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27 de ago. de 2016

Ele está de volta *

Comecei a assistir despretensiosamente.  Quase desligo porque o filme começou mal pra caramba. Achei uma droga,  sem graça, um pastelao idiota. Mas depois a historia se torna bem instigante. Levanta questões muito interessantes.
Em determinados momentos parecia que estavam se referindo ao Brasil. Cheguei a desconfiar de que o filme foi encomendado para nos cutucar.
Mas sabe o que dá mesmo um nó na cabeça? A constatação de que ao longo do filme a figura de Hitler deixa  aos poucos de causar repulsa ou revolta.  Sua postura cheia de orgulho pelo seu país, "fé  na Alemanha  e  sincero disposição em trabalhar para a grandeza do seu povo" é algo que pode conquistar pessoas a qualquer tempo,  inclusive hoje. Alguém que realmente acredite em seu povo, na grandeza da sua nação e seja capaz de insuflar isso nas pessoas. Quem não se deixaria seduzir por um lider assim?  Isso é assustador.
Com a abordagem correta, sem as formalidades do passado e uma pitada de humor  Hitler bem poderia ser reintroduzido na sociedade inclusive com a ajuda daqueles que não lhe levam a sério. Acho que ele faria sucesso aqui e agora. Porque é como ele disse: as pessoas o escolheram porque no fundo elas são como ele. 
É um perigo brincar com o mal, esquecer que o mal é mal, rir do mal. Porque de repente o mal seduz, igualzinho como no passado.
Recomendo. Mas repito: o início é uma droga.



Confira "Ele está de volta" na Netflix
www.netflix.com/title/80094357?source=android

17 de ago. de 2016

Falsos desprazeres

Na aposentadoria a gente sente uma necessidade imperiosa de comemorar coisas. Algo tem que compensar o ocaso da nossa vida. Celebramos então a liberdade quase que total que nos acomete. Comemoramos também outras coisas menores, como poder viver de bermudas e chinelos.

Economizar com gastos de roupas é um desses temas de comemoração de aposentados. Como disse acima, posso andar de bermudas e chinelos o quanto queira. Nada mais delicioso principalmente quando se exercia uma profissão que nos obrigava a adotar uma aparência nem sempre confortável.

Comprar roupas é um desses falsos desprazeres que a gente comemora talvez sem pensar. Ultimamente tenho passeado pelo shopping com certo desgosto. Às vezes posso comprar a linda roupa que vi na vitrine mas não consigo evitar a pergunta: pra quê? Pra usar onde? Pra deixar no armário? Sapatos lindos, bolsas desejáveis, vestidos, blusinhas, um novo jeans. Eram gastos que eu fazia fingindo que era só por necessidade. Não era. Comprar roupas é se expressar, renovar.  Usar uma bela roupa nova dá prazer. Muito prazer. Afeta o emocional. Mas não consigo! Não preciso! É realmente frustrante poder mas não ter motivo para adquirir.

Não vou jogar fora minhas roupas de qualidade. E sendo assim é claro que não vou repor algo de que não me desfiz. E me tornar uma acumuladora de roupas também não quero. Abrir o armário e ver aquelas peças ultrapassadas se tornando cada dia mais cafona sem que eu me dê conta disso?  E vez por outra eu acabar usando essas velharias  e me tornando velharia com elas? Não, obrigada.

Cada vez menos roupas, cada vez menos sapatos e bolsas. É todo um estilho de vida sendo desmantelado para dar lugar a não sei o que exatamente.

O pior de tudo é notar que as roupas tem uma grande influência em nossa postura e gestos. O vestuário não é apenas uma expressão do nosso eu. Ele também nos molda e projeta nossa imagem para o mundo exterior. É essa imagem é percebida também por nós, de tal forma que é retroalimentado o tempo todo. Ao abrir mão disso em prol do tênis e camiseta você se torna cada vez menos sofisticado, menos marcante, menos elegante. Seus gestos e postura se alteram não para melhor. Você não vai se tornando simples, mas simplório. Até chegar ao nível da insignificância da qual, uma vez convencido, convencerá também o mundo. E vice-versa.

Você achou essa conversa fútil? Sério? Auto percepção, imagem própria, é amor próprio lhe parecem assuntos bobos?

Encerro com uma dica: ao aposentar, não comemore a economia de gasolina. O que você economizar em combustível acabará sendo gasto em energia elétrica porque você ficará mais tempo dentro de casa.

12 de ago. de 2016

Administrando-me

Estou um pouquinho melancólica aqui na minha sacada. Normal, pois hoje é sexta e sexta sempre foi um dia difícil para mim. Tenho uma longa história de vazios e desapontamentos em vésperas de sábados. A coisa tem sido tão marcante ao longo da vida que ainda que tudo esteja bem o perigo ronda. Preciso ficar alerta na torre de vigia. Ou alerta ou muito, muito, mas muito ocupada com outras coisas.

