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24 de fev. de 2015

O preço de um barraco

De todos os imóveis disponíveis no mercado imobiliário, certamente o barraco é o mais caro.

Até que aprecio um barraco. Eles tem relevância social e são respostas prontas para problemas do aqui-e-agora. Só que não basta gostar de barracos: temos que tem cacife para bancá-los. Porque embora em alguns momentos pareçam irresistíveis, o fato é que podemos passar o resto da vida pagando suas prestações. Todo cuidado é pouco. Mesmo assim, armar  um bom barraco às vezes vale a pena. Nada como a quizumba  certa na hora certa. Veja essas situações:


1- Manifestantes queimando pneus em via pública. Dá vontade de já sair do carro gritando "Você é valente, ô palhaço? Então vá fazer essa gracinha na frente da casa do Prefeito, do Governador ou para o Palácio da Justiça!

2- Flanelinha que jura que é dono da rua. 

3- Discurso de pseudo-intelectuais convictos de que Cuba é o paraíso.

4- Vizinho dando festa infantil com palhaço surtado e musiquinhas insuportáveis. 

5- Motorista mal educado.

6-  Corruptos criando dificuldades para vender facilidades.

7- Novas leis que só pioram nossa vida.

8- Amigo pidão.

9- Vizinho que não respeita vaga de garagem.

Não vou mentir: já "comprei" alguns barracos poderosos ao longo da minha vida.  Mas mais cedo ou mais tarde a conta chega, pode crer.

Pensando nesses aborrecimentos, as minhas fantasias de hoje tem a ver com bomba, chuva de meteoros, vulcões em erupção e fim do mundo. Mas calma, não sou uma pessoa perigosa, até porque a maioria das nossas fantasias a gente acaba não realizando. Você sabe disso muito bem.



23 de fev. de 2015

Cansada

Filmes, noticiários e vida real: estou cansada do mundo. Cansada de tanto sangue e de tanta maldade. Cansada de tentar entender como é possível existir pessoas que dedicam a própria vida a criar um inferno para si e para os outros. Cansada de ver tudo se desintegrar a minha volta e não conseguir fazer nada. Cansada, cansada. Não quero salvar o mundo; quero o fim do mundo. Juro. Isso aqui não tem mais jeito. O mal já alcançou uma proporção tal que estamos falando de uma laranja podre. Pra que serve uma laranja podre? 

Estou cansada do engano, dos enganadores e dos que gostam de ser enganados. Estou cansada dos que preferem viver uma mentira e se satisfazem com superficialidades vendendo a alma em troca de uma boa imagem. Estou cansada de ver crianças nascerem e nós saudarmos seu nascimento como se fosse algo bom para elas. Não é. Ninguém precisa nascer. O mundo não é um lugar bom. É maldade trazer esses anjinhos à luz. Eles não sabem o que os espera. Estou então cansada de ter pena dos anjinhos, cansada de chorar pelo seu futuro, cansada de ter medo pelos meus filhos, cansada do mal. Cansada até de me sentir culpada pelo alívio que sinto quando uma pobre criança, por fim, não nasce.

Cansada.

20 de fev. de 2015

À margem


Jesus disse que veio ao mundo para "desfazer as obras do diabo". Disse também que quem o seguisse e imitasse iria enfrentar todo tipo de perseguição.

Alguns entendem que "desfazer as obras do diabo" tenha a ver com sair por aí praticando o exorcismo. Se fosse isso seria tão fácil! Estou certa de que Cristo nos chamou para desfazer o mal onde há maldade, impor o bem onde o mal impera, limpar o que está sujo, desentortar o que está torto e por aí vai. Ele não se referia simplesmente a assuntos "espirituais" e impalpáveis.

Acabei de assistir Clube de Compras de Dallas. Um bom exemplo do que é ir se deixando levar pelo que é certo e descobrir de repente que está andando na contramão do mundo.

