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30 de jun. de 2014

Fofura e constrangimento

Quando criança nada me irritava mais do que me constrangerem a demonstrar carinho. Não esqueço de uma dessas cenas do passado: uma amiga da mamãe chegando em casa, de visita, com a filha, que era uma menina da minha idade. Aí minha mãe ficava dizendo: "olha, uma amiguinha, Cristina! Dá um abraço nela! Abraça ela! Beija ela!" E todos faziam coro: "abraça ela!"

Eu me sentia péssima. Meu impulso era sair correndo e me esconder debaixo da cama. Aquilo me deixava muito triste porque fazia com que eu me sentisse um ET, alguém estranho com uma conduta dissonante, antissocial, esquisita. Eu não queria ser esquisita nem má, mas era assim que eu me sentia. Aquelas situações provavam que eu era uma menina má, que não se parecia em nada com as princesinhas doce dos contos que eu amava. Eu me sentia a bruxa, o aleijão, alguém que só minha mãe conseguiria amar. Então eu me sentia desnuda, exposta e humilhada com aquela exibição pública da minha falta de candura. E quanto mais a platéia torcia e me incentivava a ser meiguinha mais irritada, triste e confusa eu me sentia. E por fim eu chorava - para piorar as coisas.

E foi assim que descobri: 1) como as pessoas amam quem é fofo e carinhoso; 2) como as pessoas esperam ser platéia em shows de fofura; 3) como as pessoas se decepcionam com quem não lhes concede esse gosto; 4) como eu estava distante da meiguice que a sociedade exigia de mim. E daí passei o resto da minha vida tentando ser mais legal para nunca mais me sentir tão mal. Houve progresso, felizmente, mas nada que se compare às princesinhas dos contos de fadas ou às Madres Teresas.

Esses dias participei de uma distribuição de sopa a noite, pelas ruas do centro da cidade. Sopão. Fui. Nunca tinha participado e seria uma chance maravilhosa de agradar a Deus, ao próximo e, de quebra, ser moldada para o bem, evoluir.

Gostei de participar. Quer dizer... gostei e não gostei...

Uma série de sentimentos confusos demais agitaram meu ambiente mental. Primeiro: não acredito em amor sem envolvimento. Não amo quem não conheço, por isso preciso me aproximar das pessoas para ativar o amor em mim. Não é assim, de primeira, no automático.  Não me senti compelida a abraçar quem nunca vi, sorrir e dizer "te amo". Não sou assim, não dá.  Como ser de repente o que nunca fui? No entanto eu estava  lá, com o coração aberto e cheia de vontade de fazer o bem para os desfavorecidos. Mas voltei ao passado e tive a impressão de que havia uma platéia esperando uma atitude nobre da minha parte. Não existia platéia, mas isso impregnou minhas impressões por causa daquela situação da minha infância que já contei.

Bastou que eu abrisse a boca para conversar que percebi minha total falta de jeito. Eu me via sem graça, postiça. Talvez aquela fosse somente a voz do mal tentando me afastar do bem. Não sei. Mas minha conversa e meu sorriso eram desajeitados, travados, amarelos... e o amor e emoção que eu esperava que fosse jorrar continuou lá dentro do peito, quietinho, em forma ainda de semente. Não senti vontade de abraçar ninguém.

Um momento péssimo que me trouxe aquela birra infantil de volta foi quando uma das integrantes do grupo  chamou a atenção de outra dizendo coisas do tipo "não é só chegar e dar a sopa! Tem que se aproximar, tem que dar um abraço, dizer meu irmão, estamos aqui, eu amo você" e bla bla bla.  Não me fez bem ouvir isso. Voltaram à memória aquelas senhoras do passado me enchendo o saco: "abraça ela, Cristina! Beija a sua amiguinha!" "Me deixa em paz!" era o que eu queria gritar.

Quero muito chegar ao ponto de abraçar um desses mendigos, fazer amizade, oferecer ajuda e tudo o mais, mas preciso de tempo, preciso aprender, preciso tentar, preciso me sentir a vontade. Ainda não dá. Não que eu queira mal àquelas pessoas - não! Mas forçar a barra e fingir um sentimento que ainda não tenho que ainda não brotou... pra quê? Pra enganar quem? Me diga!

Então fiquei desanimada com a iniciativa do sopão. Me senti inadequada, um aleijão - como no passado. Humilhada pela minha visão de mim mesma em comparação aos outros.

