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30 de out. de 2013

Caminhando em círculos


Cada qual escolhe o seu caminho. Tranquilo. A dificuldade surge quando a coisa acontece em massa.

Posso derrubar uma árvore. O mundo não vai se acabar. Posso abrir mão da eletricidade e passar a queimar umas toras sem problema. Acontece que se todos fizerem o mesmo teremos o caos.  Precisamente aí reside a minha queixa:  "os outros" limitam muito a minha liberdade.

Posso fazer qualquer coisa por pior que seja e a repercussão será mínima ou nula. Quanto mais insignificante eu for, maior será minha área livre de ação.  Minha liberdade é inversamente proporcional à minha relevância como personagem social. Quanto mais invisível, mais livre.  Maravilha!  O problema é quando aparece um monte de macacos de imitação querendo fazer o mesmo que eu faço.

O mundo é cheio de macacos.

É impressionante o leque de possibilidades que o "Só Eu" nos proporciona! O "Só Eu" é quase um deus!  Enquanto for "Só Eu", tá limpo.

Claro que também existe outro personagem muito simpático: o "Nada a Ver". "Nada a Ver" é aquilo que era proibido até um dia desses mas agora liberou pra "Todo Mundo". Ninguém precisa se preocupar com o "Nada a Ver",  mas o "Só Eu" precisa ficar sob severa vigilância.

O  "Nada a Ver" beneficia a todos, mas o "Só Eu"  é para uma galerinha bem reduzida. Trata-se daquilo que é vedado ao povão mas a gente pode fazer  discretamente porque, afinal, somos especiais e temos muita consciência das coisas. "Todo Mundo" não pode mas se for "Só Eu" não tem problema.

"Todo Mundo" é um ajuntamento de manés, tolos, pessoas sem consciência que sempre extrapolam e não sabem o que fazem. "Só Eu" não! O "Só Eu" é chique e informado, prevenido e consciente.

É aí que nos lascamos. Todo mundo quer ser VIP.  Todo mundo quer ser "Só Eu" mas ninguém quer ser "Todo Mundo".

Acho que as regras sociais mais modernas estão totalmente voltadas para estender a área de ação do "Só Eu".  Todos estão ansiosos e tendentes a esquecer o resultado de se generalizar condutas que não eram liberadas antigamente. Uma coisa puxa outra SEMPRE.

Um exemplo: "Só Eu" posso desrespeitar as autoridades. Isso é facilmente solucionado. Só que estamos caminhando para o "Todo Mundo" - e o Brasil está se tornando um lugar cada dia mais assustador para se viver.

Outro exemplo: a nossa tão cara liberdade sexual, estendida para pessoas dependentes, imaturas e frequentemente irresponsáveis - os adolescentes - tem gerado frutos muito amargos. Não adianta inventar pílula nem camisinha porque nada disso neutraliza um impulso tão primitivo como o sexo casual. E nada disso neutraliza a irresponsabilidade. Só existe um remédio para irresponsabilidade: rédea curta. Mas ninguém gosta dele - nem eu!

A verdade é que todos achamos que podemos fazer o que quisermos porque sabemos o que estamos fazendo. "Eu sei gerenciar isso!"  "Todo Mundo" diz o mesmo e todos sabemos que não é verdade.

Você passa a juventude fazendo planejamento familiar e idealizando a aposentadoria e uma velhice legal - para mais tarde se deparar com uma filha grávida que vai lhe impor algo que você não escolheu, não se preparou, não quis. Vai lhe impor um tipo de vida que você já cumpriu, já venceu, não quer mais. Então a momentânea liberdade dela encolheu a sua liberdade para sempre. Acho que não foi uma troca justa. Eu preferia aquele tempo em que a momentânea limitação dela assegurava a liberdade tanto da mãe quanto da filha.

Semáforos e esquinas estão repletos de crianças não planejadas, geradas por pessoas "livres que sabiam muito bem o que estavam fazendo".   Caímos no conto. Posso estar enganada, mas parece-me que na época em que os pais vigiavam os filhos e os controlavam não havia tanta criança abandonada.  A regra não era nada agradável no varejo mas era excelente no atacado.

Não existem leis para o "Só Eu". O que sempre existiu foram regras pra "Todo Mundo" mas que o "Só Eu" desrespeitava sem grandes alardes, por debaixo dos panos e a repercussão era pequena em termos sociais. Tais regras nunca foram 100% respeitadas mas enquanto ainda havia algum controle o mundo era melhor.  No tempo em que o adolescente só saída de casa com autorização, tinham hora pra chegar e precisavam dar satisfação de tudo, havia menos assaltantes, menos viciados, menos gente estuprada, menos gestações involuntárias, menos gangs.

