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31 de ago. de 2013

Ana Clara *

E hoje me vi, depois de semanas, com a Ana Clara. Ana Clara no colo, na água, na praia morna, debaixo da luz. Muita luz.

E hoje me vi com aquele nó na garganta porque ela quis sentar em meu colo e porque os cabelos da Ana Clara tem um cheiro, assim, impossível de descrever. Irreproduzível. Talvez azul. Os cabelos dela fizeram aliança com o vento e às vezes leva a nossa alma pra longe. Num instante vi minha vida como quem voa e olha pra baixo. E como quem anda e olha pra trás. E como quem, na floresta, divisa uma casinha com luz ao longe e não sabe se fica alegre ou fica com medo.

Fico triste e fico alegre pelo que perdi e pelo que tenho. O coração sobre e desce, fica instável como qualquer coisa que o vento sacuda. Como qualquer coisa frágil e deslumbrada, nervosa e indecisa, que não sabe mais o que faz de si mesma nem como aquietar o coração.

A pele dela é macia. Macia e morena e ela ri pra mim. Gosta de brincar na areia: faz um bolo, enfeita com gravetos e canta "parabéns pra você". E rebola enquanto canta - você precisa ver! Mas ela não sabe nada, nadinha -  mas é como se soubesse de tudo. É a fragilidade e a força, é pedra e bruma.

Só depois de um tempo é que vou pensar no passado e no futuro. Tudo porque o cheiro da Ana Clara me faz isso, me traz coisas.  Fico pequena e confusa e viro uma tela em branco onde começa a projeção de várias histórias, vários filmes, várias vidas.

Que longo caminho o meu!  Minhas vidas e personagens me caem no colo, tudo de uma vez. Preciso apreciá-los todos antes que se esvaiam.

Que longo caminho o meu!   Não sei se andamos cada um em sua própria estrada ou se a estrada é uma só para todos nós. Só sei que nos perdemos e nunca mais nos achamos e tudo muda e não sabemos mais quem somos. Penso nas pessoas que me deixaram pela estrada, nas solidões, na minha mãe que me teve na barriga, no colo, nos braços e nas tantas vezes que me beijou. Talvez se eu pensar bem, se pensar com força, concentrada mesmo... talvez consiga trazer de volta o cheiro do seu hálito quando sua boca chegava perto do meu nariz. Eu ouvia seu coração. Penso e penso e penso... que alguém, algum dia, também já cheirou meus cabelos e beijou meu rosto e marcou minha alma e fechou os olhos e se encheu de ternura. E penso que tudo acabou, meus pais morreram e não há possibilidade alguma de eu inspirar isso em mais ninguém.

Penso e penso ... que as melhores coisas da vida não se anunciam nem se despedem e só nos resta catar os restos, os rastros e guardar  os pequenos cacos em caixinhas.

Não sei mais separar felicidade e saudade daquela emoção simples da beleza . Essas coisas sempre me chegam misturadas, de forma que eu sofro e suspiro de amor e me sinto tão feliz ao mesmo tempo em que uma dor lá no fundo atravessa meu coração.

É confuso pegar a Ana Clara no colo e perceber a alminha dela. É como uma música linda, mas muito fina e afiada, me atravessando. Dói um pouco.

... e o vento bate e seus cachinhos fazem cócegas em meu rosto. Silêncio.

Do que vale a vida sem as aflições da felicidade extrema e sem o sofrimento das lembranças que são o nosso próprio fundamento? Não sei mais nada. Meu mundo é indefinível. Mas ainda existe a pele lisa da Ana Clara, o  seu peso gentil,  o sonzinho dos seus pés na lajota, a risada que te joga flores na cara. Ainda há cabelos harmonizados com o vento; cabelos que me contam histórias sentidas.

25 de ago. de 2013

Eles ou eu?



A gente vê tanta miséria que acaba cansando de pensar nela. Ou se acostuma a pensar que é um fato da vida e ponto final. O detalhe é que ao vivo é diferente.

Na televisão toda verdade fica com cara de filme. O mundo da fantasia entorpece a gente.  Para defender a saúde mental temos um dispositivo interno que arquiva as informações horrorosas na mesma prateleira dos filmes. Acho que funciona. Mas tudo cai por terra quando damos de encontro com a realidade.

Hoje a noite vi uma cena comum. Para mim, que vivo em uma bolha-classe-média não é comum. É uma coisa do outro mundo - mesmo!  Quando fui pegar meu carro para voltar para casa vi umas pessoas no meio de um monte de lixo catando algo para comer. Eles reviravam o lixo como se fossem cães! Uma coisa degradante. Me senti desconcertada com aquilo porque elas não tinham pêlos nem garras nem patas. Eram iguais a mim! Tudo fedia. Como não tinham nojo?