Se não basta um coração aberto e uma mão estendida, adeus. Acho que se eu preciso aceitar o próximo mesmo ele sem banho, sem pente, sem noção, então o próximo precisa me aceitar assim, desajeitada e sem abraço. Se eles não precisam tomar banho para ganhar a sopa, por que tenho que maquiar minhas atitudes e sentimentos?

Uma pena, mas talvez eu não sirva para o papel...


26 de jun. de 2014

Malévola



Confesso sem nenhum constrangimento que jamais me libertei do fascínio por histórias de fadas e princesas e castelos e príncipes. Esses contos me encantam profundamente desde que eu era criança.

Não sei exatamente quando isso começou. Talvez tenha sido quando, ainda bem menina, eu entrava naquele quartinho onde guardávamos coisas velhas e resgatava livros de história dos Irmãos Grimm, Monteiro Lobato e outros mais. Eu lia como quem se apossava de um segredo, como quem entrava em um portal mágico, um mundo incrível que existia sim. Era como descobrir poções mágicas.   Não, jamais me livrei desse encantamento. Pensava que conforme envelhecesse tudo ia começar a me parecer  bobagens infantis, mas não. 

Interessante é que nossa alma, quando sob o efeito dessas fantasias, não suscita questionamentos cansativos e politicamente corretos do tipo "mas por que a princesa tem que ser sempre loura e linda?" Felizmente no pais dos sonhos estamos livres para mergulhar em tudo isso com descarada liberdade.

Assisti hoje o filme Malévola. É uma repaginada da história da Bela Adormecida. Não, não me pareceu nada infantil. Para mim era como se uma fada bondosa me pegasse pelas mãos e me levasse de volta  aos sonhos da minha infância, àquele longínquo pais onde as menininhas viviam aventuras que sempre terminariam bem.  O filme foi feito para as menininhas  que as mulheres como eu já foram. Foi como que um beijo que nos acordou do sono profundo. 

Nos, mulheres, somos todas Bela Adormecidas.  O filme é lvisualmente lindo e foi feito para nos levar de volta em um passeio na floresta encantada.  Uma bela colher de chá.

Pois me tomaram pela mão e fui levada ao mesmíssimos ambientes já tão conhecidos desde pequena. É como se eu tivesse voltado e reencontrado velhos amigos. Nada me pareceu novidade. Tudo era muito meu, muito familiar, mas mesmo assim deslumbrante. As paisagens 3D eram tão mágicas (tipo Avatar) que em determinado momento me emocionei com a beleza.

Fiquei agradecida a Holliwood por me mostrar novamente as coisas que minha alminha sentia tanta saudade. E agradecida também por me fazerem entender que sonho e fantasia não tem idade e que não sou boba em me deixar levar assim. Foram pessoas adultas que fizeram o filme. Foram pessoas como eu, que sabem o que é ficar horas perdida em cima de um livro mágico. Não sou sozinha nessa floresta.  Felizmente.

Em algum lugar do mundo tudo aquilo é verdade. Tenho certeza disso.

22 de jun. de 2014

Futebol - mais uma teoria

Não é que eu não goste de futebol. O problema é que não consigo, não consigo, não consigo me concentrar.  Naquele vai-e-vem de bola que na maior parte do tempo não leva a lugar nenhum, minha mente insiste em escapar pra loooonge. De repente alguém grita "pênalti!" ou algo assim, então me aprumo, fixo o olhar e entro no clima. Pronto: os jogadores tem minha fiel atenção por no máximo dois minutos. Depois disso adeus: a mente escapa novamente.

Futebol... O que há de tão interessante? Vou teorizar.  Tenho essa licença já que o futebol está aberto a qualquer perna de pau. Se qualquer um pode se aventurar jogando, qualquer um pode se aventurar teorizando. Então lá vai:

1- Futebol agrada porque todo mundo precisa de uma distração. Como a maioria é pobre, taí uma distração barata. Claro que os pinos no fêmur não estão incluídos nessa contabilidade.

2- Futebol agrada porque todo mundo precisa de amigos. Até o sujeito mais tímido pode se encostar no muro, esperar a vez de ser escalado e pronto: não está mais sozinho no mundo, já tem uma turma!

