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28 de jan. de 2015

Dormindo...




Madrugada. Pedi a noção da hora e do tempo. Essa é a maneira mais eficaz de entendermos o que é eternidade: eternidade é quando o tempo não passa; ou não passa de uma ideia distante. É quando o tempo vira um presente distraído, sem pretensão de ser eterno mas sendo. E o tédio é esquecido.

Não há tédio na eternidade, porque tédio pressupõe um gotejar constante do tempo. Só que a eternidade não goteja.

Penso em coisas doces que só são doces porque assim pensei.  Sou seduzida pela ideia de que as pessoas todas estão dormindo e ao dormir estão sendo inocentadas. Ninguém é mau dormindo.

Madrugada é quando todos nos tornamos tão desprotegidos e inocentes quanto as crianças. Oito horas sem disputas nem mágoas nem crimes, ódios, cansaço, medo, egoísmo, luxúria.  Oito horas sem dor ou traição. É nessa hora que os anjos descem do Céu para passar bálsamo nas feridas das pessoas ou simplesmente passar-lhes as mãos pelos cabelos.  E enquanto isso sugerem sutilmente em seus ouvidos sonhos mágicos que terão o poder de satisfazer-lhes todas as insatisfações.  

A cidade vira um imenso berçário. Como condenar alguém enquanto dorme tão mansamente e desarmado?  A morte só deveria ter permissão de chegar durante o sono, quando ninguém tem pecado. Felizes os que morrem dormindo.

É nessas horas que chego a acreditar que há uma salvação para a humanidade.  Me ocorre que assim, desprevenidos, todos poderíamos ser reprogramadas para o bem. Um novo chip.

Gosto de pensar que agora todos estão sendo acometidos de um sonho lindo, lindo de morrer! E quem sabe cada uma dessas pessoas vai se comover muito com o sonho e acabar se convencendo de que precisam muito mudar o mundo.  Um anjo com voz doce pode sussurrar coisas irresistíveis nesses ouvidos distraídos derretendo até o mais empedernido dos corações. Talvez uma linda música seja o suficiente...

Aí ...   aí esses bebezões acordam, leves como a leveza, leves como o perdão, como se tivessem dormido por mil anos.  E assim, como que por nada, uma vontade de perdoar torna irresistível o ato de perdoar. Disso resulta que de cada relacionamentos brota uma primavera atrasada, com flores desencontradas e encantadoras e todos se esquecem de cobrar dívidas.  E, "do nada", todas as exigências dos dias passados se tornam absurdas demais para serem levadas a serio. 

O que as impede de acordarem melhores? Nada! E se essa ideia for uma premonição?

O que convenceria as pessoas invencivelmente? 

Me disseram que sonhos mudam tudo. E quem pode contra os sonhos? Eles pousarão sobre nossas cabeças como mosquitos dourados contra os quais ninguém pode lutar.   Uma dessas madrugadas pode ser a madrugada fatal que mudará nossos destinos. 

E assim, noite adentro, começo a achar que um milagre gigantesco está minando as pessoas e eu assistirei tudo, encantada, tão logo o dia surja.  "Amanhã será um lindo dia da mais louca alegria que se possa imaginar" - já cantou o profeta Guilherme Arantes. 

A madrugada esvaiu-se. E eu não estava  acordada. Tampouco dormindo. Não sei onde estive ou como estava, que fui capaz de acreditar numa contaminação milagrosa desse gênero. Agora, com o barulho das buzinas, toda a fé ingênua me abandona como se tivesse sido apenas um encosto distraído que esbarrou onde não devia.

Bom dia.

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