O mundo se move por interesse, ambição, vaidade, dinheiro e sexo. Ninguém liga muito para essas afirmativas até o dia em que vê, como o personagem, as pessoas morrerem por causa do lobby da indústria de remédios. A indústria de remédios pressiona o governo para só liberarem o medicamento que é do interesse deles, que dará mais lucro, ainda que isso custe a vida de milhões. Lutar contra isso significa perder dinheiro, conquistar inimigos, perder o emprego, perder a vida talvez.  Sim, "desfazer as obras do diabo" dá mais trabalho do que gritar "sai desse corpo que não te pertence."

De todas as lutas possíveis e imagináveis, nenhuma é mais árdua do que lutar contra leis injustas. No Brasil isso é claríssimo. Estamos lotados de leis injustas.

Lutar contra injustiças legais é lutar contra nosso sistema maligno em seu nascedouro. É nesse ponto que o sujeito se desespera. Percebe que as pessoas se vendem, que tudo depende de interesses mesquinhos e que essa historinha de justiça, igualdade, respeito, proteção à vida, é tudo conversa fiada. Ninguém está interessado nisso.

Fazer o bem é estar à margem, nadar contra, se desgastar, chorar e arrumar inimigos mortais. Se pra você "fazer o bem" se resume a distribuir cestas básicas, você ainda está vivendo no país dos sonhos. Distribuir cestas é bom e válido, mas lutar contra o mal é atacar justamente onde a pobreza é gerada. Aí você se indispõe tanto com o opressor quanto com o oprimido. Porque enquanto estiver adulando o discurso de vitimização tudo bem, mas quando começar a mostrar que certos maus hábitos tem que ser abandonados para a vida melhorar, aí você deixa de ser visto como santo e passa a ser visto como monstro.

É difícil. É dificil mesmo. Inclusive porque o mal está compartimentado. O poder não está  só na mão de um sujeito exatamente. É uma cadeia sem fim que não sabemos onde começa nem onde termina. Dessa forma ninguém se sente responsável pelas próprias maldades porque não começou com ele nem acabará com ele e qualquer coisa que se faça parece não afetar o todo. Chego a pensar que o poder centralizado seria melhor. Porque se tudo vai mal, sabemos a quem culpar. Quando a culpa não é de ninguém todos se sentem anistiados. Será? Nem sei...

É fácil fazer campanha na televisão contra o bulling. Quero ver você chamar atenção dos seus amigos, dizer que precisam conversar com seus filhos, corrigi-los e orientá-los. Você vai atrair ódio. Quero ver fazer campanha de conscientização no colégio pressionando diretores e professores, procurando os pais dos alunos opressores e dizer o que o filho deles está fazendo.

Ao fim de cada discussão para tratar de qualquer problema veremos que a culpa é dos outros, de um ser sem rosto que ninguém sabe onde mora. Ninguém tem culpa de nada. Somos uma sociedade de inocentes. Essa é a nossa desgraça.

19 de fev. de 2015

Esforço amarelo

Estava lendo um texto sobre fazer amigos. Popularidade. Achei interessante constatar que a garota que escreveu, assim como eu, nunca teve muito jeito com essa coisa.

Minha vida toda ouvi comentários de que alguns me acham antipática. Ou metida. "Tipo assim".

Nunca fiz esforço para ser antipática. Sei que a afirmativa é meio estranha mas tem razão de ser. Porque existem pessoas tão amargas e despeitadas que fazem questão de provar pra todo mundo que não precisa cativar ninguém. Não sou assim.  Acho que o meu grande problema é não levar a sério minha fama de metida. Se eu me importasse seriamente talvez já tivesse me transformado em uma pessoa mais fofa. Mas deixo o assunto pra lá...e não evoluo.

Por que não evoluo? Ou melhor: por que me aceito? Primeiro porque as pessoas que vencem a impressão inicial e convivem comigo geralmente dizem que "não sou nada daquilo" e que muita gente que me critica iria mudar de ideia se tão somente me conhecesse melhor.  Outro motivo por que não tento mudar é que ...  na verdade tento, mas não adianta.