3- Futebol agrada porque todo mundo precisa ter um sonho e acreditar nele. As histórias dos jogadores que saíram da pobreza para a glória estão aí para colocar um brilho no olhar da garotada. A história dos craques está, para os meninos, como a história da Cinderela está para as meninas.  Sabemos que sair da pobreza para a riqueza sem precisar estudar é raro, mas tão raro que seria considerado impossível se não tivéssemos as benditas histórias reais. Isso significa que nosso sonho pode ser mantido. É bom. E é bonito ver como a glória dos ouros pode nos acalentar.

4- Futebol agrada porque oferece assunto até ao idiota mais sem assunto do mundo. Sempre existirá um marmanjo disposto a conversar a respeito. É reconfortante saber que sempre será possível iniciar um diálogo mesmo que exista um vale intelectual separando os interlocutores. Também dessa forma o futebol é agregador e fator de facilitação da sociabilidade.

5- Futebol agrada porque união sincera agrada. Nós, humanos, somos muito carentes. Precisamos de coisas que não sabemos como conseguir. Isso nos aflige.  União, quando acontece, emociona, porque vivemos em um mundo de conflitos infindáveis. Qualquer coisa que nos faça esquecer raça, aspecto físico, nível social, convicções religiosas e políticas, ganha uma aura "tipo sagrada". Aí uma sequência de imagens bonitas e sentimentos elevados, que não costumam rondar nosso dia a dia, nos invadem. Por instantes achamos que não somos tão maus assim e que nem tudo está perdido. Daí que uma multidão unida no mesmo grito, na mesma aflição e na mesma alegria é uma das coisas mais lindas e emocionantes que se possa imaginar. O futebol nos dá isso: a sensação de que o milagre está acontecendo, que é possível sim, ainda que venha a esvair-se tão logo o jogo acabe.

6- Futebol agrada porque é uma exibição de juventude, saúde e raça e todos gostamos disso. Os homens adoram pelo desejo de serem fortes, viris, invencíveis, um poço de energia. As mulheres pelo prazer que dá assistir o show de músculos e aparente virilidade. Plasticamente vale a pena a mulher assistir ainda que não goste muito do esporte em si. Claro que muitas mulheres vão reclamar dizendo que gostam de futebol sim. Ora, assim como dizem que "quem gosta de homem é viado, mulher gosta é de dinheiro" (que horror!) vou aproveitar a veia politicamente incorreta pra dizer que "quem gosta de futebol é homem, mulher gosta é de ver os atletas." Pronto, falei.

Pois é, como eu ia dizendo, com essa nova geração de equipamentos de filmagem que nos mostram até a goela dos jogadores. Daí que o espetáculo de coxas energizadas fica bem mais interessante.

Então é isso, estamos acertados: futebol agrada pela beleza plástica, pela emoção da união, pela facilitação da sociabilidade, pelo sonho que nos anima a acalentar, pela provisão de amigos e pela distração barata. Agora se for só pelo jogo, só pelo lero-lero em si, não sei não...




19 de jun. de 2014

Criatividade

A cultura da nulidade é mais forte do que se imagina. O Face está acabando com a minha criatividade. Sério. Claro que é conveniente colocar a culpa nos outros mas juro que é verdade. Além do mais "os outros" estão aí pra isso mesmo: pra receber culpa sem reclamar.

Computador desligado = mil idéias. Ligo a droga do computador e o primeiro impulso é "passar rapidinho no Face só pra dar uma checada". O "rapidinho" se estende por vários minutos, findos os quais minha mente termina esvaziada e estéril. Tenho certeza de que ainda vão fazer algum estudo relacionado a isso. Quando fizerem eu peço indenização.

17 de jun. de 2014

Preconceito "às avessas"


Que tal se eu dissesse que tudo de ruim que existe nesse pais é culpa da "pobretada preta"? Será que você leria o texto com indiferença? Diria "é isso mesmo"? Me xingaria de racista? Denunciaria na delegacia?

Acontece que é exatamente isso que estão fazendo contra a minoria branca brasileira. Estão apregoando que tudo de errado no Brasil é culpa "da elite branca".  Não dizem mais que é "culpa da elite", mas da elite BRANCA. Dedução: o mal nem é ser elite, mas ser branco.  Dizer isso é algo criminoso. 

A declaração é tão criminosa quanto dizer que todo o atraso do pais se deve aos pretos pobres. É inaceitável  que ouçamos esse tipo de declaração com indiferença. Não é possível, tem que acender uma luz vermelha da nossa consciência!

Acordem, brancos! Isso é discriminação racial! 

