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25 de jan. de 2021

Meu diário, minha pirâmide *


Há anos que quase começo a escrever um diário.  Antes porém passo um tempão imaginando o caderno que vou comprar. Depois me pergunto: por que não um virtual?  Hoje em dia é tudo na internet. Mas diário de internet não tem o mesmo charme do diário de papel.  Diários são registros secretos que existem justamente para ser encontrados. Se Anne Frank tivesse feito um diário virtual ele jamais teria sido encontrado. E se fosse estariam até hoje discutindo se era dela mesmo ou não.

Não, diário de moral é no papel. Caderno capa dura e de preferência sem linhas.

Decidi que quero um.

Diário é uma coisa bem íntima. É o receptáculo do nosso eu inconfessável.  Lá estão nossas confissões e sonhos, desilusões e vaidades. Lá estão impressões e opiniões que depois mudarão radicalmente, e delas nos envergonharemos.  Por que escrever algo que posso me envergonhar depois? Não sei. Aprendi que nessa vida a gente precisa de um monte de coisas das quais não precisa.  E teorizar demais é inútil.  

Sim, há coisas humilhantes que precisam ser ditas e em seguida caladas.

Todo diário é como uma pirâmide:  tanto esmero em fazer, em decorar e encher de tesouros. Pra quê? Pra enterrar tudo no deserto. Qual o sentido? Não sei. Talvez o sentido seja a esperança inconfessável de ser encontrada, descoberta, decifrada. Ah, a estranha necessidade de fazer e ocultar, revelar e sonegar.  E a esperança não dita de um dia renascer nos olhos de um apaixonado por histórias. 

Essa é a função do diário: guardar e revelar. Registrar pra esconder. Não me pergunte de novo.

Por isso nunca escrevi um: porque ainda não havia entendido essa contradição.  Agora entendi. Sou uma pirâmide. 

Talvez só por hoje eu tenha concluído o seguinte: um diário é para ser lido sim. Ponto final. A gente quer que alguém se interesse tanto por nós a ponto de violar aquele frágil cadeadinho. Somos como a mocinha antiga que, por pudor, não se permite beijar mas sonha romanticamente com o homem que a desejará a ponto de ignorar regras e roubar-lhe um beijo.  

Mesmo assim todo diário é secreto.

Se é secreto, pra quê escrever? Se não é secreto, pra quê ocultar?

A gente escreve um diário para alguém. Alguém que não sabemos quem é ou quem será mas é alguém muito querido.   Ele lerá com total interesse todos os meus suspiros e impressões. Todo diário é uma homenagem a esse alguém que, ao contrário de milhares, quis saber como me sinto.  

Escrever um diário é dizer para si mesmo que essa pessoa existe. Ou existirá. Pensar nisso deixa tudo muito mais relevante. Esse alguém vai sentar quieto, cheio de tempo e boa vontade, e vai se interessar pelo que digo.  Sua curiosidade virá com simpatia por tudo o que está ali, em suas mãos. Ele estará propenso a concordar comigo e acolher minhas ideias. Será uma propensão carinhosa, gentil. Ele vai achar interessante a minha visão do mundo mesmo que não concorde. Folheará minhas páginas com cuidado para não se soltarem, de velhas que são. 

Talvez isso leve anos para acontecer. Tomara que leve. Mas seja quando for, meu espírito estará por perto. Vou sentar no ladinho só pra ver o jeito dele, essa pessoa sem face.

É, vou escrever um diário.  Vou amanhã comprar um caderno bonito e começar. 

Obviamente será tudo pra ninguém, pois é segredo. 

Obviamente será para aquela pessoa, pois eu sou uma pirâmide.

17 de jan. de 2021

Obs

Tenho republicado textos antigos misturados com os recentes. Noto agora que isso é um erro. Atrapalha a percepção da mudança sutil que o tempo causa nas ideias, na maturidade.  Bagunça tudo. Fica parecendo que tenho surtos repentinos, mudanças drásticas de estados de alma.  Acredite: não sou assim. 

Mas para quem estou explicando isso? O que importa?

Quando as bolhas espocam *


Não, eu não sou escritora. Tive uns surtos tempo atrás mas perdi a mão. Perdi o trem. 

Houve vários trens em minha vida e todos se foram.

