.

.

24 de nov. de 2013

Eu, muda

Pois aqui vai mais uma das minhas aflições: não é possível escrever como quero, o que quero. Olho em redor e vejo mil coisas que mexem comigo. Sinto ímpeto de expressar, mas não consigo!

Minhas palavras, traidoras, não se mantém fiéis aos meus sentimentos. Eles insistem em caminhar em outra direção, como aqueles carrinhos de supermercado com rodas empenadas. Sinto-me como se fosse muda, mas estivesse louca para me comunicar.

É certo que o mudo pode se comunicar, mas o faz de forma limitada. Penso que gestos não expressam tudo. A entonação da voz faz parte da comunicação. E a ironia, como expressá-la? E as figuras de linguagem? O duplo sentido? É, gestos são insuficientes.

Pois eu escrevo por gestos. Quanto mais escrevo, mais me sinto muda. 

Um dia peguei um velho livro... Ah, o escritor tem lá seus os seus segredos. Eles detém a mágica, o poder inimitável. Leio ... e lá estão descrições magnificas que jamais consegui fazer.  Tudo exato e límpido, claro e compreensível. Aparentemente tão fácil! Lá está, no livro que não escrevi, a prova incontestável da minha limitação.  Eu só queria ser fiel a mim mesma. Mas esbarro na desconcertante "mudez literária".

Um livro tem o poder de abduzir.  

Hoje a tarde esteve maravilhosamente clara, amarela e quente. Só sei dizer isso do jeito que disse, mas o que  sinto é muito maior!  Ontem, por exemplo, me emocionei com musicas lindas. Fui abordada por melancolias que pediam, cheias de aflição, para virarem palavras pelo amor de Deus. Não pude ajudá-las. 

Não sei por quê meu pensamentos insistem em virar palavras escritas. Por quê não se contentam em ficar onde estão? Meu cérebro não é um lugar confortável? Não sei por que me aflijo tentando falar o que não sei falar. Escrever, para mim, é uma necessidade e eu o faço, só que nunca fico aliviada. Bebo água e continuo com sede.

Queria transmitir a você a sensação calma desse cair de noite.  Queria te fazer sentir a mesma comoção de quando vejo a estradinha de terra, o caminho de pedras, o susto das formigas quando passo porto. Quando olho a casa do sítio lá de longe me vêm idéias de casarões antigos, matronas, moinhos, tachos de doce, vovós, cadeiras de balanço.  Queria passar pra você os mesmos sentimentos ternos que experimento. Não quero sentir tanta coisa sozinha!  Mas como, sem as palavras certas?  Quero te afligir com as belezas que me tocam, com as ternuras que me vêm de assalto, disparam meu coração e depois vão embora porque eram maiores do que eu mesma.

O laguinho é lindo e risonho durante o dia mas muda de expressão quando anoitece. É como se perdesse a inocência e se divertisse em criar suspense. Cobre-se de véu, joga um ar fatal, quase malvado, mas é tudo de brincadeira. Centenas de bichinhos nos assistem de longe e vêem nossos olhos tão mais abertos. Tudo ri.

Queria que você visse, mas visse pelas minhas palavras. Queria capturar você! Depois devolve-lo ao mundo comum trazendo consigo um pedaço meu.


21 de nov. de 2013

Momentos

... E todos os dias felizes ficam assim, meio guardados, meio nebulosos. Mas ficam. Lembrados, mas imprecisos. Nem todos os rostos são reconhecíveis. Detalhes certos num todo incerto...
As coisas mais banais viram um pequeno filme ou um belo quadro.

15 de nov. de 2013

O nojo *

"Por quê você se incomoda com isso? Não tem nada a ver com você. Cuide da sua vida!" 

Há, hoje em dia, uma unanimidade muito suspeita: a certeza, baseada em pouco ou nada, de que não há sentido algum em nos incomodarmos com o que acontece com a pessoa ao lado.  As pessoas pensam: "Não tem nada a ver comigo, não me afeta". O raciocínio correto deveria ser:  "Aparentemente não tem nada a ver comigo, mas se me atinge é porque, talvez tenha alguma relação." Ou: "Será mesmo que não tem nada a ver comigo? Só eu me sinto incomodado ou existe uma generalidade de pessoas que reage da mesma forma que eu? São todos loucos ou a humanidade está, misteriosamente, interligada?"

Estranho, mas estranho mesmo, é alguém achar que deveríamos ajudar o próximo movidos por teorias lógicas. Teoria lógica não tira ninguém do sofá. O que move a raça humana é a força inexplicável, a emoção sem sentido aparente, que nasce na boca do estômago, dá nó na garganta e às vezes rega os olhos. Talvez não seja muito inteligente tentar explicar o inexplicável, mas abolir das nossas considerações o inexplicável, aí já é insano!

