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29 de ago. de 2007

Quando acontecer


Quando você vier não será tarde demais, mas assim vai parecer.

Será em um dia-noite de céu cinzento, muito cinzento e ar pesado. Calor e frio em mistura opressiva, como febre. Frio por dentro, calor por fora e nenhuma roupa do mundo que amenize esse desconforto.

Hoje o mundo todo tem febre. A Terra está ébria.

A ninguém importa se é dia ou noite; o tempo já não se conta mais dessa maneira; os parâmetros estão desregulados - tanto o das estações quanto o da vida e morte e tudo o mais. O escuro e o claro vez por outra se chocam nessa estranha subversão de todas as coisas.

As pessoas não são confiáveis. Não porque não queiram, mas por estarem deixando de ser pessoas (no sentido mais doce do termo). E no mundo das coisas não há conceitos de moralidade. Aliás, não há conceito algum.

Os relógios não são morais. Talvez por isso estejam se transformando em deuses.
Mesmo amorais há o consenso de que são as únicas coisas confiáveis ainda existentes - embora ninguém se sinta reconfortado por isso. Como são quase deuses, todos os dias olhamos reverentemente para eles, nem que seja uma vez apenas. Ninguém sabe explicar exatamente por quê. Virou uma espécie de ritual. É estranho não fazer... e assustador quando um relógio para.

Os seres, andróginos.

As mulheres há muito deixaram de ser consideradas “caça”. Não são muito amistosas. Pisam duro e por questão de segurança mantêm-se magras.

Nossos homens-meninos são reprodutores assustados e também sozinhos. Geralmente trazem tatuados pelo corpo alguns símbolos representando força. Inutilmente.

As pessoas dormem atormentadas e sonham coisas inquietantes. Dizem que esses sonhos se devem a “memória genética”. Foi feita uma pesquisa e constatou-se que praticamente todo mundo tem sonhos recorrentes que guardam grande semelhança entre si.

As mulheres, geralmente, se vêem em invólucros úmidos, encolhidas como bebês no útero. Ouvem sons musicais profundamente emotivos e acordam chorando convulsivamente.

Os homens sonham com mulheres diferentes: roliças, meigas e comestíveis. Lembram as mulheres de hoje, mas parecem estar em etapa evolutiva anterior. Então acordam angustiados, sentindo saudades daqueles seios, coxas e carnes das fêmeas. Sentem uma falta angustiante de algo que foi posteriormente definido como aconchego.

Nos sonhos masculinos as mulheres tem um cheiro específico. Sabemos que isso não existe! Todas as pessoas tem o mesmo cheiro, independentemente da idade e do sexo.

Há também entre nós pessoas delirantes que afirmam ser isso causado por “espíritos inquietos” que se dedicam a atormentar os humanos com essas saudades inexplicáveis. Só não explicam bem o que seriam os “espíritos”. Mas todos sabemos o que é esse “inferno virtual”.

Por essas e por outras, as mulheres que ainda trazem características físicas que não evoluíram são mantidas em recolhimento como medida de egurança.

Há várias crianças gagas. Algumas são como gatos: ariscas e sobressaltadas. Muitas outras são hostis.

Bichinhos tristes.

Os bichos, todos eles, andam em bandos. Não como antigamente; os bandos de hoje evoluíram para uma coisa que forma quase que um corpo só; são absolutamente coesos e impenetráveis. Os bichos lembram as crianças as vezes... Estão sempre assustados.

A grande angústia dos humanos desse século é a total incapacidade de se proteger em bandos. Todos tem medo de todos; todos desejam ardentemente companhia e abraço ao mesmo tempo em que isso parece arriscado demais. Desejam com a alma, com o fígado, com os rins, mas não conseguem. É uma espécie de fome emocional.

Ninguém sabe onde andam as mães. As mães sumiram do mundo, dando lugar às atuais fêmeas agressivas da espécie humana. Seios secos e mãos crispadas.

Aí você aparece. Ninguém mais estava esperando.

Você é terrível, magnetizante. E assustador de tão lindo. Em nosso mundo, nada que tenha sido lindo sobreviveu. Se existe o belo absoluto, você é a personificação.

