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3 de fev. de 2015

Profanação


Gosto de museus  mas me sinto culpada quando os visito. Sinto uma coisa meio estranha enquanto transito por seus corredores arrastando minha curiosidade mórbida. Esbarro distraída em todos aqueles espíritos antigos e tristonhos como se fossem nada. No entanto eram pessoas, tinham sentimentos e não vieram ao mundo para nos entreter.

Me parece condenável tirar aquelas fotos gaiatas enquanto vou espiando, tossindo, vasculhando  e tentando me apossar de segredos de família. É mau querer completar os pontos obscuros das suas histórias a meu bel prazer. E é insana a facilidade com que passamos a acreditar em nossas próprias conclusões quando tentamos completar as lacunas das suas vidas. Como se todos fôssemos pura lógica... Não somos. Ao meu redor tudo é surpreendente, estranho e encantador.

Pelos corredores encontramos, aqui e acolá, versões mal costuradas de personalidades enigmáticas. Penso agora que talvez tenham sido cobertas por falsos enigmas e só posteriormente envoltas em mistérios que agora são vendidos como souvenires. Nosso desconhecimento atribui a eles mistérios que jamais o foram enquanto viviam. Talvez eles tenham sido pessoas simples e previsíveis, só que insistimos em nos encantar com o a parte que não tivemos acesso. Como em qualquer fofoca de vizinhos passamos a julgar os mortos como se detivéssemos informações privilegiadas e suficientes, como se tivéssemos convividos com eles. Pesamos suas motivações sabendo que eles não podem se defender. Atribuímos-lhes falas e gestos que não presenciamos. Transformamos registros tendenciosos de história em oráculo.  Divertimo-nos com isso tudo como se eles fossem saídos do mundo Disney. É como se, depois de mortos, eles passassem à categoria de "desenho animado".

É uma forma estranha de desrespeito isso de entrar em palácios para revirar angústias. Eu não gostaria que hordas de estranhos invadissem meu lar para reduzir a história da minha família a uma tese furada ou mero entretenimento.

Ninguém sabe se realmente se divertiam naquelas festas ou se choravam escondido. Talvez tenham sido maus por puro medo. Talvez tenham sido bons. Talvez - muito provavelmente  - tenham sido as duas coisas, como todos nós.

Ninguém sabe das ânsias que percorriam aquelas carnes brancas envelopadas em brocados herméticos. São fantasmas saqueados, abusados pela indústria do entretenimento.

Sei lá, acho que isso incomoda alguém em algum lugar. Na eternidade deve haver algum lugar de castigo reservado especificamente para os turistas.

Eles eram reais, aquela era a casa deles, seu lugar íntimo onde você jamais entraria se ainda estivessem vivos. Lar é um lugar sagrado. Nenhum lar deveria virar museu.

Meio estranho o que digo... mas é isso que sinto. Você não?

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