Respeito muito "aquela coisa" que mexe com a gente, que nos toma e nos leva a fazer coisas que nossa mente não assimila. O amor, por exemplo, é assim. 

Se só existisse o que eu sei explicar, já estaria mais do que na hora de desaparecerem do mundo as aeronaves e os celulares. 

Dizer que "não tem nada a ver comigo" a gente diz, mas é coisa de quem não reflete. Não dá para ligar e desligar a natureza humana ao comando do "politicamente correto". Quando querem, temos que ser solidários e entender que o que acontece com o outro me afeta e é da minha conta. Daí a pouco reajo a uma atitude alheia e vem alguém bradar que não  é da minha conta, que eu tenho que cuidar da minha vida e que aquilo não deveria me afetar em nada. Por quê?

Pra começar: "não deveria afetar " é muito diferente de "não afeta". Estou lembrando agora de um dentista com o qual eu me consultava. Certa vez cheguei com ele dizendo que um dente meu, que já havia sido tratado o canal, estava doendo. Aí ele me reponde que "mas não era para doer! "  Ora bolas, como "não era" pra doer? A teoria dele não poderia se sobrepor aos fatos! Ele que tratasse de investigar por quê estava doendo, mas me advertir de que não podia doer era maluquice.

Uma sociedade como a nossa, metida a questionar tudo, deveria honrar o título de questionadora e se fazer algumas perguntas: 

1- Se estou sentada em frente de alguém que não pára de arrancar os próprios cabelos, aquilo me incomoda. Eu deveria ser criticada por isso, por um sentir tão próprio dos humanos? 

2- Você já viu algum quadro torto, pendurado em alguma parede? Aposto que seu primeiro impulso foi querer ajeitá-lo. Você pode não tem consertado o quadro, mas desejou fazê-lo. Pergunto: você se preocupou com seu próprio sentimento em relação a isso? Achou que fosse alguma anomalia?  

3- Mastigar a comida com a boca aberta, mostrando para os outros os alimentos triturados e encharcados de saliva, é falta de educação. Incomoda os outros. Não adianta dizer que não incomoda ou que "não era para incomodar!" (como aquele dentista) . "Comer de boca aberta" é falta de educação porque comprovadamente incomoda. Ninguém ensina os outros a comer de boca aberta porque o incômodo alheio é uma aberração. A regra de educação foi criada em respeito aos sentimentos humanos que EXISTEM. 

Hoje em dia estamos sendo bombardeados com um ensinamento contrário: aberração são os outros, que estranhamente se incomodam quando alguém come meleca, arranca os próprios cabelos, pendura quadro torto na parede, arrota em alto volume, chupa o dente, escarra toda hora...  Hoje em dia a ordem é: faça tudo isso e crucifique quem se agonia.

Não estou advogando que daqui por diante a gente tenha o poder de interferir nas preferências alheias. Não!  Cada um faz o que quer, mas não venha dizer que estou errada por reagir instintivamente. Posso não ter - e não tenho - o direito de consertar o quadro dos outros, mas tenho o direito de não ser chamada de louca por sentir vontade de fazê-lo. Não tenho o direito de proibir alguém de comer meleca, mas não me recriminem se eu saio da sala para não presenciar. Não façam campanha contra aqueles que sentem nojo. 

Você já ouviu falar em EMPATIA?  É a capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela.

Doente não é quem sente, mas quem não tem capacidade para sentir empatia. Sabia que os que não tem capacidade emocional para sentir empatia são chamados PSICOPATAS? Doente é quem jamais é afetado pelos outros, jamais se aflige com dor ou nojo ou qualquer coisa assim.

Como o meu emocional é saudável, tenho capacidade de - mesmo sem querer! - me colocar no lugar do outro e me imaginar naquela situação. Posso então gostar, sorrir, ou sentir repugnância,  por exemplo. 

Por mais que a estranha mania de uma pessoa lhe seja agradável - como arrancar os próprios cabelos - meus instintos se insurgem contra aquilo. Fazer o quê? Naturalmente minha mente me coloca naquela situação de agonia. Se é um filho que faz isso, posso até dizer "pára com isso, menino!"  mas se é um estranho terei de optar por sair de perto. 

Hoje em dia somos criticados quando saímos de perto. Querem que sejamos uma porta.

Precisamos entender, de uma vez por todas que EMPATIA não tem nada a ver com "se meter na vida dos outros"

Por outro lado, esquecendo um pouco a empatia, tenho a dizer que nós desconhecemos as energias que movem e alimentam o mundo e que interligam todo ser vivo (já ouvi teorias interessantes sobre isso). 