Assim como vejo muitos brancos se indignando com o preconceito contra negros, eu também, embora não seja branca, me indigno e denuncio a discriminação racial contra os brancos. E se perto de mim vier algum abestado  praticando esse tipo de injustiça, estou disposta a ir a uma delegacia para denunciar crime de RACISMO. E sugiro que você faça o mesmo porque todos merecemos respeito.  

Direito só é bom se for pra todo mundo. Se uma parcela da população está blindada e a outra está a mercê de pedradas, há algo muito errado aí.  

12 de jun. de 2014

A hora do hino

O momento em que se canta o hino nacional, para mim, é sempre muito emocionante. Imagino que deve ser dez vezes mais arrepiante para os atletas no meio de uma arena, de um estádio, cercados por milhares de pessoas. Cantar acompanhados de compatriotas participantes da mesma história e desilusões. Mas nessa abertura da Copa o que mais me pareceu tocante não foi exatamente aquela emoção conhecida que acabei de mencionar. Havia outros sentimentos sutis no meio de tudo. Não sei se é só uma impressão minha...

Ver aquelas pessoas cantando com tanta energia...  parecia transparecer uma vontade louca de se auto afirmar, de se impor, de levantar a cabeça! Havia uma dor,  uma frustração por não podermos nos orgulhar de tudo. Sabe aquela raiva? Sabe aquela tristeza por ter que levar na brincadeira e na piadinha as coisas que nos machucam e humilham?  Nunca fizemos tanta piada quanto agora. Há todo tipo de frase e charge espirituosa.  Tudo isso para a realidade doer menos.  Só as piadas nos ajudam a não ficar de cabeça baixa. O mundo nos vê e nós queríamos olhar nos olhos deles, se não de cima pra baixo, pelo menos de igual pra igual.

Na hora do hino vem tudo à tona, engata na garganta e transborda pelos olhos. Podia ser tudo tão diferente! Poderíamos nos orgulhar dos nossos estádios, mas terminamos por ter vergonha deles! Meu Deus! Todo o mundo já sabe como a Copa foi feita. Nós queríamos nos perceber como nação viril e lutadora, culta, consciente e orgulhosa, como um povo que se impõe. Por isso cantamos assim hoje, quase com fúria.

Aquelas lágrimas eram também por mágoa de estarmos tão aquém do que poderíamos. Na hora de cantar sentíamos dor, vontade de carregar o Brasil no colo, acarinhar e curar todas as feridas. Cantamos pra fixar os olhos em nossas belezas naturais, no nosso verde-e-amarelo, na nossa alegria, em qualquer coisa que nos colocasse um pouco pra cima e nos consolasse.

Ah como queríamos que a letra do hino  fosse uma expressão fiel da nossa realidade, coragem e valentia! Que vontade de sentir só orgulho, sem tristeza ou vergonha. Que vontade!


10 de jun. de 2014

Da série "Diário de Viagem"


Há situações na vida que a gente não sabe bem como reagir. Aceito opiniões:

É comum vermos, em Paris, artistas de metrô. São músicos tocando, cantando batalhando uns trocados. Em outros países esse tipo de artista consegue encher o saco dos ouvintes com repertórios duvidosos ou desempenho fraco. Em Paris geralmente a qualidade é boa, a ponto de dar mesmo vontade de liberar uns centavos de euros para os caras. Pois bem, dia desses estava eu num metrô qualquer e me deparei com algo que eu realmente não esperava: de repente começaram a tocar uma música brasileira que eletrizou um grupo de jovens. Eles ficaram animadíssimos quando ouviram... Adivinha?  Isso mesmo: "Ai se eu te pego".

Deu vontade de gritar "paraaaaa! Toca outra pelamordedeus!" - mas não deu.  Eles cantavam (em português pastoso)  riam e batiam palmas como se fosse a música mais incrível do mundo. Eu devia ter tirado foto daquele momento ímpar.

Pois é... É nessas horas que uma pobre brasileira não sabe bem se morre de orgulho ou se morre de vergonha. Fiquei confusa.

5 de jun. de 2014

Não contem nada a eles!


O boi, o frango, o peixe, a capivara, o camarão, o marreco, a lula... Como você, eu também devoro animais - sem trocadilhos.

Não, não me sinto nem um pouco culpada por isso e não vou erguer a bandeira magra e pálida do vegetarianismo. Meu pensamento é o seguinte: deu mole, virou refeição.

Calma! Estou me referindo (sinceramente!) a alimentação.

