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7 de jun. de 2020

A seta do Adão



Sempre amei essa pintura. A Criação de Adão - Michelangelo. 

Acho linda a idéia de que Deus tornou possível o contato com os humanos. Ele estendeu a mão  e a partir daí passamos a desejar para sempre o sublime, o eterno, o mistério.  "Fomos feitos “alma vivente.  

Contraditoriamente essa pintura também foi por muito tempo a prova inconteste da minha baixeza animal, primária e rude. Em épocas mais elevadas o que me chamaria mais a atenção era mais  os dedos, humano e divino, se tocando, numa metáfora belíssima que você já sacou, então não vou explicar.

A verdade é que hoje a conversa é outra. A primeira coisa que enxergo é o pinto do Adão. Olho para um lado e para outro, vejo se ninguém está me observando e fixo o olhar teimoso no pintinho dorminhoco.
A questão: onde estava o pintor com a cabeça quando resolveu colocar no quadro a imagem desse homão tão mal dotado? Por que não arrastou o pincel mais um pouquinho? O assunto é sério e clama por reflexão. 

Queria o pintor eliminar o efeito erótico da imagem? Se a ideia fosse essa nada mais fácil do que esconder-lhe os “documentos” debaixo de um lençol esvoaçante, tão em moda à época. Isso pouparia o pobre Adão de comentários jocosos  e inconvenientes.  Mas não! Michelangelo dispensou o lençol e fez questão de que nos deparássemos com essa curiosidade anatômica. Veremos que ele tinha bons motivos.

Observe que Adão não está encabulado.  Parece mesmo muito a vontade e despreocupado. E com um jeitão de "Acabei de acordar. Que dia é hoje? E mais: não tem barba nem pelo algum no corpo. É o retrato da inocência - segundo Michelangelo. 
Tcham! Foi aí que entendi que era mesmo essa a intenção do pintor. Esse  pintinho carrega  um enorme significado inversamente proporcional ao seu tamanho.

Note que Adão não está em posição de reverência contrita. Não está extasiado nem fazendo força pra agradar.   Pelo contrário: a pintura mostra a paz e o desassombro da raça humana antes de pecar.  A descontração infantil de Adão diante do Criador é bem interessante. Mais tocante ainda é a facilidade com que o alcança: como os bebês. Sem sair do lugar, apenas esticando o bracinho.

Tome nota: para “alcançar Deus” deveríamos, metaforicamente, ter o pintinho de uma criança. Lembra quando Jesus falou que quem não se tornasse como uma criança de modo algum entraria no Reino dos Céus? Pois então! O pintinho significa precisamente  isso. 

Agora que já está tudo esclarecido você  pode olhar a vontade para o Adão-nem-aí. Meça, cochiche, dê risadinhas.   

Para ter contato é necessário querer contato.  Querer contato com o divino é um dos anseios primais  dos humanos.  Tanto é que quem não consegue (porque de teimosia não esticou o braço)  fica com raiva, faz birra e diz que é ateu.  

Chamo ainda a sua atenção para o fato de que bebê recém-nascido não tem senso de distância. Ele apenas vê e estica o bracinho como se tudo fosse possível. Aí também existe uma importante lição: para alcançar Deus isso deve nos parecer perfeitamente possível.  Olhe que fofo:  Adão completamente relaxado,  sentindo no fundo de sua alminha clara que aquele  ali flutuando no céu é o seu papai.  Ele não tem nada especial a dizer além do  gu-gu da-dá  cuja tradução mais aceita é "que legal!"

Agora desçamos.

Agora, já com a cabeça erguida, volto-me mais uma para vez para “o centro” desse quadro: o pinto do Adão, que doravante pode ser considerado parte indissociável da religiosidade, a chave do enigma para quem quiser chegar ao transcedente. Não mais um objeto sexual. Não um brinquedo lascivo, não um troço de fazer bebês. Não, meus amigos! Agora, de cabeça erguida, posso e devo encarar com coragem e emoção essa seta que nos aponta o caminho. Essa é a abordagem correta. Posso agora, sem constrangimento, considerar sua aparência, calcular seu peso, tamanho e textura e mesmo assim estar fazendo um exercício intelectua/religioso/filosófico. Ora vejam!