Tenho pensado muito nas regras "idiotas e repressivas" que vieram de um passado longínquo e misterioso. Será que elas surgiram do nada, sem uma motivação explicável? Ou foram criadas em resposta a algum problema social muito real, complicado e grave, que tirou o sono dos nossos antepassados?  O que levou aquelas sociedades "antigas, rudes e repressivas" a abrirem mão de tantas liberdades?  Será que foram forçadas a tomar o remédio amargo para reverter um mal maior?

É muita pretensão da nossa parte achar que sabemos como era o mundo a sete mil anos atrás - por exemplo. Por mais que vejamos documentários, tudo não passa de especulações.  Há muito, muito tempo atrás, provavelmente o mundo era um ambiente estranho, irreconhecível.


Talvez a herança que as civilizações antigas deixaram para nós tenham sido essas "regras idiotas e incompreensíveis", que nada mais são do que a reverberação de broncas monumentais que explodiram naquela época remota. Aí as sociedades aceitaram as limitações, as regras, as proibições... e depois de muito tempo os problemas foram sendo sanados. Ufa!

Contornaram a coisa... mas as regras permaneceram, até por força do hábito. E viraram tabu. Como o problema não existia mais, as gerações posteriores começaram a achar que aquelas regras eram gratuitas, não tinham sentido algum pois pareciam não ter qualquer relação com a vida real.

Talvez  as categorias de pessoas que recentemente se sentiram prejudicadas por tabus repressivos tenham trazido tanto, mas tanto problema no passado, que os antigos aceitaram fechar um acordo que limitaria a liberdade, mas pelo menos salvaria a sociedade. Os tabus podem ter sido a salvação da lavoura em tempos idos. Chato pensar isso, mas é uma possibilidade.

Mas aí "Todo Mundo" ficou com inveja do "Só Eu". Claro. Então brotaram do chão teóricos de toda espécie para provar por A+B que aquelas regras eram esdrúxulas. E o povo acreditou, claro, porque a gente acredita sempre no que nos convém.  Que não quer ser "Só Eu"?

Deu no que deu. Acho que estamos criando um mundo propício ao ressurgimento de todas as ervas daninhas do passado. É algo parecido com o mosquito da dengue: todos pensavam que tinha sido erradicado mas agora as condições se tornaram totalmente favoráveis ao seu ressurgimento.

Nossa sociedade está se deteriorando de tal forma que finalmente vamos entender o motivo daquelas regras limitantes do passado.   Vamos ter o "privilégio" de ressuscitar diversos fantasmas que terão grande prazer em nos explicar o motivo de tudo aquilo.  Muitas gerações se passarão até que alguém tenha coragem de admitir a mancada e colocar limite na permissividade ensandecida de hoje.

Não estou advogando nada. Apenas gosto de fazer uso da minha imaginação.

Por mais que minha hipotética teoria se provasse verdadeira, ainda assim nossas ânsias animais nos impediriam de lhe dar ouvidos. Sei que assim é porque assim sempre foi.

Mas vamos que vamos. Nosso destino é mesmo andar em círculos.


14 de out. de 2013

Bola de cristal

Atualmente muita gente já perdeu o direito de dizer desaforadamente "eu não tenho bola de cristal!"  Temos bola de cristal sim.  Não exatamente redonda.

Nosso querido tablet!  Elegante, precioso, fininho e de superfície tão lisa quanto a da bola.

O que uma bola de cristal faz que meu tablet não faz melhor? Só para começar: nunca vi bola de cristal mandar  documento para impressão. Nem arquivar nada.

Você deve lembrar de como era falho o software das bolas de cristal: as coisas apareciam enigmaticamente na "tela" de forma meio turva, estranha, depois de muita invocação. E o enigma ainda tinha que ser interpretado. De "revelação" pra "dica falsa" era um pulo.

As bolas travavam mais que Windows Explorer e não havia a colher de chá das janelas. As bruxas - ou ciganas, dependendo da idade - ficavam de plantão esperando alguma coisa mais esclarecedora aparecer. Claro que se você quiser pegar uma promoção da TAM vai passar por coisa parecida, mas o tablet nos possibilita acessar uma pesquisa enquanto bisbilhotamos outra coisa em outra aba. As bolas de cristal não tinham abas.

Em sua telinha iluminada podemos observar o mundo em tempo real. Não é mágico?  Podemos ver e nos deixar ver.

Mas há um item para o qual o tablet perde pontos para a bola de cristal:  no quesito "místério". (Ou não. A sua vó talvez lidasse melhor com a bola...)   De qualquer modo é verdade que havia todo um clima nebuloso ao redor da bola. No tablet é tudo muito curto e grosso. Até guris suados com média 4 no colégio dão conta do recado.

