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30 de set. de 2008

Pedaços

Queria ter a determinação da Madonna
A simpatia da Ivete Sangalo
A beleza da Ana Paula Arósio
No meu próprio coração.

Queria ter a fluência do Maluf
A animação da Hebe
A inesgotável esperança da mamãe
E ainda os meus próprios filhos.

Escrever como Machado de Assis
Ser iluminada como Vinícius de Moraes
Ter a sensibilidade tocante do Chico Buarque
E continuar querendo entender as pessoas.

Queria a capacidade de renúncia de São Francisco de Assis
A força interior de Joana D'Arc
Falar de Jesus como o Pastor Rosivaldo
E ainda ter o mesmo passado de cuidadora de bebês.

Amar como Florbela Espanca
Como Mandela, ainda conseguir sorrir depois de tudo
Ter as mãos benfazejas de uma massagista
Ainda em minha pele morena.

Queria ser tudo o que sou
E mais o que não tenho
Sem com isso deixar de ser
Essa Cristina que você não conhece.


Cristina Faraon


28 de set. de 2008

Lá se foi mais um...

Não ando por aí chamando de bonito qualquer mais-ou-menos que apareça. Quando eu carimbo de lindo - Selo de Qualidade Cristina - é porque é mesmo e não tem discussão. Pois o Paul Newman sempre elevou-se sobre a humanidade como um dos homens mais bonitos que já "conheci". Bonito demais, indiscutivelmente másculo (virtude rara), o charme em pessoa. Tesouro. Deus o tenha.


Veja aqui mais algumas fotos delezinho.
A notícia de sua morte - 01
Notícia de sua morte - 02
Assista uma entrevista.

27 de set. de 2008

Fumando em nome de Deus



Esses dias fui à igreja (não digo o nome nem sob tortura) e ao final do "evento" o grupo musical tocava umas músicas em volume tão alto mas tão alto, que minha vontade era ... era... era fazer e dizer coisas que Cristo não aconselharia. Aquela barulheira me inspirava a agir contra o Evangelho. Era horrível, estressante. Por que não nos inspirar a um momento final mais gostoso? Porque não cooperar com os agradáveis reencontros e conversas com os amigos? Porque inviabilizar isso tudo e tornar nossos últimos minutos na casa de Deus em algo desagradável? Por que nos expulsar daquele jeito?

Tentei inutilmente conversar com algumas pessoas mas foi em vão. Gritei, irritei minha garganta, maltratei meu ouvidos... Conclusão: não tenho vontade de pisar naquele lugar no próximo domingo.

Acho o seguinte: casa de show é casa de show, boate é boate, trio elétrico é trio elétrico, feira é feira e igreja é igreja. E tem mais: "barulhar" no ouvido dos outros não é menos errado do que fumar "no pulmão" dos outros. Ambas as coisas são desagradáveis e prejudiciais à saúde. Não pense que, por o barulho ser feito "em nome de Deus", ele se tornará menos nocivo.

E tenho dito.

Cristina Faraon

20 de set. de 2008

Olhos de Fogo

Acho que esta sou eu com meu vestido amarelo de verão. Foi na década de 30 e nem sei como meu pai permitiu que eu saisse assim, para ser tão demoradamente observada por você.

Debaixo do chapéu meus cabelos negros e limpos não se deixam observar nem serem tocados sequer pelo vento. Pensei que um dia o verias solto em nossa alcova de casados... Naquela manhã ele apenas se enroscava, tranquilo guardião da minha nuca.

Creia que esta fui eu quando tinha a pele alva e preservava cuidadosamente o caminho dos meus olhos. Sim, te olhava vez por outra. Interpretava uma timidez que não tinha e que no entanto era o meu principal adorno.

Posei pra ti em uma rara manhã. As manhãs contigo eram raras. O sol se movia com vigor para o centro do céu. Meu vestido de crepe levou consigo areia quando levantei e o vento cochichou-te o meu perfume.

Essa era eu com minhas pernas fortes e coxas virgens.

Se meu pai permitisse eu posaria pra você mais vezes e em muitas outras cores. O tempo seria sempre eterno como nos quadros, como na mágica dos teus pincéis. Vez por outra verias meus dentes brancos. Deixaria que me olhasses mas não focaria teus olhos de fogo.

