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27 de abr. de 2013

Árvores entrelaçadas



Gosto especialmente das árvores entrelaçadas. Penso em histórias dramáticas de amor, onde a persistência garante o final feliz. Imaginem quanto tempo é necessário para, finalmente, elas conseguirem se tocar. Talvez décadas de esperançosa busca. Sinto uma certa agonia nessa lentidão.

Tenho mania de emprestar sentimentos às coisas. É um vício mental. Sempre acho que um carro velho vai sofrer quando for trocado por outro. Os sapatos também me parecem muito ressentidos quando são deixados de lado. Panelas velhas, lápis no toco, sutiã desbotado, caneco de plástico, brinquedos surrados, árvores de natal descabeladas, flores de plástico... todos são tão suscetíveis à mágoa! Da mesma forma atribuo às árvores pressa, pressa de abraçar, e fico com pena delas.

A sorte, para as árvores, é que uma vez estando "nos braços" uma da outra dificilmente haverá infortúnio para separá-las. O tempo passará a conspirar a favor, solidificando a união. Duas árvores lançadas aos galhos uma da outra pela força do vento logo serão separadas; quando porém a união se dá na lentidão dos anos tende a ser eterna.

Quem sabe o tempo, da mesma forma, também venha a ser propício aos amantes humanos. Talvez o tempo prefira perpetuar o que conseguimos com espera e sofrimento. Talvez exista uma bênção escondida para os amantes pacientes e irredutíveis.

Bem, talvez não tenhamos nada a ver com árvores, pedras e ventos. Talvez eu só esteja forçando a barra para conseguir ver algum sentido no desejo adiado, na espera, na dor.   Para alimentar a esperança e sofrer menos, vale tudo. Vale até pensar que árvores se buscam, que sofrem mas depois rejubilam. Afinal a quem interessa a vida como ela é?

23 de abr. de 2013

Queria fazer um teste

Queria novamente vestir meu uniforme de Escola Pública com um EP bordado em azul no peito. Motivo de orgulho!

Queria sim vestir aquela camisa branca com minha saia azul marinho de pregas e meias "três quartos". Entrar de novo em formação com os colegas, colocar a pasta no chão ao lado da merendeira, pertinho do tornozelo. Então a diretora da escola iria lá para a frente e puxaria um dos hinos que aprendemos: Hino à Bandeira, Hino Nacional, Canção do Expedicionário, Hino da Independência... Qualquer um eu achava lindo e não tinha preferências.

Quando cantávamos a gente se sentia maior do que era, capaz até algum grande ato de heroísmo.

Se eu voltasse... respiraria fundo debaixo daquele sol ainda morno, já esperando a emoção infalível que me sobreviria. Eu amava os hinos. Eles me faziam acreditar que éramos um povo heróico, forte.

Não me envergonho de dizer que ainda sinto emoção quando ouço nossos hinos. Só que não é mais como antigamente, com aquele sentir peculiar. Hoje tudo escoa para o ralo da saudade com sentimento de perda. Aquela  dor de ver nossos sentimentos juvenis dobrar o rio na chalana.

É possível que algumas pessoas ainda se emocionem com nossos hinos. Raros jovens, uns poucos sem coragem de compartilhar essa "fraqueza" com os amigos. Quando eu era criança, amar a pátria era bonito.

Antigamente, no tempo dos militares, era um orgulho estudar em escola pública. Só quem ia para escola particular eram os alunos vadios (ou burros) que pudessem pagar. Lá, qualquer bestalhão passava. Quem era bom mesmo, estudava em escola pública e estufava o peito.

Lembro de um episódio no qual minha mãe teve que ir atrás de conseguir um ATESTADO DE POBREZA para poder manter minha matrícula. Sério!

  "Se alguém quer matar-me de amor, que me mate no Estácio..." Mãe, por favor, traga aquele meu uniforme branco e azul marinho! E minhas meias três quartos. Pegue minha mão e me leve tranquilamente pelas ruas do Estácio. Cumprimente o Kid Moringueira, nosso vizinho ilustre.  Despeça-me com um beijo e me deixe entrar no pátio pois os colegas já estão em posição de sentido. Quero sentir tudo de novo, mãe! Quero ouvir o hino! Deixe eu ser criança novamente, só mais uma vez. Quero sentir de novo aquela vontade de chorar, aquele orgulho, aquele amor pelos soldados.

Se pudesse eu faria um teste: voltar para aquelas cenas do passado para descobrir se ainda tenho coração para aquilo tudo.