Cabelos! Por que seus cabelos são compridos e de negritude tão profunda? Seu olhar é assustador! Emana uma coisa estranha. Parece “paz” ou algo assim. Mas paz é uma coisa perigosa demais. Temos medo! Sempre que nos disseram “há paz!” catástrofes aconteceram em seguida.

A ameaça trazida pela paz é velada. É a calmaria antes da tempestade. Hoje a paz é prenúncio de morte, de lâmina fina perfurando o umbigo. Você é perturbador em sua paz e beleza estonteantes. Temos medo de você, muito medo.

Por que sorri? Por que nos olha assim e sorri?

Quem é essa criatura que sorri?

E todos fogem do seu sorriso pois uma pessoa sem medo traz consigo morte. Tem sido assim.

Mas você vem, implacável e sem armas na mão. Para onde podemos fugir?

Estamos todos armados;
Armados e sujos;
Sujos e famintos;
Famintos e amedrontados;
Amedrontados e suplicantes
E tão cansados!

O que você quer? Diga logo!

Quer nossa carcaça? Nossas mulheres? Foi você quem desconfigurou nossas mães e secou seus seios? Foi você, Criatura Sem Nome, quem domou nossos heróis e os atormentou com saudades e terrores? Você é o tal “espírito” de quem falam os velhos?

Que é você que vem de cima, que vara as nuvens, que faz tudo explodir em cores? Quem é você, que pára os nossos relógios sagrados? Por que vem acompanhado de música e arcos celestes? Por que nos comove? Não sabe que não podemos chorar? Os predadores estão a espreita!

Quem é você? Por tudo o que é mais sagrado, diga-nos seu nome! O que exige de nós? Nossas armas enferrujadas? Nossas frutas mirradas tiradas a fórceps de terras estéreis? Crianças mudas? Mulheres ressecadas?

Quem é você, que nos assusta com essa glória, esse riso, esses sons estranhos que nos fazem chorar?

Por favor, vá embora! Retire-se de nós! Volte para o seu mundo!

Nossos pesadelos agora serão outros. Vimos você, que é tudo o que nossa alma mais deseja. Você é o resumo de tudo, a explicação, a fórmula, a revelação do mistério, o princípio e o fim de todas as coisas.

Vamos sonhar com você para sempre: homens e mulheres. E a saudade do Belo Pleno nos atormentará para sempre.

Não se aproxime, não nos olhe assim. Nós temos medo de tanto amor!
Cristina Faraon


26 de ago. de 2007

A sabedoria e o ralo


Vou apresentar a vocês a mulher que já foi uma das mais sábias da face da Terra:

Eu.

Sério! Até algo em torno dos 25 anos de idade eu sabia tudo sobre a vida, sobre criação de filhos, relacionamento familiar, homem/mulher etc e tal. Era só perguntar.

Minha sabedoria era tanta que eu tinha na ponta da língua a resposta para tudo quanto fosse questionamento humano. Problemas? Eu sabia não apenas a solução, mas a origem, o que era mais brilhante de minha parte.

O filho não obedece? O marido não é legal? Você se sente só? Seus pais são um saco? Anda deprimido? É tímido? Tem bicho no pé? Fale com a Cristina.

Legal era que eu nem precisava pensar muito. Pensar para quê? A vida é simples, esse povo é que complica. Não havia motivo para angústia ou pânico; era só seguir meus conselhos que tudo daria certo.

Aí o tempo foi passando, passando... Então o mundo já não me parecia mais tão simples. Os problemas das pessoas eram sustentados por diversas raízes e não apenas uma, como eu singelamente supunha. Vieram os questionamentos, a experiência alheia, a experiência própria, teorias, as diversas interpretações a respeito de um mesmo fato... Ou seja: veio a vida real. E minha visão em preto-e-branco não tinha lugar no mundo real, das dores e amores em carne, osso e sangue.

É chato constatar a própria tolice.
Cristina: uma simplória.

Então passei a ler mais. Mais complicação. Revistas, livros, depoimentos, reportagens, ficção, ensaios... Conversas e mais conversar com pessoas muito diferentes umas das outras... Então antenei os ouvidos para seus motivos, suas razões e questões. Nada é simples e a verdade é um bem supremo sempre correndo da gente.