Há um momento ideal para as coisas acontecerem. Elas se insinuam, brilham, permanecem suspensas por alguns momentos no ar e por fim espocam sem muito alarde.

Revirei meu blog desde o início. Descobri que lá atrás, no começo, eu escrevia muito, mas muito mal. Ridiculamente. Desejei apagar aquele monte de banalidade mas não o fiz.  Não consegui me renegar. Acho que me amo. 

Pois bem, segui viagem e percebi minha fase áurea.   Vi o tempo quando "as coisas estavam suspensas no ar" sorrindo e me convidando a seguir em frente, me aperfeiçoar. Evoluir.  Crescer. Tirei do sepulcro uns textos muito bons, de minha autoria. Tão bons que humilharam-me enormemente. Olharam-me de cima para baixo, meteram o dedo em minha cara e disseram: acabou pra você.   Foi uma coisa pesada perceber que a fertilidade passou e alma também envelhece. Não me sinto mais capaz de escrever nada com aquela qualidade.  As bolhas espocaram e fiquei aqui, com o copinho de sabão na mão, sem ação.

Sinto certa saudade daquela Cristina angustiada que escrevia coisas mais sensíveis. Até porque a angustiada tinha uns acessos espirituosos. Eu gostava dela.

E aqui estou eu, com a sensação estranha de que não adianta correr atrás. Que a vida segue sempre em frente e isso não é necessariamente bom.  Em algumas estações ela deveria parar um pouco, mas não para.   

Só tenho então o computador diante da cara e um impulso tênue de dar mais uns passos só pra não perder muito o jeito de andar. Preciso continuar mesmo que não valha nada, que ninguém queira nem precise.  É uma espécie de missão que tenho que cumprir, com ou sem glória.   Porque a vida continua marchando feito louca e ela não quer ser esquecida. Ela quer que eu a registre mal ou bem, para a minha glória ou humilhação.

Pois registro sem glamour que é noite, tenho azia e cansei de querer coisas. Olho para trás e vejo tristezas. Sim, há alegrias bem risonhas, mas os véus da tristezas não saem da frente e atrapalham um pouco a olhada. O futuro é um fim-de-festa onde não preciso me preocupar em limpar o salão. Só quero tirar os sapatos e tomar um banho.  E ninguém quer saber o que virá.

Nada incrível vai acontecer amanhã. O que tinha que ser, já foi. E isso é tudo.

O nudistas e suas contradições

Vou direto ao assunto:  

Acho que a prática do nudismo é uma tentativa meio boba de nos fazer crer que é possível apagar de vez o significado das coisas em nossa mente.  É querer voltar a um estado de inocência ancestral que  nós mesmos jamais experimentamos. Um lugar onde a sociedade moderna jamais esteve. A não ser na infância. E não somos mais crianças.

É como ver um filme erótico e dizer "estou só curtindo a trilha sonora." Ah, vá!


A postura da garota que tira a roupa em público é mais sincera. Ela sabe como as coisas funcionam e não esconde suas motivações. Está lá para ser desejada, excitar  aos outros e a si mesma. E pra ganhar uns trocados, muitas vezes. Ela não precisa de desculpas. Tira a roupa por vaidade, porque sexo é bom mesmo ou por dinheiro. Ponto final.

Os nudistas, me parece, são o contrário disso. Ficam brincando de índio como se nossa reação à nudez fosse a mesma. 

Acho uma coisa boba quando algumas pessoas volta de uma "seção de nudismo" se gabando de que olhou, olhou e não sentiu nada. E desde quando isso é um bom sinal?!  Aos que se gabam de não ser afetados pela nudez alheia tenho a dizer: se for verdade, meus pêsames. Se for mentira, meus pêsames também. 

Confessemos: ficar pelados, para nós, remete inexoravelmente a sexo. Qual o problema? E se para você não funciona mais assim, procure um médico.

Nós já perdemos muitas coisas boas ao optar pelo modelo de sociedade atual.  Não precisamos perder mais isso: o significado na nudez e as suas deliciosas implicações.   

Quer ficar igual aos índios? Acabem com os impostos que é mais negócio.