É lindo o que uma criança é capaz de sentir e o que um adulto é capaz de manter se não forem  seriamente atrapalhados.


"Por mais terras que eu percorra, não permita Deus que eu morra sem que eu volte para lá", para aquele passado arborizado, para só mais uma vez me sentir brasileira-com-muito-orgulho.

15 de abr. de 2013

DIA NACIONAL DO CHORO MOLHADO.

Custei a assistir a mini-série Maysa porque não aguento ver, na tv,  picotarem uma historia para eu engolir os comerciais.  Comprei o box. E chorei.

Sabe, existe um chorar gostoso.

Se pensarmos bem passamos nossa vida domando as emoções. Chega uma hora que não dá mais. Tudo bem que a raiva tem que ser contida mas o choro pode ser liberado vez por outra sem grandes prejuízos principalmente quando se trata de uma comoção consciente, permitida e saudável.

Todo mundo tem que chorar vez por outra nem que seja só para hidratar a alma. No dia-a-dia precisamos posar de durões mas tem que existir no mundo um cantinho liberado para os "fracos".

Tinham que inventar o Dia do Choro: um dia no ano quando até as lágrimas mais descaradas estariam liberadas. E não só isso: as lágrimas seriam incentivadas e provocadas. Porque tem muita lágrima encroada por aí. Valeria tudo: músicas tristes, filmes comoventes, fotos profundas, poesias sensíveis... tudo arquitetado para o sujeito desabar. Gente, que saudável!  Os cardiologistas apoiariam com certeza.

Sim, eu sei que no dia 23 de abril se comemora o Dia Nacional do Choro, mas aí é choro-música. Portanto a data que proponho seria algo como DIA NACIONAL DO CHORO MOLHADO.

Nesses dias ralos que antecedem  o fim do mundo (é isso mesmo que eu disse)  estamos vivendo a ditadura do riso. No desespero do nosso presente decidimos que rir é imperioso e sofrer é uma chatice que se não puder ser evitada, pelo menos tem que ser encoberta. Sofrer hoje em dia é quase uma indelicadeza.

Só que todos temos dentro do peito um acúmulo de lágrimas. Assim como não se pode tomar cerveja sem urinar, não se pode viver nesse mundo sem chorar. Você tem que escoar suas lágrimas encalhadas ou vai se sentir mal, ficar inquieto, sufocado, com uma necessidade incessante de "fazer alguma coisa legal". Chore que passa.

Hoje as pessoas dramáticas ou sensíveis são sempre consideradas dramáticas demais e sensíveis demais. Antigamente diziam que elas tinham "alma de artista" ou "alma de poeta".  Hoje em dia são chamados de "malas."   Por isso estamos todos ficando muito gaiatos. Gaiatos mas sem graça.

Sobre a minissérie Maysa, ali é drama mesmo. Não foi a melhor que já assisti. Maysa não foi uma heroína. Ela estava mais para ovelha negra. Mas tudo bem porque a história nos ajuda a dar fim ao nosso encalhe de lágrimas. Além do mais é edificante quando conseguimos sentir a dor dos desajustados, dos que não se emendam. Sinal de que ainda resta compreensão e compaixão dentro de nós. Pelo menos uma centelha de Deus - ufa!

Pois chorei no escuro sentindo-me  tão humana, tão viva! Fez bem achar que entendo a dor dos que não conseguem ser melhores do que são, a dor dos que põe tudo a perder, dos que não tem a receita para serem alguém melhor. Minha alminha ficou leve.

Você precisa chorar. Depois me conte o resultado. Eu não conto pra ninguém.

11 de abr. de 2013

Migração


Olho para o céu e, parece-me: todas as aves voam para ti.

Há uma festa para onde elas estão indo, mas elas não dizem nada. Se eu pudesse segui-las chegaria a ti, mas não posso.

Sinto inveja das aves que pousarão no teu ombro e brincarão nos teus cabelos. Sinto inveja desse vôo silencioso, cheio de segredos. Sinto inveja desse caminho certeiro, dessa ausência de dúvidas que só as aves têm.

Sigo meu caminho na Terra. Cumpro a minha sina, que nem tem sido penosa. A vida é boa, embora fique aquela dor antiga incomodando o sapato. Mas é assim mesmo: todos os sapatos doem e as dores nem sempre se despedem.

Sinto saudades, mãe. A senhora sabe disso.