Ah, minhas receitas... Não funcionavam na vida real para as pessoas de carne e osso. Nós, os humanos, somos complicados. Nossas emoções as vezes parecem vir do nada. E levamos anos para entender por que, afinal de contas, sentimos antipatia gratuita, medo do escuro, timidez, paixão avassaladora, arrependimento, impulsos de ternura, necessidade de afastamento, êxtases, tédio e somos tão bons e tão maus.

Confesso: foi duro lembrar das inúmeras vezes que, insensatamente, analisei e simplifiquei a vida dos outros e o mundo em geral. Ô vexame!
O tempo foi passando e minha "imensa sabedoria" foi para o ralo. Para o ralo também, a reboque, seguiu minha crença na simplicidade de tudo.
Hoje, com toda a minha vivência, sei bem menos do que quando era uma garota. Sei tanto quanto você. Ou seja: NADA.
Cristina: uma simplória... Melhor ficar calada.
Cristina Faraon

25 de ago. de 2007

Carta aquática


Querido homem da terra:

Escrevo-te do fundo do mar, das entranhas silenciosas do mundo, de onde surgiram as primeiras formas de vida. Agora esse é o meu lugar. Tornei-me mais uma dentre tantas estranhas criaturas.

Faz tempo que estou aqui mas o que me resta de humanidade ainda pensa em ti. Ainda tenho em memória o cheiro dos teus cabelos molhados, cujas gotas d’água caiam lascivas em minhas costas.

As vezes vejo tua imagem sendo formada em redemoinhos breves, levantando a areia mais fina. As vezes me sorris dessas imagens mas em outras apenas me fitas pensativo.

Viraste uma aparição... Mas não me assustas.

És da terra. Agora sou do mar, para sempre.

Escrevo-te com menos dor; obviamente com menos humanidade. Minhas roupas foram comidas por crustáceos e nada mais há que esconda o que já te pertenceu. Veja, amor, como estou fria, frágil e descorada!

Pálida e nua.
Cada vez mais pálida
Mas ainda tua.

Ainda faço versos.

Meus cabelos cresceram muito e flutuam levemente. Estão semeados de algas e cada dia mais verdes. Diariamente sou analisada por criaturas curiosas e lentas.

Não me importa as intempéries da superfície; poucos movimentos ressoam aqui em baixo. Poucos mudam a direção dos meus cabelos.

Envelhecerás rapidamente nesse mundo árido crestado pelo sol, nesse mundo barulhento e rápido ao qual já pertenci.

Adeus para sempre...
Ou mergulha para mim!
Eu peço demais?
Então é o fim.

Escrevo-te entre algas possessivas, peixes, esponjas e relíquias antigas de navegantes apaixonados.

Os peixes vão e vem, aproximam-se de meus olhos espelhados. Parecem divertir-se. Há peixes em minhas coxas, seios, pés, sexo... Desassustados beijam-me a boca. Beijam-me em teu lugar e profanam todos os teus santuários.

A água me embala como mãe sonolenta. Durmo e acordo mil vezes. Não há pressa nem tempo. Tudo aqui é eterno.

Talvez eu vire sereia, talvez alga, talvez pedra, talvez esfinge das águas. Mas nada, nada nesse mundo poderá transformar-me em tua mulher. Então fico e desfaço-me.

Nunca me visitarás. Jamais mergulharás tão fundo a ponto de poder achar-me.

Permaneço:
Muda, nua,
molhada e ainda tua.

Pairo como planta aquática. Mando-te essas palavras escritas em espumas, em folhas e em escamas de peixes gentis.

Despeço-me do teu século.

Adeus, meu amor.

20 de ago. de 2007

Paulo Zulu


Peço a ajuda de gente amiga e de pessoas influentes junto a mídia.

Alguém aí tem acesso a esse rapaz?

Vou te contar... Existe alguma coisa pior do que um homem que não se manca? Ele vive me mandando fotos, bombons, flores... Já esgotei meu estoque de foras mas ele se faz de desentendido.

