um passeio no parque do que aqui. Vá pro bar com os amigos. Vá pra casa, Padilha!"

Que fotinho filha da mãe.

Afinal de contas pra quê construir uma igreja-tumba e estragar todo o cenário original? Que mania mais chata essa de construir um monstrengo encima de cada ponto hitórico!

Acho que os americanos deveriam tomar providências urgentes (calma!) no sentido de fazer um parque "Jerusalaico" (em Orlando) onde todos os ambientes originais sagrados do cristianismo fossem reconstituídos da forma mais fiel possível ao original. Como? Sei lá, não interessa. O importante é livrar os fiéis de sucumbir ao desânimo na tumba de Cristo. E os computadores estão aí para isso mesmo: cruzar dados históricos com geográficos, somar , dividir, multiplicar por milênios, subtrair erosão, cruzadas, império romano, turismo ao quadrado, igrejas... e chegar finalmente à "verdade" dos "fatos". Sim, uma parque tipo a Nova Jerusalém em Pernambuco, só que mais completa e com o padrão americano de produçao de sonhos.

A religião pode não ganhar nada e os investidores podem ficar ricos. O que importa? Fundamental é afugentar o sorumbático e livrar os cristãos de verem, diante de suas caras, a devoção virar "devo-cão."

Cristina Faraon

18 de jun. de 2008

Passô...


Acho que estou curada da "maldição da sexta feira".

Esses dias, quando dei por mim, notei que aquela nuvem preta que pairava sobre a minha cabeça todos os finais de tarde de sexta feira se foi. Parece que para sempre. Era tipo um encosto. Eu hein!

A última novidade agora saõ as nuvenzinhas cinzas. Foi- se a mãe (nuvem preta) mas ficaram os filhotinhos (nuvenzinhas cinzas de final de tarde).

Todos os finais de tarde minha aura vai amarelando, amarelando... Happy hour? Só se for na rede.

Sabe aqueeeeeele sono? Aquele sono consistente, gordo-arredondado, com massa, pesado e fofo?

Final de tarde me cai na cabeça um sono assim... como uma grande trouxa! Essa é a melhor definição. Pois é, ele cai e quase me achata. Aí meus movimentos vão ficando em câmera lenta.

Levantar? Andar até o carro? Achar as chaves na bolsa enorme? Ai como dá trabalho! E o trânsito? "Engarrafalento", flanelinhas, zilhões de semáforos que avermelhando mal eu me aproximo deles... Gente, nessa cidade tem mais semáforo do que carro. Mais do que buraco! E olha que isso aqui está mais para solo lunar!

Huaaaaa... Quero um motorista. Alto e forte. Brincadeira; pode ser baixo e fraco, desde que me leve para casa e me poupe de dirigir.

Estou com as pálpebras a meio-mastro... Prefiro pensar que seja verme. Velhice é sacanagem!

Fui.

Cristina Faraon

15 de jun. de 2008

The Day After

Datas especiais...

Claro, foram criadas por nós mesmos. Finalidade? Sair da rotina.
Acho um negócio bem bolado essa inveção. Dizer, sem mais nem menos, que tal dia é diferente dos outros. Ou que tal dia se repete todo ano. Claro que é mentira! Nada se repete! Se fosse possível repetir, juro que eu consertaria um monte de coisas.

15 de junho de 2008 só acontece hoje mesmo. Mas posso fazer de conta que nos anos seguintes acontece tudo de novo ... e brincar disso! Por que não?

Essa pode ser uma linda ilusão inofensiva e eu não tenho nada contras certas ilusões inofensivas. A vida é assim, "o nosso amor a gente inventa pra se distrair" - como já dizia o Cazuza. As nossas datas a gente também inventa pra se distrair. O problema é quando essa distraçãozinha, esse bichinho de estimação criado em laboratório, se volta contra nós. Ingrato!

Tenho uma proposta: jubjugá-lo.

Se esse bichinho se voltar contra nós, podemos nos insurgir contra ele com toda a força da nossa liberdade.

Datas adoram ser lembradas. Datas adoram ser obedecidas. Datas adoram dizer como as coisas tem que ser e como elas querem ser comemoradas. Querem homenagens, incenso. Tudo bem enquanto isso for divertido - mas SÓ enquanto for divertido.

E quando a gente tem que sair do trabalho, pegar um trânsito miserável, tomar um banho as pressas sem a liturgia que o momento merece... E temos que escolher uma roupa correndo e um lado do sapato fugiu de casa? E que tal retornar resignada ao volante novamente suada, morta de cansada e doida para a noite terminar mesmo sabendo que ela ainda nem começou?

E quando só aí lembramos que ainda não compramos o presente? Hein? Que tal esse pesadelo? Sabe o que é isso, amigo? É aquele bichinho de estimação chamado Data Especial rosnando contra você - contra nós, que só queríamos nos divertir com ele!