A tesão na nudez é  uma vantagem que levamos sobre os selvagens, as crianças e os velhos. Selvagens e crianças tem a vantagem de não poder ser condenados por crimes. E os velhos furam todas as filas. E nenhum deles trabalha. Pelo menos os enfeites e climas do sexo nós temos como vantagem. 

A nudez como a vemos é uma imposição cultural?  Sim. E daí? Qual o problema? A pimenta na comida também é um invento cultural. Mas a comida não fica mais gostosa? Então! 

Uma coisa que não entendo: eles dizem que só querem entrar em maior contato com a natureza. Mas ir à praia ou às montanhas ou à selva não basta? Não entendo por quê arriscar  as reentrâncias na areia poderia  deixar alguém "mais natural".   A menos que a pessoa esteja presa dentro de uma garrafa, ela estará em contato com a natureza mesmo usando biquíni.

Entendam: meu discurso não é moralista, pelo contrário. Quero é que as pessoas sejam sinceras consigo mesmas.  Vamos parar com  o faz-de-conta? Bora assumir nossa libidinagem de cabeça erguida - sem trocadinho.

A parte mais ridícula disso tudo: por quê os nudistas se sentem insultados quando um nudista tem ereção? Qual o problema de ter ereção? Cavalo não tem? Cachorro, porco, urso, gato, touro... Não é tudo natural?   É ou não é natural? Se eles fossem tão sem malícia assim veriam com naturalidade um marmanjo excitado. Se para você esse lance incomoda, então pare de se fazer de inocente. Se tudo é natural, então tudo é natural. Se não é, então tire a máscara e assuma a sua safadeza.

O resumo é que eu acho que nudismo não passa de um surubão mental camuflado de naturalismo.  Ninguém tira a roupa na frente dos outros sem um propósito claro ou dissimulado.

Fora toda essa discussão, o que não me sai da cabeça é o fator higiene.  Sinceramente eu não comeria um churrasco em um local de nudismo feito por um cara pelado, com o pinto quase encostado na mesa. Ou uma mulher, com aquele negócio rondando a farofa e a carne.

Você pode me chamar de maldosa. Pode ser, mas me assumo. Sugiro que você faça o mesmo.





6 de jan. de 2021

POLÍTICA: esse Lego infinito



Se formos ler, nos inteirar de tudo e tentar  interpretar todas razões de um lado e todas as manobras do outro,  possivelmente chegaremos a algum lugar da realidade. Ou a algum lugar da loucura.

Prestemos atenção aos acontecimentos, tanto aos chamativos aos banais. Cada um deles é como uma peça de Lego. Podemos linkar à vontade  cada uma delas e depois afirmar com muita certeza que descobrimos a verdade, que as peças não são aleatórias  e que tudo faz sentido. Sim, elas formam uma torre. Mas então chega mais alguém que desmancha tudo o que montamos e com as mesma peças  constrói outra coisa completamente diferente. Em seguida afirma que estávamos enganados. 

Com as peças que temos podemos montar tanto um caminhão quanto um castelinho. Ou quem sabe uma caravela. Qual a verdade?


Leis, decisões do governo, manifestações culturais, contratos firmados, venda de estatais, compra de empresas, namoros, contratação de fulano ou beltrano,  reivindicações de grupos de pressão,  manifestação do artista tal...  Tudo são peças misteriosas que precisam ser estudadas.  "Tudo faz sentido"...  Um sentido incrível, velado, misterioso às vezes. E o tal "sentido" tanto pode ser real quanto algo delirante.  

Qual a figura real? Não sei. Ninguém sabe. Acontecimentos aleatórios espalhados podem ter o formato que  nossa imaginação permitir:  revolução, golpe, contragolpe,  nova ordem, velha ordem, volta do império, redução populacional, venda do país, escravização velada, Castelo de Grayskull, comunismo, nudismo, islamismo, liberalismo... 

Depois de chegar a um resultado aparentemente razoável ainda podemos partir para o "tira-teima" e continuar  experimentando novos encaixes. Então novos mistérios serão revelados. Ou novas maluquices.  Um choro,  uma topada, um aperto de mão muito suspeito,  um contrato apressado, um encontro fotografado ,  uma viagem em meio de semana , um gesto diferente... tudo isso pode significar a ponta do chifre de um monstro malocado debaixo do nosso assoalho.   Em tudo pode haver motivação maligna. Cada som pode ser o último acorde antes da meia noite. Estamos todos salvos ou estamos todos condenados. 