Desconhecemos, igualmente, como funciona a tal "memória genética" que carregamos. Aliás, só recentemente esse termo  - "memória genética" - passou a fazer parte do nosso vocabulário. Minha memória genética, através de minhas reações, tenta se comunicar comigo e me dizer coisas  que, decididamente, não entendo. 

Nem todos as informações registradas por civilizações antigas já foram decifradas. Ainda há muito mistério por aí, mas nenhum estudioso sério iria propor que relíquias de milênios fossem jogadas fora só porque ninguém entende. 

Nossos instintos, mesmo os mais estranhos, guardam segredos. Sempre querem apontar para alguma coisa relevante. 

Por fim:

Estamos todos interligados - é o que também quero dizer. Tudo o que acontece a um afeta o outro, é tudo uma energia só. Como? NÃO SEI. Isso acontece de um modo misterioso e de uma forma que nos escapa à percepção.  

Minha tese: o que incomoda pode ter a ver comigo sim. Quer eu entenda quer não, quer admita quer não, quer seja politicamente correto quer não. Se uma prática nos repugna, podemos até lutar contra o sentimento, mas seria interessante tentarmos interpretar o fenômeno sem preconceitos. Abrir a mente pelo menos um pouquinho. 


Nossos instintos sabem mais do que nós. É bom prestar atenção. 


Tá bom, você pode dizer que esse ou aquele nojo nos foram impostos culturalmente. Sim, mas dizer isso é concordar com o que eu falei. Porque as raízes da cultura são profundas e distantes demais. Lá atrás, quanto tudo começou, havia um sentido. Só que não sobrou ninguém vivo para nos explicar. Não temos memória consciente mas nossas reações impensadas tiveram uma origem muito real, muito antiga e muito bem pensada, na época. Nada surgiu do nada.

Acho tolo pensar que no século XXI detemos o somatório de todo o conhecimento gerado ao longo dos milênios. Não temos. Muita coisa se perdeu e muitas das experiência dos nossos antepassados subsistem apenas em forma de memória genética e "pré- conceito".  Qualquer estudioso hoje admite tranquilamente que a antiga civilização egípcia detinha conhecimentos relevantes que se perderam, não foram repassados para nós. 

A experiência comprovada e científica do passado, uma vez perdida, pode ter subsistido até os nossos dias apenas na forma desse "gostar" ou "desgostar" nebulosos. 

Não sei, e jamais saberei, quantas civilizações se lascaram justamente por causa de coisas que afirmo não tem "nada a ver". A coisa no passado pode ter sido tão forte, mas tão forte, que mesmo perdidas as teorias, sobraram as sensações.

10 de nov. de 2013

O Grande Irmão *

Quando mocinha cheguei a  assistir alguns filmes de terror/ficção científica bem marcantes. Vários deles - se não todos - tinham algo assustador em comum: mostravam um mundo onde as pessoas eram constantemente vigiadas, onde não havia mais uma réstia de liberdade. Terminava o filme e eu ficava imaginando o horror de ter olhos constantemente cravados em minhas costas,  ter todos os atos medidos e julgados dia e noite. Um dia - pensava eu - os homens viverão num clima de constante receio e nesse dia espero estar morta. Privacidade será um luxo,  uma lembrança de tempos longínquos onde as pessoas eram felizes e não sabiam e tinham a possibilidade de cometer seus pequenos delitos em paz.

Quem seria o grande ditador que reduziria todos a essa vigilância assustadora? Isso de fato aconteceria um dia? E como reagir a ele? Como nos insurgir?

Como sempre a realidade supera os pesadelos mais criativos. Eu costumava imaginar um novo Hitler high tech subjugando a humanidade.

Nunca jamais eu poderia supor que o Hitler seríamos nós, todos nós, cada um de nós. Não há um ditador maléfico sentado atrás de uma sala de controle. Não há robôs nem câmeras estatais espalhadas pelas esquinas. Em algumas cidades até existem essas câmeras mas elas não conseguem ser mais vigilantes, julgadoras, venais e maléficas do que a câmera nossa de cada dia.

Nenhum plano de controle mundial consegue ser mais eficiente do que fazer chegar ao focinho das pessoas a possibilidade de ganhar uns trocados com alguma filmagem comprometedora. Uma brincadeira, uma transa, um gesto de impaciência, uma confidência, tudo isso e muito mais pode estar sendo gravado não pelo ditador mundial mas pelo seu amigo, colega, vizinho, pelo seu sobrinho, sua mulher, o desocupado da esquina. Você tem bem poucos amigos, cara.

Antigamente tínhamos o direito de dizer frases infelizes e depois nos envergonharmos delas. Hoje nós a dizemos e depois ficamos aterrados imaginando quem pode ter registrado e o quê a pessoa fará com o tesouro. Nem dá tempo de pensar em arrependimento: o medo vem primeiro.