Não sou vegetariana. Quero a saciedade que vem das carnes, quero me sentir "das cavernas" de vez em quando. Faz bem. Comer carne é animalesco, violento e, talvez por isso mesmo, delicioso. O sangue é só um detalhe.

Você deve estar se perguntando o que, então, me levou a iniciar esse texto falando de seres tão comestíveis? O boi ... o frango... o peixe... O que, nesse simpático corredor da morte, instigou minhas considerações?

Tomemos como exemplo o frango: quantas e quantas vezes já me flagrei com um frango entre os dentes e o coração pesado a considerar a brevidade daquela vidinha tão desprovida de prazer e sentido. Não era pena do "assassinato" em si, mas pena do sem-sentido da vidinha deles. Tem sido doloroso pra mim imaginar que algo sagrado e misterioso como a VIDA possa acontecer sob determinações estatísticas e contábeis: nascer com o fim único de ser comido por uns e enriquecer outros. 

Pense em toda aquela expectativa da galinha, do "coito" à constatação de que mais um lindo ovo viria ao mundo. E para quê? Pra ser quebrado em minha frigideira. Ou sadicamente alimentado e espionado até atingir a idade do abate. Que porcaria de vida é essa?!

O camarão "singrando" os mares, fazendo planos para o futuro, sentido-se livre, jovem e desejado pelas camaroas ... Mal sabe ele que o "mar" que está singrando não passa de um viveiro safado e que sua vidinha vai acabar tão logo ele atinja o tamanho ideal.

Cruel.  Cruel, mas gostoso. Cruelmente gostoso (e nem sai sangue!)

Podemos dizer o mesmo do boi e de tantos outros desafortunados que pisaram esse mundo sem perceberem que nenhuma de suas qualidades seria apreciada a não ser o valor nutritivo.

Do nascimento a morte o que pode haver de interessante na vida de um bicho desses? Pode até existir mas jamais saberemos. Por que desenvolveram inutilmente habilidades? Por que aprenderam a andar, nadar ou voar? Por que ter lindas penas ou pelos macios se tudo se acabará no Auschwitz da nossa cozinha?

Qual a especial ventura ou aventura, o plano de existência, o ato de bravura a ser registrado? Quem se interessa pelo que cada um desses animais possa ter de singular? Manias, preferências, fobias, sobressaltos... De nada disso restará lembrança. Passam pela vida como coisas vãs, como nada! E no entanto são tão complexos em sua formação! A vida neles também é um mistério, tanto quanto em nós. Que força os sustenta? De onde vem? Como se mantém e para onde vai? Quem se importa? Toda a ciência de seu micro-mundo está destinada ao nada... a ser perdida para sempre. Sabe, isso me inquieta. Não o suficiente para me fazer passar fome, mas inquieta.

Eles enxergam, ouvem, sentem as exigências da natureza, a aproximação do predador ou da fêmea, sentem fome, cansaço, aflição... Para quê? Tanta complexidade desperdiçada.

Se eles soubessem - não conte nada a eles! - o quão breve e pobre suas vidas são e quão cruamente estão destinados ao buraco negro do esquecimento... Se eles pudessem ao menos refletir sobre a porcaria de vida que levam... Acho que se revoltariam. Ou ficariam deprimidos. Ou quem sabe, uma vez dotados de entendimento, eles se contentassem em escrever um blog cheio de indignação e amargura.

Ah como é confortável ser contada entre os humanos! Eu: um ser superior! Os reis da floresta somos nós! Ah que chique mandar no pedaço, escolher quem morre e quem não morre, se é com fritas ou farofa ou quem sabe umas torradinhas. Somos quase divinos. Pare para pensar. Pelo menos em comparação a uma lula eu sou. Falo por mim. Não sei você.

Então, enquanto pesarosamente eu comia e lamentava a má sorte daqueles seres inferiores e azarados, me ocorreu o seguinte: será que esse mesmo tipo de consideração também "aflige" os vermes que, debaixo da terra, esperam por nós? 

-"Pobres humanos... Que sentido tem suas vidas? Se eles soubessem que a única finalidade das suas existências é nos alimentar... Vidinha mais besta! tantos projetos, tanto suspense, tanta complexidade desperdiçada... Não contem nada a eles! Eles não precisam saber que só existem para nos alimentar!"


1 de jun. de 2014

Óleo com óleo, água com água

A gente escolhe um caminho e nele segue para sempre. É um princípio da física: sem oposição, após um impulso inicial teremos um movimento ininterrupto em linha reta.

