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26 de set. de 2014

Passeio dos olhos

Sinto saudade de luas e marés
Saudade das pedras
Que entravam em minha sandália
De menina-moça.
Lembro com carinho
Do creme de cabelo que eu não podia comprar
Do caderno popular
Do vestido surrado.

Lembro ainda, e muito mais,
Do amor imenso
E de eu afundar-me nele
Como quem cai em um abismo de luz.
Sinto saudade daquele amor
Imenso, fundo, grávido,
Tudo era uma selva
Cheia de possibilidades

A felicidade não se anuncia
Só avisa quando já foi

Perdoar por amor
É uma coisa iluminada
E curar essas feridas é melhor
Que acalentar o nada

Só o amor faz feliz
Por mais infeliz que ele nos faça
E isso é tão estranho quanto verdadeiro.

Descobri isso dia desses
Baixando os olhos do céu
Até dar de encontro com as crianças
E elevando-os de novo
Até o pasto das estrelas.

Só o amor insano
Nos cura das nossas insanidades.

Tenho saudade do amor
E aqui despeço-me de mim
Até o dia que Deus quiser.

22 de set. de 2014

Bom samaritano

DICAS:

Se uma dia você tiver notícia de que uma pessoa conhecida sofre com alguma doença grave, anote aí:

1- Não lhe pergunte quanto tempo de vida ainda lhe resta. Melhor dar logo um tiro.

2- Não pergunte se ela ficará deformada, na cadeira de rodas, vegetando, se um dia ainda vai poder voltar a trabalhar ou coisas assim. Ninguém merece.

3- Evite brindá-la com histórias de terror sobre pessoas que já morreram daquilo, que se alimentam por sonda, que definharam terrivelmente. Tenha sensibilidade pra não encher a cabeça da pessoa com historias de desgraça. Se você  não consegue ajudar com otimismo, mantenha distancia.

4- Tente já chegar informado. Antes da visita converse primeiro com parentes e amigos próximos a respeito dos detalhes da situação. Tente entender que a pessoa doente já repetiu a mesma história alguns zilhões de vezes e simplesmente não aguenta mais. Poupe-a da tortura.

5- Ao encontrá-la evite olhares de dó, de pena, como se a pessoa já estivesse no caixão ou fosse um bichinho raro. Isso chateia.

6- Apenas bata papo. Pergunte como ela está e se a pessoa responder resumidamente é porque não está a fim de contar novamente toda a ladainha. Deixe o doente direcionar a conversa. Não force confissões nem pormenores. Tente segurar a curiosidade.

7- Pergunte apenas se a pessoa está a fim de comer alguma coisa gostosa, alguma fruta, se topa assistir um dvd, se está precisando de alguma coisa. Ofereça um livro, converse sobre as novidades dos amigos mutuos. Aí já vai um monte de assunto.

8- Se você não tem intimidade com o doente ou com alguém muito próximo da família dele, não o visite. Simplesmente. Vocês nunca foram próximos, mal se falam, mal se conhecem, aí você aparece do nada. Fica parecendo mera curiosidade. Quer mostrar solidariedade? Mande um cesto de frutas, um cartão com mensagem, um recado carinhoso. É suficiente, acredite.

9- Seja BREVE. Não parece, mas receber visita é muito cansativo para quem está doente. Risos altos, perfumes fortes, conversa sem fim,  clima de oba-oba, isso estressa. E as vezes a pessoa precisa fazer suas necessidades mas tem vergonha de dizer. Já soube de casos de um doente que depois confessou que não aguentava mais, que precisava desesperadamente soltar gases mas não conseguiu ter nem um minuto de privacidade! Já pensou?

18 de set. de 2014

Tapão colorido

Carnaval e lá estava eu no shopping, para espairecer. Sabe como é: submeter-se à tentação das vitrines, comer pipoca, ver o preço dos eletrônicos que jamais comprarei... quem sabe? Há um mundo de possibilidade para os desocupados.

Quem vai ao shopping no Carnaval - pensei - é porque não quer Carnaval. Isso me parecia lógico, mas saibam que nem todos concordam. Alguém decidiu perseguir os "shopeiros" com uma bandinha irritante cujo som era onipresente. Nunca pensei que o shopping tivesse tanta acústica. Não havia para onde me refugiar daquilo! A praga da música não acabava mais, emendava uma na outra como um trenzinho aloprado, matraqueando nos corredores lajotados.