Nessa questão não há misericórdia ou perdão. O dono de uma gravação tem o coração de pedra e seus olhos brilham. Agora todo mundo pode se transformar daqui pra ali em um abutre.

O que eu tanto temia nas fantasias da juventude finalmente aconteceu, e com cores mais tenebrosas. Não há uma lente maléfica controlando a vida de todos os pobres mortais. Os pobres mortais é que são essa lente maléfica e eles estão em todos os lugares. O Grande Irmão arregimentou um exército eficiente.

7 de nov. de 2013

Aquém da linha

Está determinado: ninguém pode ir além de si mesmo.  Depois de tanta megalomania juvenil, dar de cara com essa verdade pode parecer meio chato a princípio.

Claro que não podemos descrer do poder da determinação humana. É válido buscar crescer, melhorar. Não posso desprezar o valor do auto aperfeiçoamento. Quer dizer... Posso desprezar sim.

Não existe o tal auto aperfeiçoamento. O que pode acontecer, quando muito, é um simples retorno ao projeto inicial.

As maldades da vida acabam nos descaracterizando. Com o tempo vamos ficando com uma cara que não era a nossa, cheios de gambiarras. Vamos entortando.  Um dia a gente acorda, faz uma auto análise e deduz que melhorou. Evoluiu! Só que toda melhora que supomos ter alcançado, na verdade não é um "andar pra frente" mas um "andar pra trás".    

"Andar pra trás", aqui, não tem nada a ver com retrocesso. Tem a ver com volta às origens. De certa forma é um avanço, mas não um avanço como imaginávamos. É um avanço não pra frente, mas pra trás.

Acho que todo pensamento de elevação moral-espiritual-sobrenatural não passa de um grande equívoco. Deus nunca nos propôs isso.

"Quando Deus nos desenhou ele estava namorando na beira do mar."  Algum maluco escreveu isso como uma forma de dizer que quando ele nos fez humanos, na verdade curtiu a ideia.

Então o que chamamos de "evoluir" nada mais é do que tirar carrapatos.  Não crescemos, apenas corrigimos a postura empinando o peito.

Todas as advertências que entendíamos serem para nossa evolução, na verdade representavam o contrário disso:  eram chamados para que voltássemos a ser simplesmente humanos.  As decepções, os vícios, os medos, a violência, a competição, o mercado de trabalho, tudo isso nos desumaniza.  Não somos chamados à divindade, mas à humanidade.  A tradução de "Arrependei-vos" é "Volta, galera!  Aprumem-se porque desse jeito vocês estão ridículos! "   "Arrependei-vos" também pode ser traduzido como "Respeitem o projeto inicial, certo? Vocês não vão conseguir ter uma ideia melhor que a minha."

Decididamente ninguém vai além de si mesmo. Ninguém ultrapassa a linha vermelha, por mais que tente. Você consegue ser mais caridoso mas se auto glorifica. Tenta ser mais carinhoso mas se torna possessivo. Trabalha muito mas despreza quem não se esforça na mesma medida. Procura ser justo mas se torna implacável. Canta bem mas não acerta fazer uma farofa de ovo.

Mas anime-se: isso não é uma condenação! Na verdade a conscientização dessa impossibilidade nos liberta. É como se o dono do circo desistisse de nos ensinar truques complexos e nos liberasse para passear no bairro, comer e dormir tranquilamente como qualquer serzinho comum.

Talvez não tenhamos sido programados para a excelência - pelo menos nesse mundo. Talvez não sejamos fascinantes. E daí?  Ser livre para curtir as doçuras da própria mediocridade, sem cobrança ou encheção de saco, não é lá uma má notícia.




4 de nov. de 2013

Acasos



Amanhã milhões de pessoas vão nascer
Entre elas talvez esteja a que vai te matar
Ou a que vai te amparar benignamente.
Entre elas talvez esteja
Aquela que, em seus braços,
Te salvará das labaredas da dor.

Amanhã milhões de pessoas vão morrer
Entre elas pode estar aquela
Que te amaria para sempre

É certo que muitos morrerão amanhã
Entre eles pode estar você
Entre eles pode estar a flor mais meiga,
Que você jamais beijará.

Amanhã uma mãe será deixada
Aos prantos no aeroporto
Amanhã nascerá a sorte grande
E também o enorme infortúnio
Qualquer um de nós poderá colher nos braços
Tanto um quanto outro.

Olhos se encontrarão
Flores serão pisadas
A chuva unirá nas marquises
Mil futuros namorados


Amanhã alguém perderá a agenda
Esse alguém poderá ser você
Porventura outro a encontrará
E não verá sentido algum
No que era o fio condutor,
A única harmonia
De toda a tua pobre vida.

Páginas