Imaginem vocês quantas pessoas “passaram batido” sem perceber o tanto de sabedoria contida nesse respeitável membro que, reverentemente observado, coloca o expectador já com um pé na espiritualidade.

Só mesmo um gênio como Michelangelo poderia explorar todo o poder simbólico dessa imagem, ainda que murchinha.

Essa tela é a pregação muda para a qual a humanidade precisa dar atenção. Devemos prestar a esse pinto o melhor de nossas considerações e coloca-lo, de uma vez por todas, no lugar onde sempre deveria ter estado: no centro.  

Calma, eu explico: no centro das nossas mais elevadas reflexões!

6 de jun. de 2020

Sobre o caso do mendigo com o bebê




Alguém postou no Facebook a foto acima com a seguinte legenda: "Gente, essa foto tem gerado polêmica nas redes sociais, pelo simples fato de um morador de rua ter pedido uma mãe para segurar seu bebê, na sua opinião essa mãe fez certo ou errado? O que vc faria se acontecesse com vc? Deixaria ele pegar seu filho no colo? Dê sua opinião". Algumas pessoas elogiara. "Liiindo!' Outras xingaram por antecipação: quem ousasse criticar essa mãe já recebeu de pronto o rótulo de "preconceituoso miserável". Outro personagem perguntou, com seu coração puro e inocente "mas qual o problema?" Qual o problema? Esse que perguntou deve estar nesse momento com máscara na cara e com as mãos bem meladas de álcool gel. Nunca vi uma geração tão carente de aceitação e aplausos. Bem, eu não deixaria o morador de rua segurar meu bebê.   Disseram  "mas ele é gente!" Claro que é. É gente há dias sem banho e sabe-se lá com qual doença. Mora na rua. Não custa estar com uma pneumonia. 

Esses que aplaudem são os mesmos que, quando chega uma visita em casa não deixam nem olhar para o bebê sem primeiro  lavar as mãos.  Beijar nem em sonho. Ferve tudo, até os pensamentos.   
Sabemos ainda que vários desses moradores de rua são pessoas com problemas psiquiátricos. Tenho uma amiga que foi dar uma sopa para um deles e o sujeito lhe jogou no rosto o copo de sopa quente.  Muitos são seres sofridos, atormentados, doentes. Alguns são agressivos. Vai saber! 

Não estou aqui para jogar pedra nessa mãe.  Se essa mãe já  conhecia o morador de rua,  se ele vivia nas redondezas e ela sabia que ele não era algum tipo de  louco, menos mal. Mas mesmo assim acho errado. 

Sou da opinião de que todo amor que demonstramos deve ser sempre  às nossas custas. Seria melhor então não entregar o bebê mas compensar a negativa dando ela mesma dar um abraço no homem. 

"Ah, ele é humano!" O bebê também é humano e precisa de proteção porque tem poucos anticorpos.

Enfim: eu não deixaria NENHUM ESTRANHO segurar meu bebê mesmo que estivesse cheiroso e engravatado.

5 de jun. de 2020

Os malucos dos esportes radicais






Estive assistindo esses dias a um documentário sobre pessoas que arriscam a vida - e frequentemente a perdem  - praticando os esportes mais malucos. Malabarismos impensáveis na bicicleta, numa corda através no Grand Canyon, esquiando em velocidades absurdas através de rochas, mergulhando sem cilindro abaixo de cem metros.

Não são loucos. Geralmente são pessoas quimicamente viciadas em uma substância que o próprio corpo produz: a adrenalina.  Adrenalina vicia sim. E mata, porque não dá pra conseguir na farmácia nem na boca de fumo. É necessário arriscar a vida para sentir seu efeito na dosagem desejada.