 Ainda que não tenha de que me queixar, ainda assim uma tristeza persistente e estranha sempre chega perto e funga no meu pescoco. Parece sair de debaixo dos móveis. Preciso passar um pano debaixo do sofá. Ali parece ter um viveiro de angústias.  

As angústias não são como gatos. São talvez emanações, vapores saídos de coisas velhas que a gente guarda. Não dá pra se desfazer de tudo, você entende. Então acontece. Vem vindo, vem vindo...  Parece que ela vigia meus momentos vagos, minhas horas de folga. Talvez vigie o pôr do sol esperando o momento mais melancólico. Talvez. Não sei. Às vezes parece que a melancolia espera a grande bola solar viajar para a outra parte do mundo para então tomar conta do pedaço.

Pois aqui estou eu, sobrevivente, na quietude.  Estou escrevendo, estou ouvindo música, tomando um licorzinho e pegando um vento na minha varanda.  E pra rebater toda essa coisa distraio-me fazendo mil planos de ser mais feliz. Tomo decisões valentes e passo a admirar a mim mesma pelas sábias atitudes que tomarei a partir de segunda feira. Sou independente, livre e antenada. 

Parece que está funcionando. Estou me sentindo quase poderosa e disposta a desprezar qualquer proposta de diversão. No momento isso me basta. Preciso não precisar: esse é o segredo da felicidade.   

Tenho dificuldade em abandonar a ideia estapafúrdia de que todo o mundo está do outro lado do navio, do lado oposto ao meu, fazendo coisas divertidíssimas. Esse pensamento não tem sentido algum. 

Tive outra idéia: preciso estudar. Vou estudar e adentrar em um portal novo e instigante. 

Está decidido. 

Vaias

Poucas coisas provam com tanta exatidão o caráter e a forca interior de uma pessoa do que uma bela salva de vaias. Acho ate que todos deveríamos ser vaiados em público pelo menos uma vez na vida, para aprendermos a ser gente. Deixar de frescura e levantar a cabeça.
Uma pessoa mimada  é uma pessoa fraca. Uma pessoa mimada não tem forca, não consegue seguir em frente,  não tenta de novo. Fica assustada, coloca o rabo entre as pernas, entra em depressão enão  quer mais nada com o mundo.
Quer saber se seu filho é um guerreiro? Submeta-o a vaias.
Esses dias vi uma manifestação da Lucinha Lins em video. Ela dizia que já fora veementemente vaiada varias vezes na vida. Uma das vezes eu lembro bem: ganhou um festival de canção com uma música ridicula que ninguem mais lembra, enquanto o Guilherme Arantes ficou em segundo lugar com uma obra prima lindissima, inesquecivel, que apaixonou o pais: Planeta Agua.
Lucinha Lins cresceu no meu conceito. Podem dizer isso a ela. Atriz e cantora, se fosse uma fraca jamais seguiria em frente. Estaria até hoje chorando e fazendo terapia.  Mas ela foi forte, não se deixou intimidar e se tornou uma profissional reconhecida. Se fosse outra iria afundar no alcool, nas drogas, na amargura.
Sim, admiro quem aguenta vaias sem desistir, sem paralizar. Acho que é a grande prova nessa vida. A rejeição escrachada e sem misericórdia.  Quem se dá valor entende que aquele momento não define seu talento, não te define como pessoa. Quem vaia apenas exerce um direito sem compromisso com nada, a não ser com a animação do momento. 
Voce pode pensar que é guerreiro mas se nunca foi vaiado você não sabe de nada. Ainda não se conhece.
Resumo de tudo: não me vaiem pelo amor de Deus. Não sei se sou guerreira. Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe. E depois de uma sessão de vaias não sei se eu voltaria a levantar a cabeça algum dia.   
Pensou que eu iria terminar o texto de modo mais glorioso? Não. Poupem-me dos seus testes. Preciso de carinho.

11 de ago. de 2016

A exaustão *

Disseram por aí que a diferença entre o remédio e o veneno é a quantidade. Gostei do ditado. Aplica-se a tudo, inclusive ao fenômeno da transmissão de informações.

Imagino os transtornos que os povos antigos amargavam por pura falta de informação. Táticas de guerra falidas, alimentos prejudiciais,  tratamentos de saúde inócuos ... Como sofriam os mal informados!  

Não sei se é verdade mas li em algum lugar que há anos atrás encontraram um velho soldado vivendo em uma ilha quase deserta. Levava uma vida solitária e sofrida,  em suspense e aflição. Durante uma das batalhas havia se desgarrado do seu grupo. Então escondeu-se na selva com medo de ser feito prisioneiro.  Esperou longamente por um resgate que nunca veio e ficou sem a informação vital de que a guerra havia terminado há décadas. Se fosse hoje em poucos segundo ele já estaria arrumando sua jangadinha pra voltar pra casa. Caramba, tomara que essa história seja mentira. Coitado.