E quando tudo o que queríamos na vida era uma sopa quente e lençóis macios? E quando a maior festa do mundo está dentro de casa e a melhor cerveja reside na nossa própria geladeira? E quando o silêncio é a mais desejada de todas as companhias? O que fazer?

Desobedeça. Isso mesmo. A Data Especial foi criada para te divertir e não o contrário: você não foi criado para servi-la. Revoltemo-nos! Boicotemo-la! Ignoremo-la!

Implicações: quais as implicações desse boicote? Alguma maldição nos espera? Fique tranquilo. O pior que pode acontecer é você ser considerado esquisito, anti-social, excêntrico ou miserável. Cabe a você decidir se vale a pena. Eu estou achando que vale. Sério, cansei!

Em caso de froxura, tenho uma outra sugestão: ao invés de ignorarmos os miados da Data Especial e matá-la de fome, que tal darmos sua ração só no dia seguinte?

Não entendeu? Estou propondo o início do Movimento do Dia Seguinte. É uma medida menos drástica, portanto, mais suave. Eu explico:

Diga para o seu namorado que não suporta mais as filas em restaurante no dia 12 de junho nem o desespero nas lojas. Afirme que isso tira toda a sua tesão. Combine com ele fazer TUDO no dia seguinte, só que na, com capricho sem stress. Será que ele vai se revoltar? Duvido. E você se livra do salão lotado e poderá fazer sua chapinha feliz da vida no dia seguinte, juntamente com as unhas e a depilação.

Dia das mães é a mesma coisa, bem como Natal e tudo o mais. Acho que até descontos especiais poderemos conseguir nas lojas, nos restaurantes, nos hotéis se tão simplesmente empurrarmos com a barriga a tal Data Especial para o dia seguinte. Xô!

Cadê o espirito rebelde da sua adolescência? Pois é, acione-o!

Eu estou decidida a dar início a esse movimento. Chega de cabrestos! Acho que isso só não vale para enterros porque aí ia ser complicado. Convencer o moribundo a morrer só no dia seguinte... E adiar o enterro para ter mais calma para os preparativos seria complicado...

É, não daria certo em caso de óbito mas em tudo o mais esse movimento pode ser aplicado ou adaptado. Ou ampliado!

Eu mesma estou adiando essa postagem há dias. Só hoje resolvi que quero publicar. E daí? Vai me processar? E Papai Noel que se cuide. Ele vai ser a próxima vítima.

The Day After - nada mais libertador. Tô dentro.

Cristina Faraon

7 de jun. de 2008

Nada


Ele está na cozinha. Eu estou aqui.
Estamos calados. Não falta assunto - sobra.
E tanto sobra que aflige
E tanto aflige que cala. e Tanto cala que pesa.

Não voaram pratos nem sapatos
Nem pássaros ou corações transpassados
Tudo está inerte e em seu lugar
E tudo espera. Tudo.

Menos o tempo.

Cristina Faraon

Bulmerangue

Bulmerangue não é aquele treco que você joga mas ele volta, teimosamente, e ainda acerta a sua testa?

Você já viu um bulmerangue ao vivo e a cores? Sabe o tamanho que tem, o peso... E sabe se é verdade que ele volta sozinho pra casa?

Sempre quis ver um coiso desses mas não encontro vendendo em nenhum lugar. Ainda existe ou foi extinto?

Acho que bulmerangue é como enterro de anão: a gente sabe que existe mas nunca viu.


Mas por que estou dizendo isso? Bebi demais? Não, nem de menos. Estou com a garganta e a alma secas. Estou triste porque existem relacionamentos parecidos como bulmerangue. Não no sentido de a pessoa nunca ir embora de vez, mas no sentido de todo o "não" que a gente diz acaba voltando e acertando na nossa testa.

Há relacionamentos não rigorosamente a dois. E o "não" é considerado uma terceira pessoa.

A descoberta da escada - uma nova paixão


Bem que eu desconfiava mas ontem tive certeza: alguma mudança se não assustadora, certamente curiosa esteve operando em mim, na surdina. A que se deu? Sei lá. A última hipótese é velhice.

Ontem abri meu armário e tirei uma embolorada fantasia de "Mulher Animada". Plano: assistir o show do Roupa Nova. Sono, preguiça, vontade de não ver a cara de ninguém mas fui forte! Sou forte! Sou uma mulher ou um rato?
Não vou resumir minha vida a ganhar o pau - digo, o pão de cada dia. Nada disso. Diversão é preciso e se eu estava desanimada, lá eu seria energisada com certeza. Muita fé nessa hora
Fui. Na pista. Uma hora e meia em pé antes de qualquer acorde ser tocado. UMA HORA E MEIA DE PÉ!
Os caras de preto tiveram o dia inteiro para arrumar o palco mas resolveram faze-lo quando o público começou a chegar. Sei lá, devo andar desatualizada. Vai ver que faz parte do show, pra criar clima, expectativa. É, devia ser isso.