Como o som parecia vir de todos os lados, inclusive de cima e de baixo, a curiosidade me levou a querer saber qual o nascedouro daquilo, a fonte de todo o mal.  Não foi difícil.

A bandinha era formada por palhaços saltitantes, coloridos e energizados. Tocavam empolgadamente marchinhas antigas misturadas com cantigas de roda. As crianças os cercavam eufóricas e todos pareciam igualmente seduzidos. Ou hipnotizados. Ou "macumbados".    As meninas, lindas e espevitadas,  dançavam com eles, pulavam, aplaudiam, riam, balançavam as marias-chiquinhas. Os meninos quicavam em seus tênis lunares e seus shortões engraçados. Eles estavam adorando! E os pais, pesados, pregados no chão, sorriam derretidos, cheios de ternura melosa. Tiravam milhares de fotos e trocavam sorriso com os pais ao lado. Estranho, mas o me parecia ser o inferno virou um pedaço do céu.

Que visão desconcertante! Que festa as crianças podem fazer só pelo fato de estarem felizes! Fiquei tão emocionada com aquela alegria singela! Comecei a me derreter...  A empolgação dos pequenos era uma coisa tão e iluminada e ao mesmo tempo simples que me deixou sem jeito. Me senti um ogro atrás da árvore, uma bruxa má e azeda. Fui condenada em silêncio.

Agora me diga como foi que eu não percebi de cara o potencial de felicidade da bandinha?  Como não me passou pela cabeça que os pequenos iriam adorar o lance, que aquilo combinava com criança como picolé combina com praia? Mas que ranzinza eu estava sendo!

Ninguém dava folga para os jovens palhaços que pareciam entender tudo de criança e também não se cansavam. Foi uma cena e tanto. Um tapão colorido no meio da minha lata.

... Ai me perguntei a partir de qual momento, exatamente, deixei a simplicidade de lado e passei a reclamar de bandinhas? Meu Deus, o que a vida faz com a gente!

Moral da história: bora reagir.

Fim.



14 de set. de 2014

Cremação? Soy contra!

Talvez não exista ocasião boa para se falar em morte mas vez por outra o assunto me aparece e não me resta outro remédio a não ser escrever a respeito. Melhor escrever do que falar disso em uma festa de aniversário - principalmente se for no aniversário daquela tia de 79 anos que anda sempre adoentada...

Dessa feita o aspecto do assunto macabro é o seguinte: sou terminantemente contra esse lance irreverente de transformar funeral em churrasco. 
Refiro-me a idéia estapafúrdia - isso mesmo! - de cremar o "de cujus". Quem teve essa idéia? Nero?

Além do mau gosto em si (imaginar um ente querido ardendo em chamas) isso deveria ser contra a lei. Por quê? Ora, porque essa estranha prática trabalha contra o Direito.

Vejam bem: o corpo humano é um arquivo vivo, mesmo quando o sujeito morre. Não sei se seria o caso de passar a chamá-lo de "arquivo morto-vivo" ... mas é por aí. 
Bactérias, vermes, gases e toda a sorte de seres microscópicos estão mais vivos do que nunca naquele quarteirão prontinhos para dar com a língua nos dentes e contar tudo o que realmente aconteceu: se a morte "acidental" foi provocada, se a cirurgia precisava ser feita, se a apendicite não passava de gases, se houve barbeiragem, se a mulher estava gravida, se (pior!) engravidou na UTI, se o bebê teria sobrevivido, se chegou no hospital com dois rins e dois pulmões e foi enterrada só com um exemplar de cada, etc. Cremando, todas essas informações relevantes desaparecem para a alegria de alguém. E provavelmente esse alguém deverá estar ganhando uma grana com a queima de arquivo.
Isso mesmo: cremar um corpo é queima de arquivo. Sou contra!

Mesmo quando as trocas de gases e de vida microscópica terminam e as minhoquinhas cansam de confraternizar, ainda assim o corpo é uma espécie de biblioteca onde uma história interessante pode ser desenterrada a qualquer tempo. Pensam que não assisto documentários?

