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27 de mar. de 2017

TEMPO DE NÓS DOIS






Essa aí sou eu no exato momento em que estou sendo acometida de pensamentos relevantes. Das profundidades da minha mente criativa saiu o poema abaixo.








TEMPO DE NÓS DOIS

Hoje é o tempo de nós dois
A terra esteve gestante dessas flores
Por todos os longos anos
De nossa encubação
O universo desabrocha incontido
Em coloração maluca
Como jamais poderia se não fosse
O exato tempo de nós dois
É verdade absoluta
Que nunca fomos tão jovens
Nem tão encharcados de hormônios
Nem tão aptos a viver
Estamos ainda úmidos
Do longo parto que nos trouxe
Estamos recém saídos
E com frio um do outro
Deixaram-nos dormindo
Ao pé do mesmo riacho cantante
Da mesma sombra de seda
Onde nada sabíamos
Onde ficamos distraídos
Classificando novas cores
Até descobrirmos sem querer
Os olhos um do outro

Somos bolas de fogo
Cuspidas de explosão semelhante
E vagamos deslumbrados
Como estrelas novas
Nesse mesmo céu de primavera
É a verdade
Constante em todos os oráculos:
É essa a estação propícia
Note a ausência de galhos secos
E de folhas amarelas
Tudo é verde-desaforado
Esse é o tempo de nós dois
E todos os mundos
Floriram ao mesmo tempo
Nesse exato momento
Em que acabamos de nascer.
Não vês?

Cristina Faraon


22 de mar. de 2017

Simplória

É curioso notar a quantidades de bons textos que somos capazes de escrever quando estamos angustiados. É como se o melhor da nossa alma estivesse lá no fundo do tubo e pra sair fosse preciso apertar. A alma é espremida com a saudade, o ciúme, a solidão, o desejo insatisfeito, o medo... Tudo isso parece nos espremer e arrancar o que temos de  melhor.

"O que temos de melhor"? Talvez não seja esse o termo. Talvez o mais acertado seja dizer que essas coisas arrancam de nós o que temos de mais intenso.  Mas isso tudo não é o meu caso hoje. Estou absolutamente rasa, comum, reles. Estou descaradamente simplória. E como escrever um texto denso estando nesse estado de leveza descompromissada?   Como falar de coisas relevantes se só a simplicidade te encontra?

Podem me chamar de simplória mas vou dizer o que está me fazendo feliz atualmente:  adoro estar em casa. As tarefas domésticas estão me dando prazer. Claro, porque a chefa sou eu e só faço o que quero e quando quero e se não quero, não faço. Então se torna prazeroso arrumar a cama, afofar o travesseiro, guardar todas as roupas jogadas e ver o resultado: um quarto aconchegante e bonitinho que me convida a ficar. Claro que fico.  Então sento em frente ao espelho, conserto a sobrancelha, reviro uma gaveta, olho pela janela procurando nada lá fora. E sinto paz. O tempo está nublado, ouço ao longe uma serra elétrica (será isso mesmo?) e pequenos coqueiros competem com o concreto. Vejo um homenzinho pequenininho subindo no telhado. São dois! Estão trabalhando.

Ora bolas, por que a vida deveria ser mais do que isso?  Aí vou para a sala e sinto um prazer enorme ao ver as cores, as almofadas arrumadas, o violão, a maciez do sofá. Tudo ok, tudo arrumadinho. Delícia, vou tomar um licor. Depois lavo uns copos - copos que eu passei uma tarde escolhendo na Tok & Stok.  Uma vez lavados observo a água límpida escorrendo deles. Os copos brilham tranquilamente. Estão sorrindo. Sabem que são lindos. Adoro copos coloridos. Então bate uma ventinho gostoso vindo da janela e me trazendo o cheiro do sabão da roupa recém lavada. Delícia o cheiro da roupa limpa no varal!  Usem Ariel líquido: recomendo.  Suspiro fundo. Um pedaço de queijo, uma música do Spotfy, a lixeirinha decorada. Vou acender um incenso. Isso!

Adoro estar em casa cuidando das minhas coisas, vendo o congelador cheio de carne  e frango temperados. Não falta nada. Então me sinto feliz e vou para a minha micro-sacadinha.  De camisolinha mesmo eu olho para o céu e digo "poxa Deus, valeu!"

1 de mar. de 2017

Minha casa, meu casulo


Nem um pinguinho de fome
E filme? Não quero ver
A disposição me some...
Também não quero beber.

Há um livro longo e chato
Me esperando na estante
Eu me sinto como um gato
Que só quer estar distante

Visitas? Que não me venham
Não quero encontrar ninguém
Não estou triste ou alegre
Mas sei o que me convém:

Me convém ficar trancada
Nesse apê fofo e quieto
E também estar calada
Escrevendo algum soneto

Não estou angustiada
Não quero me divertir
Minha louça está lavada
Não tenho o que conferir

"Minha casa, meu casulo"
Quem não precisa de um chão?
Quero usar minhas roupas velhas
Sem causar boa impressão.

Com meu chinelinho roto
Circulo em meu micro-universo
Os convites eu boicoto
Compromissos? Desconverso.

E assim hoje me vejo:
Entre feliz e culpada
Como se roubasse um beijo
De uma pessoa casada.

O dia vai definhando
Sem emoção ou tristeza
E o que não foi terminado
Faço amanhã com certeza.

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