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30 de abr. de 2014

Sintomas


Estou percebendo a chegada de uns sintomas alarmantes de velhice:

1- Os homens mais lindos, na minha opinião, foram lindos há uns 40 anos atrás;
2- As melhores músicas que conheço foram composta há mais de vinte anos;
3- Sabe aqueles cantores que eu considerava insuportáveis na minha adolescência? Na verdade são maravilhosos;
4- Não acredito mais que eu possa mudar o mundo;
5- As músicas frenéticas tocadas ininterruptamente nas academias estão começando a me enjoar;
6- Começo a concordar que beleza é bom mas não é tão importante quanto eu imaginava;
7- Olho com muita simpatia para as cadeiras de balanço e decido que quero uma.
8- Não compro mais sapatos desconfortáveis só porque são lindos.
9- Um cruzeiro marítimo já não me parece uma idéia abominável.
10- Minha gaveta já tem permissão para receber algumas calcinhas mais confortáveis;
11- Já me sindo ridícula de mini saia;
12- Uso tranquilamente roupas que há um tempo atrás eu achava "de velha".
13- Os mais jovens já riram de algumas de minhas gírias;
14- A gritaria e risadagem infinita dos adolescentes me cansam a beleza.
15 - Não faço mais exercícios físicos apenas por motivos estéticos.
16- Não tenho mais a menor tesão em sair pulando atrás de um trio elétrico. Na verdade nunca saí, mas antigamente eu tinha vontade.
17- Finalmente descobri que eu não era uma adolescente horrorosa;
18- Aliás, não consigo mais achar nenhum adolescente horroroso;
19- Nunca mais me senti horrorosa;
20- Não fico mais imaginando o que vou ganhar no Natal.
21- Jamais namoraria um hippie


A glória da desimportância

Um dia a gente acaba descobrindo que se dava importância demais. Aconteceu comigo. Foi quando percebi que nada é mais cômico do que levar-se muito a sério.

Um momento de distração e a gente esquece de deixar pra trás as coisas de criança. É como levar para a empresa, na bolsa, uma mamadeira.

As crianças se julgam o centro do mundo. Tudo gira em torno delas. A parte ruim é que quando os pais se separam muitas delas se sentem culpadas (li sobre isso). Estranhamente acreditam que fizeram alguma coisa de errado e por isso os pais brigaram. São tão importantes que a culpa só pode ter sido delas. Pobrezinhas!  Será um alívio quando descobrirem que não têm superpoderes.

Cada um de nós tem um raio de influência sutil e rala.  E só.

No passado estávamos muito ocupados pilotando nossa própria juventude. Quando o trem pára a gente é obrigado a pensar. As questões entram pela nossa janela como aquelas formigas de asas depois da chuva.

Pensar é que muda as coisas. Pra nós, não pro mundo.

A questão hoje é: com a velhice as pessoas vão mesmo perdendo a importância? Ou não é nada disso? Na velhice as pessoas apenas descobrem que nunca tiveram importância coisa nenhuma?

Com o tempo as pessoas vão encolhendo, encolhendo, ficando pequenininhas até desaparecerem dos olhos do mundo? Ou o fato é que nunca fomos mesmo essa Brastemp toda?

Eram os outros que nos davam mais valor do que agora ou nós é que acreditávamos nisso? Realmente fomos o que pensávamos ser? Já sei: a culpa é da mãe! Era ela que fazia com que nos sentíssemos especiais. Perder a mãe é uma coisa que nos joga na vala comum. Ora bolas.

Tragam minhas pantufas!

A glória da desimportância é perceber que quem não tem o poder de salvar o mundo também não pode pôr tudo a perder.  Não sei como é com  você, mas pra mim essa verdade desvendada teve um efeito libertador.  Minha humilde pessoa perdeu uns 100 quilos.

Por mais grave que pareçam os meu erros, não tenho estatura nem estrutura pra parir uma catástrofe. Fiquem tranquilos.

