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20 de set. de 2008

Olhos de Fogo

Acho que esta sou eu com meu vestido amarelo de verão. Foi na década de 30 e nem sei como meu pai permitiu que eu saisse assim, para ser tão demoradamente observada por você.

Debaixo do chapéu meus cabelos negros e limpos não se deixam observar nem serem tocados sequer pelo vento. Pensei que um dia o verias solto em nossa alcova de casados... Naquela manhã ele apenas se enroscava, tranquilo guardião da minha nuca.

Creia que esta fui eu quando tinha a pele alva e preservava cuidadosamente o caminho dos meus olhos. Sim, te olhava vez por outra. Interpretava uma timidez que não tinha e que no entanto era o meu principal adorno.

Posei pra ti em uma rara manhã. As manhãs contigo eram raras. O sol se movia com vigor para o centro do céu. Meu vestido de crepe levou consigo areia quando levantei e o vento cochichou-te o meu perfume.

Essa era eu com minhas pernas fortes e coxas virgens.

Se meu pai permitisse eu posaria pra você mais vezes e em muitas outras cores. O tempo seria sempre eterno como nos quadros, como na mágica dos teus pincéis. Vez por outra verias meus dentes brancos. Deixaria que me olhasses mas não focaria teus olhos de fogo.

Queria ser a esposa que sonhaste, o sague azul, o corpo imaculado guardado em camisolas de algodão, leves como pele de ovo... e em meu quadril perfeito seriam forjados teus filhos e eu não morreria no parto.

Se eu não fosse a mulata que sou, voltaria a ser marfim de 1930. Deixar-me-ia pintar assim, fingindo ser livre e com uma sensualidade vivaz escorrendo pelo sorriso. Em meu silêncio pareceria a ti que ali mesmo poderia se tua se tão somente me tomasses pela mão.

Em algum recanto de mim sou assim. No olhar que não te lanço, no sorriso contido e nas maneiras suaves sinalizo tudo o que pressentimos que sou. Sinalizo para você, Olhos de Fogo, tudo o que nós sabemos que posso te dar se tão somente me tomares pela mão.

Cristina Faraon

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