Quem está usando quem? Por quê e desde quando? Insuflado por quem? E a que preço?  E depois disso, o que acontece? Qual o plano secreto? De onde exatamente vem a pressão? 

Podemos brincar disso para sempre mas nunca saberemos se o que "descobrimos" é a expressão da verdade ou da doidice, quem usa quem e para onde vamos.

Cansa.

4 de jan. de 2021

SOBRE ABORTO

Caso alguém esteja interessado em saber o que penso sobre isso:

1) Um bandido atrapalha nossa vida muito mais do que uma criança indesejada. E sai mais caro para a sociedade. Se o aborto é válido então a pátria "mãe" deveria também ter o direito de elimina-los.  Defender o aborto É DEFENDER A PENA DE MORTE.  O cúmulo da incoerência é achar que um assassino tem mais direito à vida do que uma criança inocente. 

2)  Liberar o aborto é liberar o estado para matar COM O MEU DINHEIRO.  Não acho justo ser obrigada a pagar pela trepadinha alheia.

3) "Aiinnn!  É pra salvar a vida de pobres mulheres que morrem em clínicas clandestinas!"   Ora,  se a vida do bebê não importa, a de sua assassina importa menos. A morte da mãe não é mais trágica do que a morte do bebê.

4) Quem foi o "p%$& das  galáxias" que decidiu que a vida da mulher que quer eliminar o filho vale mais do que a vida da criança?    Vida por vida, entenda que empatou.  Ora, se empatou e alguém vai ter que morrer,  não estamos discutindo sobre "salvar vidas".  Bora parar de hipocrisia.  A briga aqui é pelo direito de trepar e mandar a conta para os outros. 

5) E se eu fosse pobre e me visse grávida sem condições de criar a criança? Primeiro eu ia entender que fui muito BURRA, pois existem muitas formas de evitar uma gravidez. Segundo: se eu abortasse,  ISSO NÃO TORNARIA O ATO MORALMENTE VÁLIDO. 

6) "Eu fiz" ou "todo mundo faz" não transforma o mal em bem. Se eu abortasse, eu o faria sabendo que cometi uma maldade.  

7) "Aaiinn! Se você fez um aborto  você não pode criticar quem faz! É hipocrisia!"   Não. Um assassino não passa a ter obrigação de lutar pela descriminalização do homicídio.  O ladrão não tem o dever "moral" de defender o roubo só porque ele mesmo roubou.

8) "Ah, mas a mulher rica faz e fica bem na foto.  Pobre só se lasca ". É.  Descobriu agora que quem tem dinheiro vive melhor?  Se você não tem "bala na agulha" esse é mais um motivo para ser responsável.

9) Aborto liberado onera o sistema de saúde que eu pago. 

10) Aborto é o tipo de crime a que qualquer um de nós está sujeito a cometer? Sim, como todos os demais.  Mas nem por isso deixa de ser crime. 

11) E tem mais. Tem a situação dos homens.  Por que a mulher "não é obrigada" a ser mãe mas tem o direito de obrigar o homem a ser pai?  Se a mulher não é obrigada a ter o filho e é livre pra eliminar a criança,  então o homem deveria ter o mesmo direito de só ser pai quando quisesse.  Se ela não é obrigada,  ele também não deveria ser. Os direitos tem que ser iguais.


Bokeh - As pessoas *

Acabei de assistir o filme Bokeh. Logo em seguida tive uma ótima ideia: escrever a respeito. Mas alguém pensou nisso antes de mim, claro.  Dei uma procurada na internet para ler algo a respeito. Encontrei principalmente AQUI  mas também aqui, no "Dicas de Cinema":

"Não é um filme brilhante, arrebatador, de grandes emoções, mas é algo bem feito e que pode propiciar um estudo interessante da natureza humana. Das necessidades imediatas e daquelas que são fundamentais para o ser humano. O que é imprescindível, afinal?"

Bem, metade de tudo o que eu diria já estava lá, desconcertantemente exposto. Sendo assim fui poupada do trabalho exaustivo de primeiro explicar para vocês do quê se trata a película.  Ótimo, vamos  pular logo para os "finalmentes".