Sempre achei que todo esforço para a alguém ser simpático é um esforço amarelo. A coisa sai sem graça, o riso vai encardido e, por fim, falta assunto para continuar o papo-conquista. Sou uma pessimista: acho que não adianta. De antipático o sujeito vira um chato. Então entenda: não é que eu, orgulhosamente, não me esforce. É que eu não sei como se faz.

E tem mais: vejo com certa desconfiança as pessoas super-ultra-simpáticas. Estão sempre felizes mesmo? Aquele riso constante é o quê? Normal? Sei não...  Será que elas acham mesmo todo mundo legal?   Ou são tão ralas mas tão ralas que não conseguem ver a diferença entre uma pessoa vazia e alguém interessante?

Talvez seja essa a resposta: eu tenho é medo de parecer estranha como esse pessoal do sorriso constante. Eu hein!

14 de fev. de 2015

Solução final

Embora gerados durante o dia, sem dúvida eles são seres noturnos. De noite é a hora em que respiram e finalmente olham para o céu. É a hora da viagem, a hora de partir para outra.

Passo de carro, distante e perfumada. Sou o oposto deles. Observo-os tristes, cinzentos, desistentes. Todos "penteados para morrer" com um ridículo "pitó" no alto da cabeça. Uma idignidade.

Estão azedos, empanturrados. Foram postos para fora às pressas. Uma vez paridos, incomodam.  Não pediram pra existir.  Chegaram a acreditar que guardavam relíquias mas descobriram que são apenas o excremento, aquilo que ninguém mais quer. 


Ali estão, à beira da calçada, como quem espera o trem para o campo de concentração. Serão submetidos à "solução final". 

Cansados e sem nada a dizer uns aos outros, esperam. Estão doloridos mas olham o nada sem reclamar ou pedir alívio. Talvez ainda guardem uma esperançazinha de reciclagem. Uma nova chance - quem sabe? 

Juntos, espremidos na calçada, não conversam entre si nem fazem perguntas. Não há curiosidade, só medo e cansaço. 

De dentro do meu carro me pergunto se eles sabem para onde estão indo. Há uma silenciosa e triste expectativa. 

Ajuntamento de mães-sem-filho, de velhas doentes, de trabalhadores inutilizados... Assim se parecem. Amparam-se uns nos outros com suas sujidades. Desvalidos.  É possível vê-los infalivelmente ali, nas calçadas, com suas olheiras e papadas.

Um barulho! Breve comoção. Não, nada de nave espacial. Só um caminhão sujo que lhes abre a  boca. Então embarcam um a um, úmidos da noite, em conformado silêncio. Eles sabem do que se trata mas aceitam ir.  Preferem ir

Morro de pena dos sacos de lixo.

10 de fev. de 2015

Colecionar sonhos

Às vezes me irrito com essas pessoas que nos mandam sonhar mas ao mesmo tempo nos advertem - veementemente - de que temos mais é que viver o presente. Elas precisam saber que quem se põe a cultivar sonhos acaba dando um tempinho no presente. Porque os sonhos são justamente o que nos ajudam a aguentar o presente sem precisar pensar demais.

Não acho que todos precisemos de sonhos. Basta que tenhamos bons planos. Gosto mais de planos do que de sonhos - e não me venha dizer que é a mesma coisa.

Planos não envolvem necessariamente fantasias fabulosas nem são o centro da nossa vida.  Planos são apenas um caminho escolhido entre tantos outros. Se não der certo a gente encontra outro plano e segue em frente. Já os sonhos grudam na alma e nos perseguem até quando dormimos.

Planos a gente escolhe. Sonhos nos sequestram.

Para nossos planos temos roteiro e GPS. Para os sonhos não. A gente não consegue nem saber onde começam e onde terminam. São desfocados do começo ao fim. São bonitos mas meio turvos e sem objetividade. Não tem forma definida nem cabrestos.