Numa entrevista um jovem admitiu isso. Disse não saber viver sem aquele êxtase provocado pela aventura, pela proximidade da morte. Seu organismo era inundado por uma dose inebriante de adrenalina e era algo tão maravilhoso que simplesmente dava mais para viver sem.  Em cada aventura ele  procurava mais e mais. Por fim admitiu que sabia que iria morrer por causa disso,  mas não conseguia parar.  Mostrou uma foto  como vários amigos companheiros de aventuras e foi apontando os que já haviam morrido. Vários. "O próximo pode ser eu". Ele estava ciente.

Bem, essa é só uma maneira de enxergar os "malucos radicais".  Mas claro que eles não são só isso.

Eles são  peças curiosas dessa engrenagem incrível formada pela totalidade  dos seres humanos entrelaçados no mundo.  Eles nos mostram as inúmeras possibilidades de existência. São o leque.

Assim como precisamos dos médicos,  engenheiros, químicos e mecânicos, precisamos também, e desesperadamente, da leveza desses loucos que fazem evoluções  dentro das ondas gigantescas. Precisamos de pessoas que nos mostrem na prática que a vida é muito mais variada e colorida do que conseguimos imaginar. Não podemos viver só de matemática. É enlouquecedor! Precisamos daquele cara que engole fogo, que escala a montanha, que se joga da montanha. Precisamos de quem nos diga que PODEMOS TRANSCENDER.

Fico feliz quando vejo que não sou só isso, mas de certa forma sou "aquilo" também porque "todos somos parte do gênero humano". Eu olho aquelas loucuras todas e por um instante brevíssimo ganho asas e me sinto... maior.  Há como sair, saltar além.

Há algo a mais dentro de nós.  Eles nos provam que podemos ir além do que pensamos que somos. Não somos feitos só do que se pode explicar.  Como a proximidade com a morte pode trazer tanto êxtase?  Em qual momento mágico o perigo deixa de ser um monstro  e se torna um companheiro de aventura?

Não sei de muita coisa. Não tenho respostas redondas mas sei que faço parte da mesma raça daqueles caras que dão quatro cambalhotas montados na motocicleta.   De alguma maneira estou ali muito bem representada por eles.

Pode parecer que não, mas a vida precisa deles. Somos, como eu disse, uma engrenagem. Uma engrenagem muitíssimo  sofisticada onde cada um  desses  loucos dão cor e sentido ao todo. Não é  um sentido obvio. É um sentido mais fino, sutil, que se insinua no meio de todas as reentrâncias dessa máquina gigantesca. Eles são leves como metáforas. São a exuberância da  vida sendo desenhada para a gente entender melhor.

Eles são um  desafio e um convite. Quem não precisa disso?

Sobre a patroa que matou a criança





Uma triste história:

A patroa pediu para a empregada passear com o cachorro. A empregada deixou seu filho aos cuidados da patroa. A patroa colocou o menino no elevador sozinho, para que ele retornasse ao apartamento. O menino, não sei como, caiu lá de cima e morreu.

Horrível. E porque foi horrível querem subverter a lei. Querem porque querem que o crime seja doloso. Não é. Ninguém põe uma criança no elevador porque quer que ela morra. 

Este homicídio foi culposo sim. Isso não inocenta a patroa, que nesse caso deu o supremo azar de ser branca e mulher de político, isso em meio a um movimento de ódio aos brancos e aversão aos políticos.  

Essa mulher cometeu um erro HORROROSO e vai pagar pela irresponsabilidade.  Claro. Tem que ser assim. Só que não dá pra acreditar que no dia do crime  ela acordou e pensou: "Nossa, hoje estou meio entediada. Acho que vou matar um moleque e destruir a vida dele, da mãe dele e a minha também." 

Agora já querem enfiar racismo no meio.  O crime já é suficientemente grave. Não precisa forçar a barra para piorar o que já é péssimo.

Vamos ser sensatos.   OBVIAMENTE ela não queria matar.  Deveria ser obvio que uma pessoa que mata por negligência, irresponsabilidade, imprudência etc não deve ser  equiparada ao sujeito que te dá cinco facadas porque você olhou feio para ele. 