Há pouco tempo atrás ele não tinha onde cair morto.
O que é a vaidade humana, né? Só porque ele saiu bem em meia dúzia de fotos, acha que vou dar bola. Vou contar pra vocês: pessoalmente ele é o "cão chupando manga" de tão feio. Sério! Tudo aí que vocês estão vendo é pura produção. Tirando o filtro da câmera, a edição da foto e a maquiagem, o que sobra é de dar dó.
Dia desses ele falou que viria a um desfile na cidade e deixou o número de seu apartamento no Hilton. Ainda que eu não fosse comprometida vocês acham que eu pagaria um mico desse? Fala sério! Só perdoei porque afinal de contas as pessoas apaixonadas passam mesmo dos limites. Todos já vivemos uma fase assim, não é verdade?

Admito que ele é um bom rapaz: esforçado, sustenta toda a família, leva a mãe para passear no parque, dá banho no cachorro, troca lâmpadas, é carinhoso, sabe cozinhar, adora crianças, lava as próprias cuecas, vive tomando banho, troca lâmparas queimadas, arruma a cama quando acorda, não ronca e ainda faz trabalho voluntário. Mas pergunto: e eu com isso? Grandes coisas!
Bem, por que estou pedindo ajuda? Porque ele está pirando e não sei onde isso vai acabar! Posso ter sérios problemas com essa história. Se ele é carente, se nenhuma mulher dá bola pra ele, o que é que eu posso fazer? A vida é assim!

Uma coisa me tranquiliza: ele tá se tratando. Se bem que o terapeuta dele me falou que ele anda muito "deprê" e que a culpa é minha. Minha! Teve a cara de pau de dizer que se a carreira do rapaz for para o ralo eu serei responsabilizada. O trabalho desse açougueiro é fazer seu cliente aprender a se valorizar mais e não ficar fazendo chantagem emocional com pessoas que tem mais o que fazer. Felizmente eu não sou boazinha. Nunca fui. Pode espernear a vontade.

Confesso que as vezes dá pena, mas não vou comprar um problemão só por causa de um pobre-diabo de um metro e noventa e oito, conservadinho, moreno e de olhos verdes. Disso aí o Ver-o-Peso tá cheio.

Tô fora!

Tá com pena? Leva ele pra você!


Cristina Faraon

16 de ago. de 2007

Oração da paz



Senhor!
Fazei de mim um instrumento da vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor.
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.
Onde houver discórdia, que eu leve a união.
Onde houver dúvidas, que eu leve a fé.
Onde houver erro, que eu leve a verdade.
Onde houver desespero, que eu leve a esperança.
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a luz.

Ó Mestre, fazei que eu procure mais
Consolar, que ser consolado
Compreender, que ser compreendido
Amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe.
É perdoando que se é perdoado.
E é morrendo que se vive para a vida eterna.

(Esta obra representa um dos mais importantes documentos literários de linguagem popular de São Francisco, é a única obra de São Francisco escrita em italiano antigo. Foi nesta língua que ele certamente ditou a maioria dos seus escritos, antes que os irmãos versados em letras os traduzissem para o latim, a língua comum da época.)

15 de ago. de 2007

Insônia do bem


Estava tudo combinado: Rita e eu sairíamos para colocar as fofocas em dia. Essa semana teria que dar certo de qualquer jeito, uma vez que ela vai viajar de férias.


Ela telefonou ontem a tarde dizendo que no final do dia podéríamos nos encontrar para o happy hour.


Tudo certo. Certíssimo.


Aí a Sandra ligou perguntando o que eu iria fazer a noite. Expliquei e ela disse que talvez aparecesse. Tudo bem, seríamos três.


Fui buscar a Rita no trabalho dela. Quando estava estacionando o carro no "Boteco da Computer" observei pelo vidro que o Victor estava lá. Coincidência... Deveria estar com a namorada. Aí quando fui entrando encontrei com o Nelson. Cúmulo da coincidência. Bem, não seria mais uma noite de conversar femininas mas seria uma noite legal.


Subi as escadas e deparei-me com um monte de amigos e parentes com as mesas "juntadas". Perguntei para a Rita que raios aquele povo todo estava fazendo ali. Estranho, né?


Não, não era meu aniversário.