Acabei de ver no jornal da TV o caso do pai cujo filho desapareceu por uns dias. Seu corpo reapareceu atropelado, morto, parcialmente desfigurado mas foi reconhecido pelos familiares, incluindo seu pai. Choraram, fizeram o sepultamento, aquela tristeza. E não é que o sujeito reapareceu vivinho da silva dias depois? Sofria de problemas mentais. O que fora sepultado era um bandido procurado pela justiça.

Agora a pergunta: e se o corpo tivesse sido cremado? O rapaz, com problemas mentais, poderia nunca mais acertar o rumo de sua casa; não seria procurado nem reintegrado à família, viveria errante como mendigo. Alguém que dissesse te-lo visto anos depois seria tido como louco pois todos "sabiam" que ele estava morto. Para tirar de vez a dúvida, só desenterrando - mas como, se ele tivesse sido cremado?

Outra situação: quanto um bandido não pagaria para se fazer confundir com um defunto cremado? Sendo impossível desfazer o equívoco ele teria a garantia de uma vida nova para cometer novos crimes sem ser incomodado pelo peso da lei. 
Já ouvi vários casos de pessoas que são paulatinamente envenenadas e tem a causa mortis atribuida erroneamente a determinada doença. Dizem ter sido esse o caso de Napoleão! Aquela dorzinha do estômago não era gastrite coisa nenhuma, mas envenenamento contínuo. Se fosse hoje, uma vez contestado o laudo médico, seria possível constatar se houve homicídio.

Já ouvi falar também de exames de paternidade feitos meses depois de o defunto ter sido entregue à terra (Gostei. Fica mais chique falar assim). Impossível fazer exame de paternidade em cinzas. Menos ainda se forem jogadas "romanticamente" ao mar.

É como eu já disse: tem gente que dá entrada em hospital e roubam-lhe o fígado, o rim, trocam os pulmões de lugar... é uma zorra! A família desconfia. Se cremarem, como desmascarar o médico açougueiro? Tá cheio de Frankenstain por aí defendendo a prática da cremação. Cuidado!

Acho que esse negócio de cremar foi inventado pela indústria dos órgãos - e não me refiro a instrumentos musicais! Pintam o sete, deixam o paciente oco e depois transformam ele em farofa. Legal, né? Comigo não! Vou gritar da sepultura e contar tudinho o que tiverem feito comigo. Vou processar todo mundo! Vou ser a defunta mais escrota que vocês já viram. Tá pensando o quê?

E tem também a outra questão. Tem o lado espiritual da coisa. Caraca, a gente passa a vida ouvindo falar em Céu e Inferno. O Céu é um lugar fresquinho e florido; o Inferno é o fogo eterno. Não deixa de ser emocionalmente desconfortável imaginar que meu corpitcho malhado vai arder em chamas. 

Não! Não me queimem! 

Quero uma sepultura de terra fofinha com árvores ao redor. Só mais uma coisa: é meio caro mas se o dinheiro der providenciem aquelas estátuas de mármore de menininha chorando ou coisa assim. 
Tá bom, já sei que o dinheiro não dá. Um vaso de flores de plástico aplacará meu espírito. Minhoquinhas simpáticas poderão fazer o seu trabalho calmamente como manda a natureza. Doarei meu silicone aos pobres e enquanto caveira cooperarei como puder com a polícia, caso seja necessário.

Se você ainda não se convenceu vou te dar mais uma razão para concordar comigo: fique você sabendo que existem SIM fraudes muito cara de pau nesse lance de cremar corpos. Não fique pensando que em três horas de forninho alguém vira cinzas. Nem a sua cozinheira consegue destruir um frango tão rapidamente. Onde eu quero chegar: o processo demora pra caramba e custa uma grana em energia elétrica. E você não fica ali vendo "a coisa" acontecer.  Já soube de casos de enganação horrorosa, onde certas empresas funerárias sem escrúpulos cremam "meio que pela metade" juntam mais de um falecido pra economizar energia, misturam tudo, colocam qualquer cinza numa caixina e dá para os manés chorarem. Quem é que vai saber? Cinza é tudo igual! Preto, branco, olho azul, olho puxado, com dentes, sem dentes... Virou cinza, igualou.

Pois é, bobão! Vai reclamar pra quem? Vai conferir como? Você acha que vão gastar uma fortuna em energia elétrica só porque você acha bonitinho jogar pozinho no mar? Se toca! Num país como o nosso, onde falsificam e dão remédios de farinha de trigo pra quem tá morrendo, você acha que estão preocupados com as cinzas do seu avô? E com as suas? Acorda!