Um dia o meu caminho na Terra me levará ao caminho das aves. Nesse tempo darei o último passo aqui e descobrirei, finalmente, onde você respira e quais os ventos que sacodem as suas roupas brancas.

5 de abr. de 2013

Evidências


Já vi mil listas que mostram as evidências de que estamos ficando velhos. Resolvi também fazer a minha  listinha :

A gente deixa de ser criança quando a chuva deixa de ser convite para para a rua e passa a ser convite para ficar debaixo da coberta.

- A gente está ficando velho quando não tem mais grandes expectativas para "a festa do ano". Aproxima-se uma festa e só o que a gente pensa é: já vi esse filme. E já vimos mesmo.

- Quando não vale mais a pena sacrificar o presente em prol de um futuro promissor.

- Quando a gente começa a achar que homem é igual a criança: uma maravilha, mas cansa pra caramba.

-  Quando o termo "novo amor"  provoca um "Deus-me-livre" ao invés de um "queira Deus!" 

- Quando definitivamente deixamos de acreditar nas promessas dos vendedores.

- Quando não temos mais paciência para fingir que acreditamos nos homens. Aliás, quando não temos mais energia para fingir NADA para agradar ninguém.

- Quando somos verdadeiros ao dizer que não estamos mais nem aí para as nossas gordurinhas. Antes era só bravata.

- Quando é verdade que não estamos nem aí se não tivermos um companheiro. Antes também era só bravata.

- Essa frase não é minha, mas merece estar aqui: "Estamos ficando velhas quando nos divertimos mais ao lado de um homem do que debaixo dele."  

- Quando alguém diz que vai lhe dar uma jóia ou uma roupa muito bonita e cara e você responde: "ah, pra quê?!"

- Quando um homem lhe dá uma cantada e entre tantas possíveis respostas positivas ou negativas você apenas diz: "cara, não me encha o saco!" 

- Quando, vemos um acrobata ou adepto de esportes radicais e ao invés de lhe admirar a arte, só conseguimos pensar em como o ficaríamos moídos se tentássemos fazer a mesma coisa.

E por aí vai. A coisa não pára não!

1 de abr. de 2013

Um escudo chamado Relatividade



Se existe uma coisa chata nesse mundo são os filósofos convenientes. 


Sabe esse pessoal que quando está perdendo uma discução apela para a teoria da relatividade?

Você diz que ele está dirigindo bêbado e ele responde "mas o que é bêbado? o que é bebida? No Egito antigo o que nós chamamos de bebedeira fazia parte dos cultos e blá blá bla."   São pessoas que não sabem trocar ideias, só sabem e só querem mesmo é tornar um diálogo difícil ou impossível. Se você fala que ele foi grosseiro ataca com "grosseria pode ser uma interpretação unilateral que depende de cada cultura, então não se pode afirmar que...."  Se você diz que o cara mentiu ele ataca com a afirmativa de que "verdade e mentira são pontos de vista, depende de que lado a pessoa esteja." Se você resolve dar um exemplo prático para defender se ponto de vista, ele pega alguma palavra que você usou, qualquer uma, e tenta dizer que aquilo não é aquilo, que pode querer dizer outras coisas, que no Brasil colonial aquele termo era usado com outros fins... Ou seja: o papo não anda, ele posa de intelectual e aparentemente não perde a parada. Conheço zilhões de pessoas assim.

Essa saga relativista não se aplica a tudo em todos os momentos. Se estou molhada, estou molhada. Se cortei o cabelo, cortei o cabelo. Como relativizar isso? Se a casa caiu, a casa caiu. A tentativa de relativizar um desabamento pode ser patológica no sentido de negar a realidade. Posso ficar dizendo "mas que casa? Você sabe o que significa o termo "casa"?  E o que quer dizer o termo "caiu"?  "Caiu" segundo a definição de quem? De pessoas comprometidas com fábricas de notícias para fins políticos e bla bla bla

Essas perguntinhas filosóficas não passam de brincadeirinhas intelectuais e dependendo da situação podem ser um saco. Essa falsa esperteza tem que ser morta com doses cavalares de ridicularização. Esse tipo de coisa é até bom para exercitar o cérebro mas não serve como instrumento prático para para encarar a vida e resolver problemas reais. Serve à inércia, isso sim. Se um prédio desabou, de qualquer lado que eu esteja verei os escombros.

E como hoje é primeiro de abril, vale lembrar que usar a relatividade como escudo é uma forma de  empanar a verdade e enaltecer a mentira.

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