Foi aí que a Rita, perdendo a paciência, me puxou pelo braço e obrigou-me a ler um banner onde estava escrito que aquela era a noite de lançamento do livro Rio Coragem - de minha autoria! Oh!


Devo ter ficado alguns segundos com cara de "oh!" Tomara que não tenham filmado.


Então depois de alguns segundo, nos quais meus neurônios pararam de dar de encontro uns nos outros e tomaram suas formações costumeiras ela me fez vez as outras pessoas convidadas, entre elas o amigo Marcos Quinan, escritor e compositor que me deu a maior força no livro.


Fiquei tão feliz que pulei no pescoço dele e o abracei efusivamente. Tomara que o povo tenha entendido que aquele era um momento especialíssimo e eu estava abobalhada de alegria e surpresa.


Abracei meio mundo de gente, beijei, ri, tirei fotos, autografei...


Isso mesmo. O livro era um lançamento virtual mas me fizeram a surpresa de mandar imprimir e encadernar vários exemplares, o que tornou possivel os autógrafos. Os exemplares esgotaram-se, felizmente. Se forem feitos mais, já poderei chamar de "segunda edição". Uau!


Foi maravilhoso. Recitaram meus poemas e o amigo e músico Eduardo Dias - agora parceiro - musicou um deles e apresentou no evento. O Marcos Quinan também musicou um poema meu, mas não foi apresentado na ocasião. Aguardem!


Voltando para casa não consegui dormir. Rolei muito tempo na cama. Foi quando entendi que meus neurônios resolveram fazer serão porque receberam muito serviço extra e não queriam deixar nada para o dia seguinte.


Pensamentos, lembranças, poesias e textos pululavam em minha mente.


Feliz insônia.
Brigadaê, galera!

14 de ago. de 2007

A decadência do escorpião

Antes que vocês saibam por outras bocas vou logo dizendo: sou do signo de Escorpião, com todas as suas implicações. E nunca impliquei com as implicações.

Embora a descrição de uma pessoa nascida “sob esse signo” (odeio a expressão) case quase em 100% com o que sou, não acredito em horóscopo. Menciono que sou de escorpião com o objetivo único de “adiantar o serviço” para o caso de alguém querer me conhecer.

Horóscopo é uma crendice que não deveria estar demorando tanto a desaparecer. Vai entender! Não tem nada a ver comigo acreditar nesse tipo de coisa. Além de não fazer nenhum sentido, as piores celebridades que conheço acreditam nessas baboseiras (juntamente com duendes, pirâmides, abduções ...).

Obviamente nada disso impede que eu tenha nascido em 13 de novembro de mil novecentos e.

Por jamais ter implicado com as implicações escorpianas é que certo dia decidi tatuar um magnífico escorpião em meu ombro. Freud explica. Acho que foi um lance de auto afirmação ou coisa assim - quem se importa? Passei então da intenção aos atos preparatórios - como se diz no Direito.

Certo dia um amigo, conhecedor da minha pretensão, pesquisou na internet vários modelos desse bichinho perigosinho e venenosinho. Encantei-me com o desenho de um meio rotundo, azul e com detalhes lilazes (adoro essa combinação). Uma gracinha - tudo o que um escorpião não é.

Caí na bobeira de não guardar o desenho. Pedi novamente para meu amigo mas ele também não encontrou mais. Não desisti, porém.

Mais convicta do que nunca, resolvi esquecer o escorpião gorducho azul e tatuar o mais realista que eu encontrasse. Tudo a ver com a imagem da mulher forte e decidida - no caso, eu. Não ria.

Sim, nada como o realismo! Uma mulher forte e decidida não se deixa flagrar envolvida com coisinhas fofas, você não acha? Claro que acha.

Olhei uns vinte mil catálogos e encontrei vários modelos. Detestei os estilizados, desprezei os fofinhos, os sorridentes e os com florinha do lado. Mas pintou um contratempo: ao invés de ficar satisfeita com os desenhos, fiquei foi irritada com a feiúra deles. Não era possível que ninguém nesse mundo soubesse desenhar um escorpião do jeito que eu queria. Ô incompetência!