Estão reclamando do pagamento da fiança, como se a justiça tivesse sido comprada.  Gente, pagamento de fiança NÃO CANCELA A PENA nem inocenta ninguém.  Apenas possibilita que o acusado responda em liberdade. Sim, também sou contra essa palhaçada legal mas ela existe há décadas. Não foi inventada hoje.  Depois da condenação a mulher deverá ser presa. 

Mas a prisão vai demorar. Sabe por quê?   Porque para soltar o Lula criaram uma lei que beneficia um monte de criminoso.  Atualmente a "justiça" só pode prender  em última instância, quando não couber mais nenhum recurso.  Criaram essa IMUNDÍCIE apenas para soltar o Lula. Um monte de mostro foi solto no mesmo trem da alegria e essa patroa que matou o menino também será beneficiada pela "lei Lula livre".  

Agradeça à esquerda.

https://www.bing.com/news/search?q=patroa+que+matou+a+crian%c3%a7a&qpvt=patroa+que+matou+a+crian%c3%a7a&FORM=EWRE



4 de jun. de 2020

Prédios, macaquinhos e a anti-beleza *


Ontem, final de tarde, eu transitava em um dos viadutos da cidade. Do carro olhei e vi o céu desistindo do turquesa como quem deixa o véu cair sem olhar pra trás.  Escurecia devagarzinho, tudo meio embaçado por nuvens e poluição. Vi e amei os prédios. Pareciam tão imponentes ignorando o cansaço, a sujeira e o calor! Pareciam tão cônscios da necessidade de parecerem fortes e acolhedores  para quem vem do trabalho!

Certamente as árvores parecem belas para os pássaros cansados. Parecem lindas também para a família dos macaquinhos que fazem delas seu lar. Acho que os prédios cumprem, para nós, o papel de árvores. São onde nos amontoamos, cansados, e abraçamos os outros macaquinhos para finalmente dormirmos. 

O céu escurecido, as nuvens com cores indecisas, os primeiros postes acordando. Com meu olhar já lapidado pela cidade e sua estranha estética, achei bonitos os prédios assim, levantados contra o céu. Sim, são "árvores" rígidas onde nos amontoaremos com nossas famílias para proteção e descanso. 

Num relance vi as primeiras janelas acendendo. Mentalmente entrei em uma cozinha, levantei a tampa da panela e quase senti o cheiro da sopa borbulhando. Passei na porta de um banheiro e senti  também o cheiro dos vapores perfumados dos banhos das 19 horas. 

Prédios não são bonitos como árvores, mas foi o que conseguimos. Daqui não ouvimos riachos. Nossos passos, em sua direção, não pisam folhas. Aqui a proximidade das pessoas se anuncia de outras formas. 

Vistos de cima os prédios parecem menos maternais.   Nesse caso formam magníficos labirintos onde, incrivelmente, ninguém se perde.

A beleza mora dentro, não fora da gente. Isso me leva a pensar que talvez as pessoas cruéis tenham seu senso de beleza diminuído devido ao processo de embrutecimento que as tornou más. 

A maldade é a anti-beleza.   Não acredito então que os maus sintam o mesmo que eu sinto quando olho as estrelas ou os prédios encardidos. Não que eu me destaque pela minha bondade. Acho que estou na média,  talvez.  Mas tem gente que se destaca pela maldade.  Imagino que a vida subtraia do espírito dessas pessoas alguma coisa muito preciosa.   Imagino que elas vão perdendo a capacidade de se emocionar com o belo. É como quem sangra: a pessoa vai amarelando,  perdendo a graça.

Para piorar as coisas a ausência do senso de beleza só tornaria os cruéis mais cruéis ainda.  A beleza nos enternece e a ausência dela, na vida ou no espírito, embrutece. 

As pessoas bondosas desfrutam de mais beleza do que as más. Certamente. O mundo delas é diferente, é outra dimensão, impenetrável e incompreensível para os criéis. estes vivem em um submundo onde as cores mal são percebidas.   

Não tenho provas de nada disso.  Só sei daquela boniteza de final de tarde, dos prédios cansados,  dos vapores noturnos de sabonete e sopa.  Só sei do céu com as primeiras estrelas brotando das nuvens alaranjadas.  

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