Possivelmente não era intenção do idealizador do filme que ele tivesse uma "moral da história".   Parece que ele só queria mesmo instigar.  Conseguiu. Mas fui além: achei uma "moral da história" por minha conta. Ei-la:

Por pior que pareça ser o nosso próximo, por mais desprezível que seja o vizinho e mais chatos os nossos parentes; por mais insuportáveis que sejam determinados povos e determinados conhecidos, a vida seria insuportável sem eles. Não necessariamente por motivos práticos de subsistência mas por questões emocionais.  O emocional sustenta tudo.

Quando pensamos em um cenário de fim do mundo só nos preocupamos com água, comida, abrigo, energia. Coisas práticas e palpáveis para a manutenção da vida. Tendo isso geralmente pensamos: problema resolvido. Pura ilusão.

Não havia na história um personagem solitário, mas um casal jovem e bonito com o mundo todo aos seus pés. Não bastava? Não seria o suficiente?  Juventude, beleza, companhia, amor, saúde, alimento, acesso livre a todos os bens mais cobiçados dessa vida, as roupas mais lindas, joia, todo o conforto e a possibilidade de morar na casa mais linda que eu escolhesse.  O que mais alguém poderia querer? É o auge da felicidade e da satisfação humana! É o retrato de uma vida perfeita! Não é?   Para a minha surpresa a resposta foi NÃO.  Se não existirem "as outras pessoas" esse mundo perfeito será o retrato do inferno.  Nada, absolutamente nada parece ter sentido sem "as outras pessoas".  

Antes desse filme eu ainda não havia percebido isso de jeito nenhum.  No filme a gente sente fome e sede de ver gente. Chega a ser aflitivo.  Nada, nada, nada faz sentido sem os vizinhos, os transeuntes anônimos, o taxista, o moleque correndo, a turma no bar, o avião passando, alguém falando no rádio, o vendedor de picolé, a colega que acena, a velhinha na janela, o ônibus cheio, as dez pessoas na marquise esperando a chuva passar, o cortejo fúnebre, a noiva atrasada, a fila na bilheteria, o bebê...  A vida tem que estar em todo lugar, não só na gente. E se não há outras pessoas nós vamos murchando por dentro até desejarmos a morte por puro desespero de solidão.

Estou até agora surpresa comigo mesma por ter demorado tanto a perceber isso.  Eu preciso das pessoas até mesmo para elas me encherem o saco porque  disso é feita vida.  Há uma dinâmica encantadora até no desagradável.  

Segundo a Bíblia morte não significa inexistência. Morte significa separação eterna.  E "morte eterna" (separação) é o outro nome do Inferno.  


Desliguei a televisão e me senti reconfortada por ver carros passando, gente na rua, mensagens no celular, vizinhos. Eu não aguentaria o peso de seguir em frente sem eles. Sem você.

3 de jan. de 2021

Floresta âmbar *



 Essa imagem me fez lembrar de um sonho que tive há muitos anos. Muitos anos. Nem lembro quantos. 

Eu estava em uma floresta maravilhosa. Sozinha. Era noite completa, escura e estranha mas eu conseguia ver claramente tudo ao redor: as árvores, o riacho, as folhas, o chão.  Não lembro se sentia medo. Só lembro do meu deslumbramento com aquele lugar. Era como se tivesse finalmente entrado em um mundo mágico. Eu estava ali e aquilo era a prova de que tudo o que li era verdade. Nunca estive ali antes mas o lugar me parecia de de certa forma familiar. 

"Eu sei do que se trata, mas não lembro...preciso de mais tempo aqui."  

Eu não sabia se havia mais alguém ao longe ou se eu estava ali com algum propósito.  A impressão era de ter caído aleatoriamente naquele outro mundo. 

Não sei se os elementos ao redor era fluorescentes... Não, não eram.   Eu não via foco de luz algum mas era possível enxergava tudo, como se um holofote cor de âmbar iluminasse ao redor de onde eu estava, de baixo para cima. Era tudo muito escuro mas para onde eu olhava havia uma misteriosa iluminação.  Era tão comovente! Era como se as árvores percebessem a minha presença. Havia ali uma possibilidade real de aventura.  Eu realmente precisava de mais tempo ali.  