Seguindo um pouco mais com o raciocínio: vocês já viram como é incrível a quantidade de magias que viraram tecnologia? A quantidade de feitiço que virou ciência é assustadora.  Ou somos gênios ou merecemos, todos, a fogueira.

Estamos vivendo em uma época de grandes revelações. Nossos antepassados nos considerariam serem misteriosos. Lamento demais não ter a chance de me exibir para eles.  A tecnologia é algo tão empolgante que não deixa de ser uma afronta ainda termos que nos deparar com problemas como coleta de lixo e cocô de cachorro. Estamos na era das luzes, do poder da comunicação irrestrita! Posso ouvir vozes, ver sem estar lá, comunicar-me com alguem do outro lado do planeta, sondar. Hoje é possível entender que todo o mistério em torno de Joanna D'Arc tinha um nome: bluetooth.  Pobre Joanna D'Arc...  A velharada da época não entendeu o lance. Ela, por sua vez, não soube explicar. Deu no que deu: tostaram a menina.  Hoje ela posaria patricinha high tech, garota antenada e tal.  Aprenda de uma vez por todas: é muito mais seguro dizer que está recebendo mensagens por bluetooth do que atacar de "estou ouvindo vozes." Faltou malícia à garota.

...  Isso me leva a pensar que qualquer apresentador de telejornal mereceria a fogueira também, se fosse para sermos justos.

Outra conclusão: ateus, os profetas não eram malucos! apenas estavam de posse de uma tecnologia avançada demais para a época. Eles só tentaram explicar a experiência de uma maneira mais simples. aí vem vocês, desinformados, querem fazer com o nome deles, figuradamente, o mesmo que os religiosos fizeram com Joanna D'Arc - ao pé da letra.

Qual a diferença entre um tablete e uma bola de cristal?  A principal é que o tablet foi liberado pela igreja e pelos ateus. Depois de longas reuniões decidiram que não era questão de fé, então passa.

Estou até pensando em sugerir a criação de um tablet em forma de globo, só para provocar as mentes empedernidas. A dificuldade seria conciliar a ideia de "tablete" com a de bola. Mas confio na capacidade dos nossos cientistas. Se tiverem algum problema com coerência ou "idéias conflitantes" basta chamar algum político para contribuir com o projeto.


E por falar nisso...  Estou começando a achar muito suspeita aquela história de Moisés descendo do Monte Sinai com  duas "tábuas" contendo os mandamentos. Para ser uma aparição tão impressionante a ponto de passar para a história, com certeza não se tratava de Moisés descendo do monte com dois pedaços de pedra. Eram tablets sim! Outro indício: quando Moisés se aborreceu, jogou as "tábuas" no chão e elas não prestaram mais pra nada. Se fossem mesmo de pedra ainda dava para consertar.

Vai ver que o túnel do tempo sempre existiu. Adoro acreditar nisso!

Como podem notar, hoje tirei o dia para desvendar mistérios.



2 de out. de 2013

Não é o que dizem por aí, mas...

Estou cada vez mais convencida de que amor não tem nada a ver com sexo. Sério.

 Quanto mais eu penso sobre isso mais convicta me torno: o amor é espiritual, imaterial, é do outro mundo, de outro nível. Amar é ter a compreensão subterrânea do que jamais entenderemos.

O fato é que ninguém, quando ama, ama o corpo. A gente ama uma coisa que está lá dentro do corpo, escondida. Por isso queremos ficar sempre juntos e acabamos nos comportando como se quiséssemos entrar no outro. É que instintivamente temos a esperança de achar o lugar secreto onde aquilo que amamos está escondido.

É um fogo chamando outro fogo; são duas energias se puxando. O amor ama o amor.

O sexo é o equívoco disso tudo. O sexo só acontece porque o corpo vai junto, de carona, nessa viagem. Acontece quando as almas amantes, ansiando por estarem unidas, se aproximam. Aí os corpos, mesmo não entendendo nada, se inflamam e roubam a cena por alguns minutos.

O sexo vem sem querer. As ânsias do amor são diferentes mas como quer proximidade acaba atiçando o corpo.  Então, claro, os dois corpos se aproximam, porque, mal ou bem, é no corpo que a alma está presa. A alma não tem como não levar o corpo junto. Ele vai, sem entender nada. Aí as pessoas se abraçam ...e os corpos se acordam. Os corpos  não conseguem se comportar de outra forma quando são estimulados.


O amor sobrevive ao sexo. Quando dois velhos se abraçam, o desejo da alma deles é o mesmíssimo da juventude. A alma não fica velha nunca.. Então eles novamente se abraçam, na mesma sede e ânsia, só que agora os corpos não interferem mais nem tentam roubar a cena.

O corpo se gasta e acaba, mas a chama continua intacta Quando o corpo murcha, fica mais evidente ainda que sexo era uma concessão, uma distração, mas não tinha nada a ver com a história.

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