Eu tinha em mente algo realista porém bonito, entende? Claro que entende. Reclamei com o tatuador e perguntei como era possível que em meio a tantos catálogos não houvesse nada a meu gosto. Por que cargas d'água só existiam duas categorias de escorpião: os lindinhos ou os feiosos? Queria algo, elegante, cheio de estilo. “-Será que estou falando grego?!” Foi quando o cara calmamente me respondeu - “Mas escorpião é assim mesmo!”

Acendeu-se uma luz. Como se diz hoje em dia "caiu a ficha". Eu estava querendo algo que não existia.

Essa síndrome me persegue? Isso se aplica a outras situações em minha vida? Ah, deixa pra lá. Depois escrevo sobre isso.

Continuando: toda vez que olhava aqueles desenhos realistas eu achava aquele bichinho nojento e muito mal encarado.

Punha-me a imaginar-lo todo desengonçado, tentando se locomover e ao mesmo tempo manter aquele ferrão melecado para cima, de forma a parecer ameaçador. Sabe, ele anda com as sobrancelhas (ou algo que o valha) levantadas acintosamente, desafiando os outros. Onde ele chega, o clima fica pesado. Não retribui sorrisos nem dá informações. Nunca é bem-vindo. Chega numa festa, vê todo mundo comendo mas ninguém lhe oferece nada. E ele também não pede. Fica lá, com a barriga roncando e o ferrão pra cima. Claro que ele não usa desodorante, o que só piora as coisas.

Descobri que na verdade o escorpião não tem nada de poderoso. Não passa de um ser inseguro e com complexo de rejeição. E mania de perseguição. Sentindo-se sempre ameaçado, está o tempo todo com medo. Agora me diga: desse jeito quem é que faz amigos? Conclusão: é um ser solitário. E infeliz. E feio.

Nunca vi os olhos de um escorpião mas posso apostar que são arregalados. Os lábios (lábios? Essa foi forte...) sempre cerrados, a tentativa patética de se manter ereto e eternamente ameaçador. Mal sabe ele que tirando aquelas patinhas da frente fica parecido mesmo é com um camarão.

Também nunca cheirei um bicho desses mas tenho sempre a impressão de que é “pitiú”. Deve ser uma mistura de percevejo com barata. Blerg! E pisa-lo não deve dar nenhum prazer, apesar de tudo. Porque tenho certeza de que ele espoca igualzinho a uma barata em seus últimos momentos. Sabe aquele barulhinho escroto? “Plec!”

O que esperar de um bicho parecido com camarão, fedorento como o cruzamento de percevejo com barata e que morre fazendo “plec”?

Antipático, inseguro, fedorento. O que antes eu admirava tornou-se um símbolo de decadência. Ah não, nas minhas costas não!

Em assim sendo, decidi tatuar em minha perna três “terríveis” borboletas coloridas.

Nada a ver, né? Mas ficou bonitinho.

Cristina Faraon

12 de ago. de 2007

Tudo

Todo lugar é lindo quando se é livre
Todo lugar é assustador quando se tem medo
Toda lembrança dói quando se está infeliz
Tudo parece possível quando se é jovem

Todo amor é o último quando é o primeiro
Todo amor é o primeiro quando sincero

Todo ser vivo é bonito quando olhado de perto
Todo homem é feio se olhado sem amor

Nada é verdade absoluta
Tudo o que existe
Implora por ser decifrado.

Cristina Faraon

6 de ago. de 2007

O outro lado da moeda


Dia desses fiz uns comentários sobre palhaços, lembra? Ao final prometi fazer revelações sobre os palhaços do mal. Pois aqui estou eu, cumprindo a promessa com o risco de minha própria vida.

Sim, eles existem e nesse exato momento acho que estou sendo observada. Digo isso porque sinto pelo menos um par de olhos cravados em minhas costas. Ui!

Se eu desaparecer sem mais nem menos vocês já sabem. Vou logo adiantando: deixo meus bens para os amigos e as dívidas para os inimigos. Justa divisão, né?

Mas vamos lá: a maldade dos palhaços dessa estirpe é patente e invisível ao mesmo tempo. Alguns poucos “agraciados” percebem o perigo ao redor, o clima pesado, mas ninguém lhes dá ouvidos. A história se repete: um pobre-diabo saca tudo, perde a paz e, mais tarde, a sanidade - mas ninguém acredita nele.