Você pode sonhar a vida toda e não fazer nada. Já os planos, eles não aceitam de você tamanha passividade.

Pra sonhar basta não ter o que fazer. Já para ter planos é preciso pelo menos uma caneta e um papel. E uma calculadora.

Não sou contra sonhar. Sou é contra essa coisa de acharem que é possível cavalgar em sonhos e ao mesmo tempo viver intensamente o presente.

4 de fev. de 2015

Manhã calma



O sol me espreita por trás de algumas nuvens cinzentas. Parece rir.  Ele vai e vem, indeciso entre brilhar e dormir. Acho que ele ainda não acordou direito. Sei que isso não é real, mas a impressão dessa manhã é de que está tudo bem e brotam esperanças pelos cantos das ruas. De vez em quando alguma esperança cresce, vinga, se estabelece e coisas boas acontecem. Aqui onde moro é bem silencioso, embora seja o centro da cidade. Amo o silêncio e amo o sol brincando de esconde-esconde.

3 de fev. de 2015

Profanação


Gosto de museus  mas me sinto culpada quando os visito. Sinto uma coisa meio estranha enquanto transito por seus corredores arrastando minha curiosidade mórbida. Esbarro distraída em todos aqueles espíritos antigos e tristonhos como se fossem nada. No entanto eram pessoas, tinham sentimentos e não vieram ao mundo para nos entreter.

Me parece condenável tirar aquelas fotos gaiatas enquanto vou espiando, tossindo, vasculhando  e tentando me apossar de segredos de família. É mau querer completar os pontos obscuros das suas histórias a meu bel prazer. E é insana a facilidade com que passamos a acreditar em nossas próprias conclusões quando tentamos completar as lacunas das suas vidas. Como se todos fôssemos pura lógica... Não somos. Ao meu redor tudo é surpreendente, estranho e encantador.

Pelos corredores encontramos, aqui e acolá, versões mal costuradas de personalidades enigmáticas. Penso agora que talvez tenham sido cobertas por falsos enigmas e só posteriormente envoltas em mistérios que agora são vendidos como souvenires. Nosso desconhecimento atribui a eles mistérios que jamais o foram enquanto viviam. Talvez eles tenham sido pessoas simples e previsíveis, só que insistimos em nos encantar com o a parte que não tivemos acesso. Como em qualquer fofoca de vizinhos passamos a julgar os mortos como se detivéssemos informações privilegiadas e suficientes, como se tivéssemos convividos com eles. Pesamos suas motivações sabendo que eles não podem se defender. Atribuímos-lhes falas e gestos que não presenciamos. Transformamos registros tendenciosos de história em oráculo.  Divertimo-nos com isso tudo como se eles fossem saídos do mundo Disney. É como se, depois de mortos, eles passassem à categoria de "desenho animado".

É uma forma estranha de desrespeito isso de entrar em palácios para revirar angústias. Eu não gostaria que hordas de estranhos invadissem meu lar para reduzir a história da minha família a uma tese furada ou mero entretenimento.

Ninguém sabe se realmente se divertiam naquelas festas ou se choravam escondido. Talvez tenham sido maus por puro medo. Talvez tenham sido bons. Talvez - muito provavelmente  - tenham sido as duas coisas, como todos nós.

Ninguém sabe das ânsias que percorriam aquelas carnes brancas envelopadas em brocados herméticos. São fantasmas saqueados, abusados pela indústria do entretenimento.

Sei lá, acho que isso incomoda alguém em algum lugar. Na eternidade deve haver algum lugar de castigo reservado especificamente para os turistas.

Eles eram reais, aquela era a casa deles, seu lugar íntimo onde você jamais entraria se ainda estivessem vivos. Lar é um lugar sagrado. Nenhum lar deveria virar museu.

Meio estranho o que digo... mas é isso que sinto. Você não?

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