Queria ser a esposa que sonhaste, o sague azul, o corpo imaculado guardado em camisolas de algodão, leves como pele de ovo... e em meu quadril perfeito seriam forjados teus filhos e eu não morreria no parto.

Se eu não fosse a mulata que sou, voltaria a ser marfim de 1930. Deixar-me-ia pintar assim, fingindo ser livre e com uma sensualidade vivaz escorrendo pelo sorriso. Em meu silêncio pareceria a ti que ali mesmo poderia se tua se tão somente me tomasses pela mão.

Em algum recanto de mim sou assim. No olhar que não te lanço, no sorriso contido e nas maneiras suaves sinalizo tudo o que pressentimos que sou. Sinalizo para você, Olhos de Fogo, tudo o que nós sabemos que posso te dar se tão somente me tomares pela mão.

Cristina Faraon

12 de set. de 2008

Árdua garimpagem


É louvável descobrir novos talentos. Três vezes louvável e necessário prestar atenção às novas produções artísticas, sob pena de murcharem nossos cérebros e encolherem-se as nossas almas uma vez viciadas em sentimentos velhos e repisados. Os garimpeiros do novo são os que nos livram do ressecamento de nosso senso de beleza.
Boa sorte aos garimpeiros! Mas não esperem muita cooperação de minha parte. Claro: estou assumindo meu egoísmo e preguiça.

O que é mais prazeroso: garimpar dias e meses até conseguir uma ou outra pepita ou visitar a joalheria e deleitar-se com o que indiscutivelmente é belo, é ouro e já vem com certificado de garantia?

Claro que nem tudo o que se vê na vitrine é realmente precioso mas é muito mais fácil encontrar algo de bom ali, nos carpetes vermelhos e prateleiras de cristal do que escavando terra.

Já li algumas obras de Machado de Assis. Sempre lamento que ele não esteja mais vivo para que eu possa beija-lo, alisar-lhe a estranha barba, bajula-lo e tudo o mais. O cara era o máximo! Inteligente, deliciosamente espirituoso, criativo, cativante, profundo. Ler Machado de Assis é ir direto à joalheria e dar de cara com peças raríssimas, caríssimas e lindas. É o gozo.

Este é apenas um exemplo. Existem numerosos outros. Gabriel García Márquez também é um banquete assim como Sheakespeare, Vinícius de Moraes e Fernando Pessoa. Por que eu gastaria meu precioso tempo procurando agulha em palheiro? Posso encontrar agulha em palheiro? Claro que posso, mas dá um trabalho...

Quando sinto comichões no cérebro não costumo logo aventurar-me pelos garimpos enganosos das livrarias. Não! Bem antes disso vou primeiramente (e comodamente) à lista dos grandes escritores, das grandes obras. É como pescar no aquário. Sou o Garfield das letras.

Não sou um exemplo a ser seguido. Mesmo porque se for seguido a primeira prejudicada serei eu mesma. Gosto de escrever, obviamente de ser lida e adoro imaginar que um dia serei descoberta e saudada pela crítica literária. Como torço para que eles não pensem como eu e que pacientemente me procurem, achem e finalmente consagrem. Quanto a mim... continuarei comendo só o filé do filé.

É certo que os resultados desse método de procura não são cem por cento garantidos. Há casos como “Sonhos de Uma Noite de Verão” que pelo amor de Deus! Mas esse é um caso em cem!

Antigamente eu achava que talvez os autores obscuros fossem vítimas de má vontade ou que uma nuvem de azar lhes perseguisse desde o nascimento. Não é bem assim - e note que eu mesma sou obscura! Lendo os grandes mestres noto que a distância entre eles e o comum é tão grande, mas tão grande, que eu (como obscura que sou) sinto vontade de não escrever nunca mais. Claro que essa vontade logo passa. Eu posso ser reles e eles inatingíveis, mas continuo escrevendo assim mesmo porque a final de contas preciso respirar.

Será que cada um de nós não é aquilo que merece ser? É certo que muitos estrelões só foram glorificados bem depois de mortos, apodrecidos e esfarelados pelo tempo. Tudo é tão relativo! Mas continua a pergunta: haveria mesmo um demônio de injustiça dominando os ares?

Cada um de nós é aquilo que consegue ser, e não adianta espernear. Eu estou escondida nas Serras Peladas da vida... mas como aprecio uma joalheria!

Cristina Faraon

4 de set. de 2008

É show!