A propósito: você tem ouvido vozes ultimamente? Sente-se perseguido? Ainda não? Tudo bem.

Olhos gélidos e ensandecidos... Se você notar, prepare-se para se sentir sozinho no mundo e, de quebra, ser chamado de louco. Conforme-se em ser a voz do que clama no deserto. Crianças desaparecerão e apenas você conhecerá a verdade. E eles sabem quando alguém sabe deles. Sendo assim, eles sabem que você sabe mas você não sabe se eles sabem que você sabe. É angustiante.

Olhe bem para o palhaço mais próximo. Você nota em sua roupa uma pequena mancha cor de vinho? Claro que não é vinho, seu tonto! É sangue velho, ressecado.

E se a mancha não for cor de vinho, mas vermelho vivo? Pior ainda: é sangue novo!

Mas e se ele estiver com as roupas perfeitamente limpas, como que acabadas de sair da gaveta? Mal sinal. Deve ter acabado de estrangular alguém e ainda agora precisou trocar de roupa às pressas. Se você for verificar seu cesto de roupas sujas verá as evidências. Você tem coragem de entrar em seu esconderijo - digo, camarim - durante o espetáculo?

E se as roupas não estão recém-saídas da gaveta, não tem mancha escura nem clara? Aí é de se desconfiar de que ele ainda não realizou seu intento, mas está armando... Fique alerta!

Quando ele olha para você e vê que você está olhando para ele, ele parece tenso? Desvia o olhar? Ou sorri cínico? Parece desconfiado ou estressado? Os palhaços do mal estão sempre estressados. Só a maquiagem ri com aquele colorido grotesco. Aquelas sobrancelhas negras e tenebrosas, as unhas sujas, o chulé inconfundível...

Aquela bola vermelha no nariz é para desviar o olhar da direção dos lábios, pois os lábios os denunciam. Eles não conseguem disfarçar que por detrás da maquiagem a boca se contrai involuntariamente em um esgar estranho e assustador. Não conseguem controlar isso.

Sumiu alguma criança esses dias? Alguma solteirona “mudou-se” de repente? Uma vovó que morava sozinha foi “visitar a família” e não voltou mais? Um mendigo abandonou seu ponto? Aquele gatinho chato nunca mais miou em sua janela? E o que foi feito dos peixinhos da vizinha? Hummm...

Seu sobrinho quer ir ao circo. Ele está encantado com o “simpático” palhaço e suas brincadeiras sinistras. Não, seu sobrinho não sacou que são sinistras, só você, Mané! O pirralho chama aquele espantalho de tio, quer ir ao camarim pra ganhar um brinquedo e quer usar roupas iguais às dele. O que fazer? Desespere-se.

Vamos ser justos: o palhaço do mal não nasceu assim. Ele teve uma infância triste, sofreu abuso de todo tipo, passou fome e frio e era humilhado pelos meninos ricos. O pai bebia e era violento. A mãe era safada e apareceu morta sem mais nem menos em um terreno baldio, com roupas mínimas. Essas coisas, sabe? Se eu contar tudo você chora.

Tudo bem, ele não tem culpa de estar com a mente detonada por situações destrutivas, mas tá com pena? Leva ele pra você!

Aquela criança magrinha e sofrida tornou-se um ser irrecuperável, meu amigo! É uma alma atormentada por pesadelos e estranhas fixações. E o pior de tudo: está solto no mundo, posando de bonzinho com seu riso nervoso. É, ele não tem culpa de ter virado um monstro colorido - mas seu sobrinho não precisa pagar por isso!

Só existe uma solução: essa alma disforme precisa ser eliminada. Precisa! Essa é a sua missão na terra. Se você não fizer nada, cabeças vão rolar. Não adianta explicar para a polícia - vão acabar te mandando para um manicômio pra se alimentar de pão e água para o resto da vida e tomar choques elétricos aos finais de semana. E o pior: de pijama listrado. Não, fora de cogitação pedir ajuda. Você precisa resolver isso sozinho.

Coragem, amigo. O serviço precisa ser feito o quanto antes.

Onde você guardou mesmo aquela faca?

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