Quantos anos se passaram até que todos ficássemos perfeitamentes cientes de que Coca Cola faz realmente mal à saúde? Ou que o aspartame pode acelerar o processo de osteoporose? Quantos sabiam, há trinta anos atrás, que comer carboidrato é o mesmo que ingerir açúcar ? Essa informação em particular eu preferia nem ter tomado conhecimento.

Estou convencida de que de uns tempos para cá estamos recebendo uma overdose cavalar de informações e isso não é nada bom. Não são informações certificadas mas informações desencontradas!

É um tal de pode/não pode, verdade/mentira, as pesquisas comprovam/as pesquisas comprovaram o contrário do que já tinham comprovado. O Sudário de Turim? Já foi confirmado e escrachado umas dez vezes. Alguma coisa preciosa lá dentro de nós se desgasta, certamente.

Estamos no limiar de uma situação muito pior do que a dos nossos antepassados. Eles não tinham acesso à tantas informações mas quando as tinham, tomavam providências e mudavam o rumo de suas vidas.  As revoluções foram assim. Havia trocas e mais trocas de informações, de folhetos, manifestos e comunicados que de um modo geral ninguém questionava a veracidade da origem. E dava certo.  Hoje estamos tão encharcados de manchetes que vamos ficando com as alminhas gastas. Estamos entrando em um processo de dormência.  

Me dói imaginar que maior verdade do mundo perderá a força vital. Daqui há alguns anos ela não terá mais o poder de causar perplexidade. Nenhuma informação bombástica afetará nossos hábitos - saudáveis ou nocivos. Estaremos surdos, incrédulos e inertes.  

Hoje a gente já não acredita mais em muita coisa, é verdade. Mas mantivemos a saudável iniciativa de tentar confirmar as informações recebidas.  Mas já  estamos começando a cansar.  Pesquisar TUDO cansa. E além disso quem garante que qualquer outra informação posterior, contrária à inicial, é a fidedigna? Ninguém.

Já pensou o que acontecerá a partir do momento em que nenhuma informação for tida como verdadeira? Nem revista nem jornal ou artigo científico?  Imagine que absolutamente tudo deverá ser ""re-pesquisado" e que apesar do nosso esforço jamais cheguemos ao conforto emocional gerado pela verdade? 

Hoje ainda nos damos ao trabalho de tentar confirmar informações mas brevemente estaremos tão saturados de afirmativas ditas e desditas que passaremos a odiar os arautos de qualquer coisa.  

O próximo passo depois de não acreditar é pesquisar;  e depois disso o próximo passo é mandar tudo  às favas: não absorver mais nada.  Dias virão em que ainda que nos advirtam da existência de um precipício logo ali na curva da estrada, nosso cansaço nos fará seguir em frente. Desapareceremos no buraco. Surdez emocional mata.  

Pior do que censurar os meios de comunicação é desacreditar os meios de comunicação. Deixar que se choquem tristemente uns contra os outros, que caiam no ridículo, que se destruam pelo palavrório.  Quando nada mais for confiável entraremos novamente na idade das trevas. 

Nenhum ditador teria uma tática tão eficiente para roubar do povo o direito à informação.

A censura é um meio por demais grosseiro. É  flagrantemente canalha, ninguém gosta dela. Mas ao mesmo tempo um povo bem informado é um perigo para qualquer governo. Não dá pra soltar as verdades aí pelo mundo. Descobriram então a cartada de mestre:  que tudo vire piada, que tudo vire entretenimento!   Ninguém precisará se desgastar impondo censura. A verdade poderá ser gritada e estampada com provas sobejas, mas ninguém mais ouvirá. 

Assustador.  Acho que é isso o que temos pela frente: a exaustão. O cansaço aliado à incredulidade suicida.  

"Eles venceram e o sinal está fechado pra nós, que somos jovens."










4 de ago. de 2016

Feiuras

Não acredito que tudo o que consideramos belo ou feio seja uma construção cultural.  

Já li algumas pesquisas que provam que os bebês se sentem mais atraídos e encantados por certos traços fisionômicos harmônicos. E por favor não me diga que eles, os bebês, também foram doutrinados "pela sociedade de consumo e pelos padrões do poder vigente". Existem parâmetros mínimos. Assim eu creio. Há sim o feio e o bonito. A dificuldade em defini-los não anula a sua existência. 

Mesmo assim parece muito possível que, forçando um pouco a barra, obriguemos as pessoas a professarem adesão aos padrões dos mandões do momento.  Até certo ponto o que é instintivo pode ser arredondado, aparado aqui e acolá. Mas só até certo ponto. Fora isso ainda que há pessoas impermeáveis a esse tipo de forçação de barra. Também é bom lembrar que nem todo ganho é real. Sempre há espaço para a hipocrisia humana, do tipo "ai que lindo! - só não quero pra mim". 

Não sei até que ponto conseguimos reais vitórias na militância por um gosto estético mais democrático. Penso que jamais saberemos.  Lá no fundo, nos nossos porões particularíssimos, somos o que somos e a partir disso fazemos e faremos nossas escolhas. Nada mudará isso.

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