Se nunca fui importante ou se encolhi, o importante é que emoções eu vivi.

O fato é que sou uma coisa que vai ficando mais livre a medida que diminui - ou à medida que se torna consciente da sua real estatura. A tensão no pescoço diminui, os ombros descontraem, a respiração flui.  É bom demais saber que não vou entrar pra história por ter afundado o Titanic ou algo assim. Aliás não vou entrar pra história por motivo algum.

Esse manto de invisibilidade me cai muito bem. Agora me dê licença que eu vou assar uns pãezinhos.

26 de abr. de 2014

Você já ouviu isso

Tenho um certo enjôo de frases batidas. Quem muito as profere se torna chato. Mas quem muito as desafia se torna tolo.

Já falei sobre isso: a verdade grita pelas ruas e pelas praças. Ela é repetitiva mas não para nos chatear. Ela é como a nossa mãe: tudo o que quer é meter um pouco de bom senso em nossas cabeças.

Talvez nenhuma frase seja tão batida  quanto "o coração tem razões que a própria razão desconhece."  É uma verdade estrondosa. Mesmo assim poucos de nós já aprendeu a aceitá-la quando a vemos aplicada à vida real. Adoramos o mundo das idéias. O problema é quando ele tenta invadir nosso mundinho de carne e osso.

Conheço homens e mulheres absolutamente tolos por amor. "Burros", talvez.  Como sofrem! Não sofrem só por amor mas pelo peso das cobranças sociais. Eles são dia e noite condenados por causa de seus perdões, sua fé, sua disposição em continuar a acreditar, em aceitar de volta. Eles deveriam nos encantar, ser uma luz para o mundo! Mas geralmente nos irritam porque nenhuma das suas explicações explicam nada. São todas furadas. Sim, a luz pode irritar.

Por quê não mandar às favas o homem infiel, vadio ou inafetivo? Por que não trocar logo a mulher ingrata e fria por outra que valha a pena? Por quê tentar de novo? Como eles se atrevem a esquecer uma afronta que ainda perdura na memória dos amigos?  Todos se ofendem juntos, todos sentem afetados. A afronta atinge a todos, muda simpatias, interrompe amizades...  Aí a outra parte vai lá e...perdoa! Segue em frente de braços dados sob olhares estarrecidos de todos nós, que não entendemos.

Todos aplaudem o amor em versos mas poucos aplaudem o amor em ação. Isso me leva a perguntar, aflita: de que lado nós estamos afinal?

A gente teima em querer justiça. Como somos bobos com nosso roto senso de justiça! A justiça é muito boa mas não nos abraça antes de dormir nem nos fala do Paraíso. Ela é inflexível e estéril. A justiça, às vezes, se parece com um jardim de flores secas.

Cobramos dos amigos, dos parentes, cobramos de nós mesmos! E temos ainda a ousadia de dizer que é feia, injusta e inaceitável  justamente aquela atitude que nos eleva.

Deveríamos aprender a deixar o amor em paz. Ele não pode se justificar ou explicar. A própria razão lhe desconhece a lógica.

Por fim, deveríamos parar de repetir ditados nos quais não acreditamos.

22 de abr. de 2014

Laguinho



Ontem, na beira do laguinho, me fiz as mesmas perguntas de sempre sobre a vida.

À vista de tanta natureza é impossível não pensar em algumas coisas. Vitorias regias, sapos, peixes e arvores, sapinhos, insetos minúsculos, tudo me olha e vem a mim sugerindo que eu me conforme em ser como eles: um item na paisagem. Por que desejar mais que isso se nada é mais lindo do que simplesmente isso? Pareciam me dizer que nem tudo é para ser dito - que não há necessidade. Nem toda expressão é exata, nenhuma é suficiente.

Eu poderia voltar mil vezes àquela beira de lago e todas as palavras me seriam novamente tiradas. E meu peito iria novamente se encher dessa emoção que não quer ser muda. 