Agora, ao lembrar, parece-me que aquela floresta estava dentro de mim como um subproduto de todos os meus sonhos, leituras e sentimentos. Ela foi criada inadvertidamente ao longo dos livros que li. Então, numa noite, com a alma vagando distraída,  entrei acidentalmente por um portal que me levou àquele lugar de onde bem poderiam surgir  de repente princesas e bruxas.  

Ah, eu daria tudo para voltar lá e finalmente descobrir. Descobrir o quê? Descobrir o que houvesse para ser descoberto. Porque havia aquelas árvores enormes cheias de saberes, com um silêncio típico de quem quer nos cantar alguma coisa proibida. Havia pedrinhas e riachos, olhos e negritude profunda. E tudo sabia de "algo'.

A saudade daquele lugar era como a saudade de uma pessoa. E agora, enquanto escrevo, sinto tudo de novo. 

Talvez fosse mesmo algum lugar da minha alma.



 

Fome adormecida *

Não é só a música que pode tomar forma em nossa mente. Percebi hoje que o silêncio também pode ser formulado e "ouvido" dentro de nossas cabeças. É por esse motivo que essas imagens me trazem paz. Uma paz gostosa e um tanto melancólica.

Quando "ouço" esse silêncio dentro de mim, criado pela contemplação de imagens como essa, aí me dou conta do tanto de barulho que me rodeia e do quanto preciso, desesperadamente, de solitude e silêncio. 

Algumas necessidades nossas só são notadas quando provocadas. É como quando passamos em uma padaria e sentimos de repente o cheiro do pão fresco. De repente nosso paladar acorda, tudo acorda. Não sabíamos que estávamos com fome. Não se trata de gula. Estou falando de "fome adormecida". 

Há fomes que adormecem em nós por pura distração. Excesso de atividades, de passa-tempos ou de barulho. Muito barulho desconecta nosso cérebro do nosso corpo. É isso que acontece. Estranho percebermos de repente que estávamos dormindo, enganando nosso corpo, nossa alma. 

Quando nos apaixonamos também é assim. Abrimos os olhos e percebemos que não estávamos vivendo. Parece que tudo o mais era em preto e branco. A vida era dormente e preguiçosa, indigna de qualquer arroubo. Aí a paixão aparece e o desespero da fome antiga ressurge. "Estou viva e com fome de vida! Como consegui ficar tanto tempo sem viver?!"

Esses "despertares" são tristes e alegres. Interessantes e angustiantes. Porque nada garante que não adormeceremos de novo. Porque quem adormece não se dá conta. 

Pois essas imagens me "desadormecem" para a necessidade urgente do silêncio, da contemplação, do "nada ouvir" a não ser estalos de galhos, zunidos de pequenos insetos e um passarinho lá longe. Meu Deus, como quero isso! Como preciso!

Tomar banho, colocar a roupa mais confortável do mundo, o perfume mais fresco e simplesmente ir, andar sem os pés doerem, respirar fundo, olhar ninguém ao redor. Depois parar em qualquer lugar mágico por tempo infinito deixando os olhos navegarem ao acaso.  E depois seguir em frente mais livre do que nunca. E,  quem sabe, voltar pra casa com a alma fresca.

Os sons do mundo são opressivos. E essas gravuras despertaram minha fome antiga. Acho que tenho dormido demais.

 

2 de jan. de 2021

Seremos todos condenados *



Li um dia desses que, possivelmente, as futuras gerações iriam nos condenar. Embora pareça obvio, fiquei magoada assim mesmo ao pensar em todos os  bebezinhos de hoje transformados em marmanjos julgadores apontando não mais o dedinho, mas o dedão contra nós, frágeis velhinhos. Logo nós, que até tomamos banho mais rápido só para que tenham água no futuro. Nós, que fomos obrigados a abrir mão de comer baby beef para dar o exemplo, tiramos do cardápio as mussuãs, voltamos a lavar copos para não poluir  com descartáveis. Tanta renúncia e eles ainda vão nos condenar no futuro. Bebês ingratos!

Tudo muda e tudo se repete. Não é estranho?