9 de set. de 2014

Três caras da chuva

A experiência física com a chuva é uma coisa muito sensual a qual raramente nos entregamos. O corpo desperta, por mais cansado que esteja. O coração acelera com os toques gelados, os bicos dos seios endurecem, a carne se põe em  alerta e fica até mais jovem. Na chuva estamos sempre prontos para o amor, ainda mais sabendo que o outro corpo virá sempre quente e rijo como o nosso. Será tão bem-vindo em contraste com o frio! Há mil corpos quentes desejando outros corpos quentes enquanto tremem debaixo da chuva. 

Bem estranhamente, a experiência visual com chuva é muito contrastante com a anterior. A chuva , diante dos nossos olhos, desfila muito triste, desmaiando entre soluços. E lamenta, lamenta muito aquele acontecimento doloroso que não ousa descrever e que  desconhecemos ... mas intuímos. Sabemos de tudo, sem palavras, por experiência de vida. E quando não lamenta, a chuva assume aquele ar profético, anunciando alguma coisa muito muito grave que está prestes a acontecer. Ficamos pensativos.

A chuva  só é feliz pela manhã, quando nos visita junto com o sol e vem morninha e transparente, sem fazer barulho, cheirando a vapores. Se enfia desinibida e sem convite pelo meio do sol e nesse "Romeu e Julieta" atrai moleques de todos os lados.   E é assim que a chuva vive o seu breve momento de glória.
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6 de set. de 2014

Liberdade de novo

É justo e compreensível que desejemos reconhecimento pelos nossos esforços no trabalho. Acho tolo dizer que devemos dar o melhor de nós mesmos sem esperar reconhecimento. Tudo bem não esperar uma recompensa em dinheiro ou um Oscar, mas reconhecimento é normal, é humano.

Sei que isso vai contra um monte de frase de Facebook, mas é o que penso. É justo, humano e desejável que as pessoas tenham suas realizações reconhecidas ou pelo menos admitidas. É um direito. Embora seja louvável fazer o bem "distraidamente", não é crime pensar. Ponto.

Agora vou, aparentemente, me contradizer: acontece que tenho observado que a felicidade muitas vezes está em abrirmos mão de certos direitos. Porque alguns direitos, embora nos pertençam sim, são uma bagagem pesada demais.

Entenda:  perder direitos é muito diferente de abrir mão de direitos. 

O reconhecimento é algo justo, mas esperar por ele é quase um castigo. A bem dizer, esperar por ele é injusto. Não precisar dele é a glória. Fazer as coisas dentro do seu próprio mundo, sorrir pra si mesmo de prazer quando você é bem sucedido e nem parar para reparar se os outros prestaram atenção - esse é o chique da vida.

Mas isso é um aprendizado. É o próprio "pulo do gato" da saúde emocional. As pessoas comuns querem o óbvio: a justiça de serem reconhecidas. As pessoas top, portanto felizes, já ultrapassaram essa fase. Elas estão além e simplesmente não precisam mais disso. São independentes.

E por falar em liberdade- sim, caso não tenha notado, é disso que falávamos-  felicidade e liberdade estão grudadas como irmãs siamesas e consistem em não precisarmos. Quanto menos necessidade, mais liberdade. Uma coisa puxa a outra. 

Sou obrigada a reconhecer o que toda frase de Facebook diz: a compensação pelo trabalho não é o dinheiro, mas o trabalho em si. O dinheiro é devido, mas está no nível raso da justiça. As pessoas top curtem tanto fazer bem feito que simplesmente não precisam de recompensa. Estão além disso. Elas sao, assim, as únicas donas da própria ventura.  

A pessoa feliz é um tanto louca, porque vai em sentido contrário ao da  manada.

 Se for possível é isso que eu quero.


5 de set. de 2014

Tanque

Lembro de muitos anos atrás, quando fiquei com pena da mamae e fui para o tanque lavar roupas para ajudá-la. Fiquei com as mãos machucadas. Eu não pensava que era tão pesado  lavar roupas. Não sei por que lembrei disso agora...  Não há serviço mais pesado que lavar roupas. Mamãe nunca reclamou...

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