Essa sina, talvez, eu tenha que cumprir: a sina mais difícil, que é a do silêncio. Então me levanto e saio, vou caminhar. Depois pego um livro. São iluminados os escritores. Deve ser tão bom ter o coração desafogado!


18 de abr. de 2014

Patetas claudicantes e suas contradições

Não sei se vocês já notaram que há uma enorme contradição em acariciarmos a ideia de que "não existe certo nem errado, tudo é relativo" e ao mesmo tempo queremos justiça. Porque a justiça bebe justamente dessa água: existe sim o bem e o mal.

Justiça pressupõe firmeza. É necessário que saibamos a diferença entre o que presa e o que não presta, entre o que é aceitável e o que não é. Entenda: é impossível julgar sem julgar. É impossível incentivarmos o bom comportamento ou bloqueamos o mal se não admitimos sequer que eles existam.  Se um dia eu for surrada, roubada, desrespeitada, vou querer que o Juiz saiba muito bem o que é certo e o que é errado.

É estranho que tenhamos plantado a semente do "não-existe-certo-nem-errado" e depois nos assustemos com jovens que queimam índios. Não pode queimar? Por que? Era ruim para o índio mas era divertido pra eles!   Ensinamos que não existe nada realmente mal como os velhos diziam... aí depois queremos que nosso povo seja justo, respeitador, coerente, humano.  Por que seriam?  Eles aprendem rapidinho a se escorar em perguntinhas cínicas ("mas o que é justiça? responsabilidade? coerência?  humanidade? São conceitos relativos!").

Sim, tudo é relativo quando é "no dos outros". Quando é "no nosso" a coisa é sempre absoluta, já reparou?

Ao educar uma criança precisamos passar-lhe conceitos firmes. Se não os temos, deveríamos ser proibidos de ter crianças sob nossa responsabilidade. Uma criança percebe bem cedo quando não passamos de patetas claudicantes.

Se não sabemos o que é certo ou errado, não temos como afirmar que é mesmo muito feio largar um tapa na cara da titia. "Feio por quê?"  "Mas o que é feio ou bonito, afinal?"  "Em qual cultura?" "Algumas pessoas apreciam levar tapas"  Tem certeza de que esses conceitos são seus mesmo? ou será que foram impostos pelo poder instituído e a moral vigente? e bla-bla bla."     (Não aguento quem tenta se esquivar de uma discussão séria com essas frases de algibeira.)

Espero que vocês entendam que não estou contradizendo Einstein  nem falando mal da Filosofia. Pelo contrário: falta filosofia nesse mundo não-pensante. O que detesto é a moda de querer usar a teoria da relatividade de forma cínica.  Como vemos gente irresponsável, nociva e mal caráter achando que se consegue se justificar vestindo essa folha de parreira furada!

Todos sabemos que o conceito de bem e mal é relativo e a discussão antiquíssima, só que uma coisa é o exercício intelectual dessas questões e outra bem diferente é vivermos em sociedade e precisarmos de parâmetros de convivência. Uma coisa é admitirmos que uma coisa considerada má para uns pode ser considerada boa para outros; outra coisa bem diferente é concluir que por isso não existe nada realmente mau no mundo.

Discussões filosóficas são muito boas mas quando estamos sendo oprimidos o que queremos é solução. Não quero que nenhum agressor se sinta confortável e amparado pela nossa frouxura.

E quanto ao bem e o mal, tem mais:  se nenhum filósofo chegou ainda ao fim da discussão, por que deveríamos bombardear nossas crianças com a ideia de que talvez nada seja errado?  Porque permitir que isso saia do campo das idéias e se torne uma nova base para atitudes discutíveis? Por que deveríamos cooperar para que todas as nossas más inclinações encontrem um afago?