Nem o sujeito mais descrente é capaz de negar que a luz segue viagem pelo universo para sempre. Luz é energia. O que move meu corpo é energia. Quando esta energia se desprender do corpo terá o mesmo destino da luz: seguir viagem. Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Meu corpo se acaba e se transforma, mas minha energia segue. Não há nada de "espiritual" ou religioso nisso.

Aliás "espiritual" é um termo usado para nos referirmos a realidades e "materiais" desconhecidos em nosso planeta. O termo serve para rotular as coisas que sabemos ou intuimos que existem, mas não temos dados para explica-las ou classifica-las.

Tudo é só uma questão de rótulo mas a realidade é uma só. O conhecimento é indivisível. Tudo é ciência.

Se eu me apego a maus sentimentos e abrigo como preferência a insensibilidade, futilidade, egoísmo, ganância, ódio, se me volto apenas para meu instinto animal e sigo nesse caminho como opção de vida, será que quando meu corpo se acabar esse tipo de energia se perde? Como se perde, se nada na natureza se perde? E como posso supôr que esse tipo de energia é idêntica à do que chamamos de "Bem"? Não podem ser idênticas.

O que somos de verdade, a nossa essência ou energia, ela está presa nesse "vaso de barro" que chamamos de corpo. Por estarmos presos, não temos como nos unir apenas às pessoas que têm a essência igual à nossa.

Imagino que tudo isso seja como se a vida fosse uma mistura de água e óleo constantemente sendo sacodida no garrafão da Terra. Quando o movimento pára o óleo se junta com o óleo e a água se junta com a água. Simples assim.

O conceito de "Céu" e "Inferno" não passa disso: um jeito simplificadíssimo de explicar para as crianças  (nós!) realidades por demais complexas que estão muito além da total compreensão delas.  Faz mais sentido quando retiramos disso tudo o conceito de bom ou mal e nos prendemos apenas à idéia de pólos que se atraem ou se repelem. Quando pensamos em naturezas distintas e irresistibilidade de atração. Todos sabemos o que é uma atração irresistível.

Balões. Uns tem oxigênio; outros tem gás hélio. Todos estão presos no mesmo ambiente. Quando se soltarem, os que tem ar vão para uma direção e os que tem gás hélio vão em outra.

Posso passar a mesma idéia de outra forma: e se o que chamamos de "mal"  for uma matéria real no universo? E se for uma espécie de ímã gigante que atrai para si todas as partículas de sua mesma natureza?

E se o que chamamos "bem" também for assim, tipo um ímã gigante ou ralo cósmico que engole tudo que caminhe para a sua direção?

E se em vida eu acumular em mim "matérias" de uma mesma natureza a qual será inevitavelmente atraída por um imenso "aspirador" tão logo se solte?

O que acontecerá quando esse "balão de ar" for solto sem amarras?

São as escolhas da juventude que determinam como seremos ao ficarmos velhos. Será que as escolhas na Terra não determinariam para onde nossa energia, uma vez livre, será atraída? A verdade não é uma só? A ciência não é uma só? Por que supor que o resto do universo seria regido por leis completamente diferente das da Terra? Não, o nosso planeta é apenas um e bilhões, e está inserido no mesmo contexto de tudo o mais que existe aqui ou além.

E se o grande ímã cósmico estiver levando para si quinquilhões de energias que tenham a mesma carga, ou natureza:  será que por fim isso não seria a definição de "Céu"?   Agora imagine o contrário: um lugar onde todas as energias desenvolveram o que existe de mais negativo. Como dizer que isso não se parece com "inferno"?

E mais:  se nenhuma informação se perde e se os sons continuam para sempre a atravessar o universo (sabemos que é assim que acontece)  por que supor que a energia que nos move não carrega consigo nenhum "giga" ou "byte"  da informação contida nos sons? Será que nenhum "arquivo eletrônico" acompanha essa energia?  Se na Terra andavam juntos, porque seria tão improvável que no "éter" se desprendam?

Se os sons/informações não acompanham a energia, então para onde vão?  Será que iriam, necessariamente, em direção oposta?

Minhas lembranças têm sons. Lembro da minha voz cantando, falando com minha mãe, brigando, recitando versos,  chorando, contando histórias. Sons... dados.. consciência... imagens... energia... Você tem certeza absoluta de que são coisas distintas que certamente se desprenderão umas das outras?

Olho para as estrelas e continuo pensando nisso... Você nunca parou para fazer essas considerações?

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