Quanto tempo levamos para perder o nojo das coisas? 

Na televisão não choca mas ao vivo e à cores é um soco no estômago. Dói o coração, alma e consciência.  

Como será que aquelas pessoas se sentem? Ou será que não se sentem?  Só sei que elas não perderam tempo me olhando. Eu estava pertinho mas minha presença era insignificante. Não chamei a mínima atenção. Não despertei o menor interesse. Para eles o lixo tinha mais a oferecer do que eu. Havia mais esperança no lixo do que na minha pessoa. 

Deve haver alguma coisa de muito errado comigo para um montão de lixo  parecer mais promissor do que eu.

E o que estou fazendo aqui? Escrever pode ajuda-los? Claro que não.

Seres humanos como eu, catando lixo como cães... E o que fiz por eles? Resposta: não fiz nada. Na verdade temi que me assaltassem ou agredissem. Sabe-se lá o que passa na cabeça daquelas pessoas estranhas!

Tendo em vista tudo o que foi dito, quem se desumanizou dentro desse contexto: eles ou eu?

21 de ago. de 2013

Complicou

A gente muda. Sempre achei que isso acontecesse quando fossemos carregados pela maré incontestável da verdade. Mas não é bem assim que acontece.

Tenho uma certa melancolia quanto a isso. Antes eu pensava que mudávamos porque a vida ia simplificando, simplificando, a gente passava a sacar as coisas... então a névoa sumia. Tudo ia se descortinando - pensava eu. Mas não são os fatos que nos transformam: somos vencidos pela falta deles. Quando a gente descobre que nada descobriu, mudamos.

Durante a caminhada a coisa vai ficando tão intrincada, mas tão intrincada que somos forçados a abrir mão das nossas certezas. Mas isso muito a contra-gosto. Cada caminho que escolhemos jamais é reto, jamais nos deixa descansar. Pouco depois de uma escolha somos confrontados com outra e mais outra. Uma bifurcação nos leva a nova bifurcação que por sua vez se desdobra em várias outras.  O resultado é que vamos perdendo aos poucos aquela certeza inicial quanto às nossas opções. É fácil sabermos a melhor opção entre duas, mas não entre três mil.

Sei que estou sendo enigmática. Entenda como preferir.

Só sei de uma coisa: a vida não vem se explicar para nós em respeito aos nossos cabelos brancos. Um dia temos que admitir o quanto fomos simplórios no passado. Depois  da décima vez que adotamos um caminho seguro que depois se complica, mudamos. Amaciamos as certezas e somos forçados a admitir que talvez um caminho aparentemente suspeito pode até ser o acertado; e que o obvio às vezes é uma tremenda cilada. Começamos a achar que, quem sabe, as aparências enganem e que podemos ter sido muito tolos no passado. Talvez não sejamos tão sensatos, tão racionais. Talvez não tenhamos capacidade para guiar ninguém. Baixamos nossas bandeiras, amenizamos o grito de guerra, olhamos o antigo inimigo com outros olhos. Talvez a vida se transforme em um imenso e instigante "talvez"; um "talvez" que vale a pena, afinal de contas!

Tudo isso é só pra dizer que a gente muda, mas não porque quis. Muda porque a vida nos põe em xeque-mate. Por conseguinte jamais meus ouvidos estiveram tão atentos a todos os sons ao meu redor. E nunca estive tão sinceramente interessada no que VOCÊ pensa.

13 de ago. de 2013

O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas *



"Revi dias atrás, em Blu-ray, O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas (1985). Para a geração que tinha 20 e poucos anos na década de 80 (o meu caso), este filme foi um marco...(Leia o resto)" 

É um cult da década de 80 (1985) que jamais me esqueci. Sim, só agora, olhando na internet, é que descobri que se tornou cult.   Detalhe: com certeza a série Friends foi totalmente inspirada nele.

No início parece se desenhar como um daqueles filminhos românticos tipo "Seção da Tarde", para adolescentes. Mas não: é um filme sobre entrar na vida adulta, sobre nossos primeiros sofrimentos e decisões e sobre aquelas pessoas que passam pela nossa existência e deixam um rastro profundo e sagrado, marcam para sempre e jamais são esquecidas. Essas pessoas, mesmo sem querer, mudam nosso rumo para o futuro mas jamais farão parte dele.

Como eu disse, até a metade parece coisa de adolescente e é aí que a maioria dos adultos resolve desligar o DVD e partir para outra.  Do meio para o fim, entretanto, é que a gente vê os destinos de cada um desabrochando. Percebemos como a vida exige de nós uma resposta, exige que tomemos posição e que cresçamos. Há um momento em que fica impossível adiar ou fugir das mudanças. Isso é angustiante sim, mas a absorção desse fato é a essência do que chamamos de "maturidade".

