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23 de jan. de 2020

Sem turbulências

Um monte de gente já tentou definir ou formular um conceito de "velhice". Já disseram que a gente fica velho quando não quer mais aprender nada. Outros dizem que é quando a gente deixa de sonhar, ou deixa de amar, ou não tem mais curiosidades. Eu particularmente acho que a velhice  se resume em "falta de disposição". É quando você não tem mais muita (nem pouca, talvez) disposição para ir a uma festa, ou participar de pequenas aventuras como tomar banho de chuva,  pular um muro ou brincar de queimada. Você não sonha mais nem com romance por total "falta de saco" . Você já se apaixonou várias vezes e dá uma canseira imensa só de  imaginar o desgaste emocional que vem de brinde. Não, já deu.

E as festas? Chega de festas. Você já sabe tudo o que vai acontecer. Conhece as caras que vão aparecer, as poses, os sorrisos formais. Já cansou de assistir as pessoas tentando parecer  elegantes. Já cansou de ver idosos cochilando à mesa, crianças infernizando no salão, casais tentando passar uma boa imagem do relacionamento, garotas de olhos pretos quase como o Zorro.  Não, chega. Se nada catastrófico ou inusitado acontecer,  você já conhece o roteiro todo. Não que seja ruim mas o fato é que você já sabe, já viu, já cansou.


Eu nunca fiquei me analisando muito para saber a quantas anda o meu processo. Só que esses dias fui obrigada a fazê-lo ao observar  uma amiga se manifestar em uma rede social. Ela contava que pretende dar uma guinada na vida, mudar tudo. Olhei pra mim e descobri que não quero mudar nada. Tá tudo bom demais. Não quero encheção de saco nem turbulências. Mau sinal.

Mau sinal mesmo?  Será?

Ela falou de planos que  deverão se materializar depois de uns cursos que está fazendo e tal e tal. Caramba, eu não sabia que ela estava com essa disposição toda!  Então olhei pra mim: nada.  Que contraste!  Tentei ficar com inveja mas lembrei que não há nada que ela esteja fazendo que eu também  não possa fazer se quiser.  Aí que está: não quero.

Não quero mas confesso que queria querer.  Queria estar com todo aquele ânimo. Quer dizer, eu acho que queria.

O fato é que  balancei meu botijão e percebi que estou sem gás. É isso.

Quais meus sonhos hoje? Agora você me pegou. Sei lá.  Quero viajar?  Ok, quero sim. Mas já fiz umas viagens bem legais e esse "querer" de hoje não passa de um desejo chocho de pijama e pantufas. Está longe de ser um sonho.

O que mais? Sonhos românticos? Não. To casada, tô em paz. Já deu.

Sonhos... ?  O  que sinto está mais pra melancolia pelo que não foi do que desejo ou esperança de realizar.    A essas alturas da minha vida já deu pra entender que o que  não deu, não deu.  Já foi.

E então? Tenho algumas coisas tênues que nem sei se podem ser chamadas de sonhos. E quer saber? Prefiro que seja assim. No passado eu desejava tudo com muito fome, muita sede de viver. Meus desejos todos doíam.  Minha intensidade me machucava.  Ser intensa  pode parecer lindo mas na verdade é apenas DOLOROSO.  É assim que me lembro de toda a minha juventude: como um rosário de desejos angustiantes. Não quero mais isso. Prefiro ficar com os meus "desejos tênues e voláteis".  Quantos aos tais "sonhos", fique com eles pra você. Faça bom proveito.

Pode me chamar de velha se quiser.

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