E por quê haveríamos de ser condenados, você perguntaria?  Primeiro porque todo mundo gosta de criticar os mais velhos e jura que faria tudo diferente.  Outro motivo é que como algumas coisas consideradas normais ontem são consideradas absurdas hoje, esse fenômero tende a se repetir.  Antigamente era muito bem aceito possuir escravos porque nem alma eles tinham, ora bolas! Hoje ninguém as tem, então empatamos. Continuamos a ter escravos como antes, mas hoje ninguém mais admite que não tenham a carteira assinada. Isso é evolução.

Marido bater na mulher? Grandes coisas, antigamente! Mas hoje isso não é mais aceito - embora a Justiça tolere bem quando a mulher bater no marido.  Antigamente também era normal os pais baterem nos filhos - que horror! Hoje evoluímos: só os filhos podem bater nos pais.

Hoje em dia ninguém mais deforma os  próprios pés  como as chinesas de séculos atrás. Nossos pés estão incólumes, mas não podemos dizer o mesmo de nossos rostos. Pelo menos ficamos sabendo de antemão que no futuro vão ridicularizar nossas plásticas e botoxes - estamos livres de levar sustos. Minha curiosidade é: o que será deformado futuramente?

Nada como um exercício de imaginação: o que será que nós fazemos hoje e que não será tolerado amanhã? Tenho minha própria lista de palpites:

1-  Não será mais tolerado que uma única pessoa ocupe espaço utilizando um veículo onde caberia cinco mortais. Nossos bisnetos vão nos detonar quando descobrirem que fazíamos isso e ainda reclamávamos do trânsito. No futuro ninguém poderá desfilar com um monstrengo sem ser apedrejado por raio laser. Carro para um será carro para um, quase uma armadura em formato de simpáticos supositórios.  Mas em um futuro mais distante ainda acredito que vão abolir de vez os transportes particulares.

2- Embalagens de uso único? Nem sonhar! "Descartável" será palavrão. Quer comprar biscoito? Leve seu potinho. Quer refrigerante? Leve sua garrafa. E feijão, açúcar, até desodorante. Voltaremos ao tempo das tabernas. Favor não confundir com "tempo das cavernas".

3-   Com a multiplicação da população das mulheres modificadas, vamos chegar a um ponto de esgotamento. Os homens, enjoados da perfeição artificial,  vão morrer de tesão por mulher com peito caído, bunda murcha e ruguinhas. Peito duro = pinto mole.  Assim como hoje não existem chinesas de pés deformados com menos de oitenta anos, no futuro só as velhinhas remanescentes serão siliconadas, lipadas, botocadas e espichadas. E as crianças se espantarão com suas fotos.

4- Todos os nossos costumes em termo de política serão execrados. Vão criar um sistema mais justo e inteligente e rirão muito de nós, com nossas campanhas ridiculamente mentirosas. Os políticos do futuro serão eleitos por concurso público no qual será incluído um teste de DNA para escanear o caráter. Estarão proibidos de discursar. O exame de laboratório falará por eles.

5- Ficar 10 horas praticamente imobilizado em uma aeronave, viajando em condições angustiantes? Não mais. Um dia as aeronaves de hoje serão vistas como navios negreiros.  Os alunos da quinta série ficarão pasmos diante delas, nos museus. Nossos trisnetos ficarão penalizados quando descobrirem como eram os vôos da Gol.

6-  Nossos bisnetos também vão condenas os pais de hoje, que se deixaram manipular pelos filhos.  O caos social se agravará muito até descobrirem que permissividade é um câncer social. Lá no futuro vão ensinar nas aulas de historia que a ditadura dos pais resultou na ditadura dos filhos mas só agora (no futuro) eles conseguiram chegar a um meio termo aceitável.  Mas que os jovens e vão rir das nossas aflições vão, quando os professores contarem, a guisa de exemplo, que antigamente era comum um pirralho sem o menor juízo determinar o horário que seus pais podiam dormir ou  determinar se os pais podiam ou não sair sozinhos (sem eles) a noite.

7- Só não vão rir das nossas superstições. Seremos louvados!  Assim como os babacas de hoje reverenciam as superstições e crendices do passado, as futuras gerações olharão com reverência os pés de coelho de hoje.   Digo isso porque observando a nossa própria história dá pra concluir que no quesito "crendice" e "mistério", a tendência é que não evoluamos jamais.

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