Essa história nos fala dessa dor de nos despedirmos de um tipo de vida que não nos cabe mais,  mas queríamos tanto perpetuar! É quando descobrimos como é tolo acreditarmos em destinos traçados e casais perfeitos. NADA é obvio, por isso insistimos em viver: porque a vida é instigante. Não conseguimos enxergar nada de longe, não sabemos quem vai se dar bem nem quem vai se dar mal  ou quem é o amigo "safo"  que vai se dar bem ou o tolo,  que jogará tudo fora. Uma carinha bonita ou um pai rico não salvam ninguém, e o amor mais sólido e duradouro talvez não seja aquele que vai com a gente para a cama.

O mais tocante pra mim foram os momentos de descoberta de cada personagem. Por exemplo:

- O momento em que aquela linda médica, que se sentia tão adulta e invulnerável, se assusta consigo mesma ao descobrir que é apenas uma mulher e não está assim tão protegida contra as deliciosas tolices de um amor juvenil, irresponsável e arrebatador. E o momento em que aquele rapaz, apaixonado por ela, finalmente lhe dá um beijo, se liberta daquela febre e se percebe um homem livre, auto confiante e apto para encarar a vida.

- Quando a moça feia tem seu momento inesquecível com o amor da sua vida, o rapaz mais lindo e irresistível que conheceu. O que parecia ser impossível se tornou a cena mais terna do filme.  Vimos ali um amor autêntico e sincero, cheio de respeito, como ele jamais experimentara até então. Ambos cresceram. Ele, por conseguir enxergar a verdadeira beleza daquela mulher, por conseguir alcançar a consciência de que ela não poderia ser "mais uma" na sua vida, que existem coisas sagradas nessa vida. E ela, por entender que não precisava ter, daquele homem,  mais do que tinha e teve. E pôde então seguir em frente, adulta e em paz,  plena,  levando consigo uma relíquia e uma saudade. Nem tudo se realiza. Todos temos nossas dores eternas. Ser adulto é saber conviver com isso sem culpar a ninguém.


9 de ago. de 2013

Cansemos


Ou eu não entendi ou eles não entenderam.

Esses dias postaram essa imagem no Face. Achei triste de doer. O que vi foi um homem acachapado, exausto sob as exigências de um mundo que cismou com a excelência.

A excelência não é para todos. Quem se enquadra que usufrua e deixe os outros em paz em suas cabanas.  Pior do que perseguir o vento é impor essa desgraça aos outros, achar que todo mundo tem que deixar a vida de lado para conquistar um pódio. Isso é uma forma de loucura.

Se você não dá descanso a si mesmo, você não sabe o que é compaixão. Quem não tem pena nem de si mesmo, no fundo é uma pessoa dura e seca.

 Dei uma olhada nos comentários a essa imagem. O povo achou o máximo! "Isso mesmo!" "Cada vez melhores!" "Assim que tem que ser, nada de se conformar!"  "Vamos nos superar!"  Cada um bradava uma frase mais doentia do que o outro.

Acho que temos que rever esses conceitos; foi só isso que postei. Temos que repensar. Por que não posso me contentar com o que tenho? Por que tenho que estar sempre competindo? Por que não tenho permissão para me amar como estou, onde estou, no nível no qual me encontro e valorizar minhas conquistas? Por que tenho que ter ambições incríveis e manter os olhos arregalados o tempo todo? por que tenho que dormir e sonhar com estratégias, não com paraísos? Porque o pódio é o melhor lugar do mundo? O que há de errado em procurar, ao contrário, apenas um laguinho com peixes?

Não acredito que só exista um modelo de felicidade. Felicidade, se tem modelo, tem um guarda-roupas tão variado quantas são as pessoas do mundo. Mas, como disse Vinícius,

"eis que os arautos da descrença começam a encapuçar-se em negros mantos para cantar seus réquiens e os falsos profetas a ganhar rapidamente os logradouros para gritar suas mentiras..." 

É mentiroso qualquer argumento que queira justificar um modo pesado de vida. É falso o profeta que quer me impor um espírito competitivo que não me cabe. Deve ser rejeitado todo o modelo de existência que me roube o prazer da própria existência ou que me ensine a odiar as frutas frescas da simplicidade e amar  os sabores artificiais da "excelência de consumo".

Não sou um cavalo de corrida. "Seja sempre a versão olímpica de si mesmo" - que frase infeliz!

Cansar é um privilégio, um direito e uma bênção. Cansemo, pois, quando nos convier.

Nenhum protesto contra o sistema é mais eficaz do que simplesmente não ouvir os clamores do sistema. Sair dele até onde me interessar, até onde me convier. Boicotá-lo em minha vida é o golpe mortal, não as bravatas aprendidas por aí.