Vou tomar banho, me perfumar e passar creme no rosto. Amanhã de manhã vai acontecer novamente aquele evento luminoso no qual a estrela sou eu.

Não estou aqui para me gabar mas admita: não é todo mundo que provoca um ajuntamento organizado e sorridente por onde passa. Eu provoco.

Todos os dias o meu percurso pela Almirante Barroso é um a-con-te-ci-men-to. Claro que já me perguntei o motivo. Não sou má pessoa mas também ainda não fiz nada que merecesse essa reação do público. Mas vou reclamar? Claro que não. Um dia entenderei o que me faz parecer tão nobre. Enquanto não entendo, relaxo e gozo.

Ah amigos, é tão bom ser querida e admirada! Digo isso porque o que mais poderia explicar a emocionada saudação que recebo das árvores todas as manhãs quando passo pela Almirante Barroso? Como explicar os aplausos, os acenos emocionados, a discreta agitação que cresce a partir de quando aponto no Entroncamento?

Qualquer um que esteja por perto no momento da minha passagem verá as árvores se perfilarem e me saudarem emocionadas, vestidinhas de verde, com as folhas lustrosas sem nenhuma poeirinha. Quanto carinho! Algumas vem em turma, outras me acenam mais solitárias mas todas acordam cedo para me recepcionar. Cantam, assoviam, fazem chique-chique enquanto agiram lindamente os galhos à minha passagem. Só não pulam mesmo porque não dá.

Que belo momento...

Tento entender os motivos delas só depois. Na hora "agá" não me detenho nessas questões. Por que desconfiar de gestos de amizade? As árvores gostam de mim e pronto. Tudo o que tenho que fazer é não desapontá-las. Quando me acenam e aplaudem diminuo a velociade e retribuo com o sorriso mais simpático que consigo. É o suficiente. Amanhã estarão lá de novo, cheias de vida.

Já reparei que no Tribunal há três dessas simpáticas árvores, uniformizadas. Elas são mais contidas, claro. Não levantam os braços nem fazem barulho mas o leve aceno, sem muito alarde, já me deixa alegre. Não podem fazer mais do que isso provavelmente por estarem de serviço.

Observo também aquelas que nao podem ir para perto da pista, como as outras. Sei lá como é a hierarquia entre elas mas estas também são tão meigas! Não deixam de comparecer por nada desse mundo. Ficam disputando espaço umas com as outras, debruçadas sobre os muros da avenida, apertadas, me esperando passar. Não há espaço nem para me acenar, tadinhas. Elas apenas arregalam um sorriso verde e brilhoso. Claro que gostariam de chegar mais perto mas mesmo de longe noto como me fitam, tão fofas! As do Bosque Rodrigues Alves são assim. Acho engraçada a briga para chegarem perto. Deveriam deixa-las sair de vez em quando...

Não desfazendo das árvores de serviço nem das contidas pelos muros (segundo escalão) registro aqui meu especial apreço àquelas mais expansivas que sorriem festivas, agitam bandeirinhas à minha passagem, jogam folhas e assoviam. São a alma da festa, certamente. Quando vou me aproximando elas cutucam umas às outras avisando "lá vem, lá vem ela!" Sem elas o evento não seria o que é.

Ainda vou descobrir quem organiza essa festa. Sabe, isso me põe pra cima! Até esqueço os problemas. As árvores da Almirante são super alto astral.

Tenho que admitir: existe uns dez por cento delas que são, digamos assim, menos expansivas. São as mais altas e mais e quietas. Não há vento que as animem. Não sei se isso tem a ver com a idade. Geralmente elas se colocam perfiladas próximo à Doutor Freitas. Bonitonas. Parecem - ou querem parecer - mais nobres.

Sabe, não fico ressentida. Temos que respeitar os diferentes temperamentos, não é? O que importa é a atitude: elas estão lá, firmes e fortes. Não fazem auê mas baixam o olhar quando passo, permitem-se um discretíssimo sorriso e pronto. Pra mim é o suficiente. O simples fato de estarem lá já significa muito.

Todos os dias pela manhã é Sete de Setembro e eu, sozinha, sou a Parada.

Vá para lá amanhã, pra me ver passar! Você vai ver que animação. De repente, vendo você comigo pode até ser que elas lhe joguem umas folhinhas também.

Leve máquina.

Cristina Faraon

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