Hordas de gente feia (desculpaê!) entrando resoluta no salão, tomando cada recanto, cada palmo de chão e se apossando de cada pedacinho de ar, respirando-o gulosamente e devolvendo tudo já fungado para a atmosfera. Credo!
Ninguém os detinha. Todos sorriam mas dava medo assim mesmo. Uma minoria tinha mais de um metro e sessenta. Melhor pra mim.

E a hora passando. E o calor aumentando. E a banda que eu pensava que iria anteceder o Roupa Nova que não aparecia? Cadê a banda "pré-show?" perguntei inocentemente. A "banda" era a música eletrônica que já estava "tuntunzando". Ah tá.

"Tudo bem, estou animada, estou animada, estou animada, não estou com sede, não estou com sede, não vou fazer xixi, não quero ir ao banheiro, não quero, não quero, meus pés não vão doer, meus pés não vão doer..." Aproveitei o tempo vago e o espaço exíguo para repetir essa reza desesperada.

TUM-TUM-TUM!... Ah que legal. Maior clima... Não parava de entrar gente. Foi ficando abafado. Depois de alguns minutos já podíamos cheirar o suor dos nossos companheiros e sentir seu hálito quando falavam, tal era a proximidade entre nós. Calor humano e calor desumado se misturavam. E eu pagando por isso.

Enfim, depois de muita espera eles chegaram. Aplausos! Gritos! Pulos! Mas minha bateria já estava pela metade. Achei mais sábio ficar quietinha mesmo.
De onde vinha aquela alegria insana? Será que aquele povo estava animado mesmo ou era só onda? Se estavam, a esquisita era eu, certamente. Mas eu não quero ser esquisita!
A multidão entrou em extase quando surgiram os artistas: uns simpáticos senhores com pouco cabelo. Uns amores! Cantavam, tocavam, dançavam, davam palavras de ordem... Só faltou fritarem tapiocas do palco e tirarem a roupa.

Meu Deus, que baruho infernal! O som estava regulado na letra D de Desumano e ninguém achava estranho. A vida é assim?
E eles mandavam para o público gritar, pular, levantar as mãos... Por que? Que estranho ritual era aquele? Nao tava bom a gente apenas pagar e ouvir? Ainda tinha que participar naquele contexto apocaliptico?

Limitei-me a sorrir e a balançar um pouco meu corpo exausto para nao parecer uma estátua, mas em dado momento me perguntei: o que está acontecendo comigo? Não consigo encontrar o motivo para aquela animação. O que é que eu to fazendo aqui?!

O grau de exigência do povo paraense é absurdamente baixo. O ambiente estava tão lotado que era mais fácil você morrer de sede do que atravessar o salão para comprar uma bebida. Além disso só de pensar que em quinze minutos eu teria que lutar com a multidão para ir ao banheiro, passava a sede e a... parava com suas exigências.

Horas de pé, um calor insuportável, o volume insano do som, pessoas me apertando, esbarrando, roçando, abanando o cabelo na minha cara... É a isso que chamam "ir para a night" ? Isso que é curtir muuuuito o fim de semana?
Sou de Marte.

Eu olhava as pessoas, via os sorrisos e pensava: tá todo mundo fingindo, só pode ser! Claro, pagaram o ingresso e não querem ficar com cara de enterro para serem chamados de chatos pelos amigos. Não é possível que não sestejam sentindo o suor escorrer até o umbigo, as costas doerem, o esfrega-esfrega.

Velhice? Mas haviam velhinhas lá que me pareciam animadas. Mais estranho ainda.

Sei lá, acho que durante alguma noite de lua cheia e janela aberta um ser peludo e dentuço chupou minha alma - e não foi o Nelson. A especialidade dele é outra.

Eu queria tanto me divertir! Mas me senti um peixe fora dágua. Não digo isso me referindo as pessoas mas ao desconforto.

A melhor parte do espetáculo foi quando saí do salão e sentei na escada, do lado de fora. Que maravilha, que anatômica! Nunca pensei que uma escada pudesse ser tão confortãvel. Estou até pensando em espalhar escadas pela minha casa: na sala, no quarto, no banheiro, no escritório... Para dormir, descansar, estudar, fazer refeições... tudo na escada. Transar na escada! REceber amigos na escada! Ler na escada! Meditar na escada!
E que tal lançar um sapato cujo salto seja em formato de escada? Conforto absoluto, sucesso total!

Vou patentear a idéia. Picadilly que se cuide!

Cristina Faraon

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