Não preciso ser a melhor. Nem quero. Eu só queria ser a melhor se a melhor eu fosse mas se a idéia é me transformar num burro de carga, não me interessa. Não preciso fazer miséria para conquistar meu amor próprio.  De quem são essas vozes querendo nos roubar a paz, o descanso, a auto-estima? No pódio ou fora dele eu sou um ser humano maravilhoso e pleno. Os aplausos não me completam. 

Para alguns, o único sentido da vida é chegar a algum topo. Mas para outros o sentido da vida é escapar dessa armadilha.

Se eu estudasse mais, muito mais, muito muito mais, eu poderia conquistar um lugar mais invejável na escala social. Só que decidi que não. Fiquei onde estou e estou feliz. Não interessa nada eu ser "a versão olímpica de mim mesma". E quem tem moral para dizer que minha felicidade não é válida?


5 de ago. de 2013

A maldade nossa de cada dia


Preciso dizer, em nossa defesa, que só capturamos as borboletas porque temos medo de que nunca mais voltem. Ficaríamos mal sem elas. Fazemos o mesmo com os pássaros, com os peixes, com as pessoas. Temos um motivo justo, não é maldade gratuita..

Prendemos pela companhia, pela beleza, porque não nos acostumamos a perder. Porque quando perdemos ficamos pequenininhos, sentimos frio, dá uma coisa ruim lá dentro do peito. Somos maus porque somos fracos, entende?  É quase  "somos maus porque somos bons".

O fato é que nossas maldades são amparadas por nossas... nossas quase virtudes - digamos assim .   Não é "maldade-maldade", é "maldade do bem".

No fundo somos bons.  Ignoramos as necessidades dos que amamos porque "amamos demais". Amamos tanto, mas tanto, que nos distraímos com esse amor exagerado e olhamos só para ele, não para o ser amado. Amamos o amor como ele deveria ser e amamos a pessoa como ela deveria ser. Ficamos furiosos quando elas não se comportam e fazem tudo diferente do ideal.  Um comportamento diferente gera uma dor  muito grande. O remédio para isso é continuar idealizando, forçar a barra e  não olhar demais para a pessoa,  se não estraga tudo.

Tanto as borboletas quanto as pessoas deveriam refletir um pouco mais sobre a nossa situação.  Amamos errado, mas amamos! Não é o que conta? Deveriam nos agradecer.

Toda essa ironia é para dizer que o amor é um sentimento perfeito mas em nós ele entorta um pouquinho. Em nós o amor pende pro lado de lá, fica meio esquisito - mas é amor.

O amor cai do Céu. É muito compreensível que, com o impacto com a nossa atmosfera, ele inflame, encolha e empene um pouco.  Nunca vi um asteróide redondo.

Amamos tanto as borboletas que, como era de se esperar, elas nos odeiam. Não é triste?  No final das contas acabamos sozinhos.

1 de ago. de 2013

As melhores invenções

Não espero que concordem comigo, mas quando falo em invenções utilíssimas volto meus olhos para a minha vidinha, minhas necessidadezinhas e preguicinhas. O que me vem à cabeça é:

1- Nada no mundo supera a invenção da ANESTESIA. Fico imaginando a desgraça que era viver sem conhecer anestesia, sofrer todas as dores do mundo e não conseguir escapar de nenhuma delas. Como se arrancava um dente, meu Deus? Como se dava ponto em um corte? Como se arrancava uma unha encravada? Só imaginar dá arrepios.

2- MÁQUINA DE LAVAR. Só quem já lavou roupa "no braço" é que tem noção da tortura que é esse serviço. Lavar roupa  deve ser catalogada na lista dos serviços braçais, ao lado do pedreiro, carpinteiro, coveiro, agricultor. As mulheres deveriam ser poupadas desse flagelo.

3- Outra coisa: os ÓCULOS. Antigamente quem ia enxergando mal teria que seguir em diante até dar de cara com a cegueira. Ou dar de cara com o muro. Não poder mais ler, não enxergas mais as coisas pequenas, os detalhes... Nossa!

4-  Métodos de GRAVAR o som. Você pode achar bobagem, mas imagine que antigamente só quem poderia ter a felicidade de ouvir uma orquestra era quem pudesse assisti-la ao vivo. Ou seja: uma parcela ínfima da sociedade. Hoje qualquer mané tem as obras de arte ao seu alcance e pode ouvir até enjoar. Já pensou que lacuna terrível passar pelo mundo sem conhecer a obra de Mozart?

5- TEAR. Gente, como será que as pessoas conseguiam se vestir antes de inventarem o tear? Folhas de parreira? Peles de animais? Com a atual população mundial teríamos uma multidão de pelados. A bicharada não daria conta...

6- O SABÃO. Como alguém desengordurava alguma coisa antes do advento do sabão????

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