Se você é daqueles que "vencem discussões" recitando o mantra safado do "não existe certo nem errado, bem nem mal",   aguente bem caladinho quando estacionarem na sua garagem, quando lhe venderem mercadoria deteriorada, quando você descobrir que seu pai nem estava morto quando lhe retiraram o rim para abastecer o tráfico de órgãos. Considere que a sua angústia representa a felicidade de quem vai receber o rim!  Por uma questão de coerência você não deve reclamar. Não dê trabalho ao judiciário nem quando seu filho perder a vaga na faculdade porque um "esperto" comprou a  vaga dele, quando o síndico roubou todo o dinheiro do condomínio ou quando seu chefe trata você como capacho. Reclamar por quê, se quem fez isso pode ter agindo certo, afinal de contas? Aplauda, faça o mesmo e viva o inferno!

Prefiro ajudar a construir um mundo onde as pessoas acreditam na distinção entre o bem e o mal.  É verdade que nem sempre essa distinção é simples. Algumas situações são realmente complexas, mas as pessoas de bem continuarão tentando entender e a buscar o bem.

O Brasil vai muito mal justamente por causa de teorias capengas aceitas por abestados metidos a intelectuais.  Debaixo dessa tenda há muita, mas muita erva daninha.

14 de abr. de 2014

NÃO SOMOS UM POVO LIVRE


NÃO SOMOS LIVRES. Essa tem sido uma descoberta dolorosa.

Hoje entendo porque Cuba proíbe seus cidadãos de "passarem um pano" em outros países. . Eles tem razão, é arriscado mesmo. O choque da descoberta pode levar à revolta. Pra que arriscar?.

Sair abre a mente e nos leva a perceber que o governo nos engana com migalhas. É como passar a vida comendo estrume e se assustar quando descobre que os outros tem coisa muito melhor.

Sair do Brasil é muito doloroso. A gente tira foto, ri, compra bugiganga... mas lá dentro o coração dói e uma pergunta persistente martela em nossa cabeça: "Como eles conseguiram construir uma sociedade assim mas a gente não consegue tirar o pé do barro?!"

Machuca.

Qualidade de vida não é morar num palácio nem ter carrão. Aqui no Brasil tem muita gente com carrão e morando em imóveis invejáveis, mas tem que se esconder em guetos, gastar uma nota com segurança particular, não podem simplesmente caminhar pelas ruas, vivem com pavor de sequestros.  Qualidade de vida não é morar em casa grande, mas em casa sem grade. Não é ter seu pára-brisa lavado em cada esquina: é poder rejeitar o serviço sem ser agredido, marcado  ou ameaçado. Não é ter carrão: é ter liberdade de abrir mão do carro para ir trabalhar de bicicleta sem pânico. Qualidade de vida não é andar com muito dinheiro no bolso: é poder andar sem dinheiro no bolso e não ter medo de ser espancado pelo assaltando por isso.  Qualidade de vida não poder ter jóias: é não ter medo de usá-las. Não é ter um notebook; é poder usá-lo ao ar livre.

Liberdade não é poder ler qualquer  jornal: é poder publicar no jornal a sua opinião sem ser apedrejado.

Dá um nó na garganta descobrir que não é todo mundo que morre de medo de sair à pé às nove da noite. Não é normal agarrar a bolsa, arregalar os olhos e disparar o coração quando vê  um grupo de rapazes andando pela rua. Não é normal ficar tenso quando um motoqueiro se mantem ao lado do seu veículo. Não é normal ter medo de viajar na cidade com os vidros do carro aberto. Não é normal ainda por cima ter que  colocar película escura no carro por questão não de estética ou conforto, mas por questão de segurança. Não é normal ter medo estar sem dinheiro na hora de um assalto. Não é normal gastar uma fortuna para encher sua casa de grades. Não, não é normal. E quando a gente sai daqui e descobre que os outros raramente se preocupam com essas coisas, que circulam livremente pela cidade, que não são obrigados a dar dinheiro a nenhum mal encarado que quer "reparar" seu veículo, que quando eles se sentem intimidados ou desrespeitados, simplesmente chamam a polícia e a polícia resolve... Ah...

NÃO SOMOS LIVRES, não somos mesmo. Essa foi uma das descobertas mais triste da minha vida.

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