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25 de jan. de 2008

Namorado novo


Meu horóscopo para hoje, colhido in loco em meu infinito particular, diz que hoje é o dia!

Minha alma pediu arrêgo aos astros que, por sua vez proclamam que hoje é o dia da preparação. Que tudo se cale e que por si se ajeite porque minha alma vai para o spa tirar férias de seu receptáculo.

Nada de explicações por hoje. Qual o sentido de procurar o sentido? O sentido é e continuará sendo o que é em algum lugar e nada eu posso contra ou a favor dele.

Não quero fazer sentido, ora bolas! Hoje abro mão disso para me internar no spa dos desnecessitados.

Para a “paz de dentro” basta calar as múltiplas vozes que nos provocam dia e noite. Pois hoje o senhor Dia e a senhora Noite também estão suspensos.

As vezes precisamos ser drásticos e exigir que os nossos “eus” sosseguem. Isso para quem tem mais de um, como eu. Há universos mais simples, mas essas coisas a gente não escolhe. Ou escolhe? Ah, depois eu penso nisso.

Quem tem mais de um “eu” sabe muito bem que eles falam tanto e argumentam entre si tão apaixonadamente que chega a ser enlouquecedor.

Meus astros dizem que não preciso me submeter a essa disputa. Decidi então que minhas portas se abrirão apenas à Tranqüilidade, que se sentará no sofá dos descuidados em frente ao quadro da criança brincado na água. Quero o sem-pressa do pão fermentando, da formação dos fetos... dos tolos talvez.

O Futuro é um vendedor chato e o Passado é um cobrador inconveniente. Os dois são cargas desnecessárias que não combinam com o astral do dia. Futuro e Passado batem à porta, fazem-se anunciar e já trazem suas pastas abarrotadas de papéis, relatórios e projeções que não me interessam nem um pouco. Pois nenhum dos dois será recebido em meu gabinete.

Depois da Tranqüilidade dar-me-ei o luxo de receber e ficar e curtir o Presente: rapaz novo com sorriso desafiador e sem nada nas mãos. Esse “sem nadinha” é a sutil insinuação de maleabilidade que me instiga. Esse despreparado, que nada sabe e tão dependente de mim... A ele imporei a minha rica experiência e ele se deixará moldar, dócil. É assim que eu o quero, porque posso e porque os astros mandaram. Vou namorar o Presente e deixa-lo bem do meu jeito.

Declaro que a partir de agora nenhuma pergunta procede. Estou feliz? Cheguei ao destino? Como está o balanço de perdas e ganhos? Ora, quem quer saber?!

As folhas se espreguiçam no ritmo de sempre e ninguém espera delas uma nova coreografia; o sol cede a si mesmo para nossas colheitas, corpos e roupas do varal; a água dança, canta e se desfaz em mimos; as nuvens continuam molinhas e fáceis de modelar. Posso e quero juntar-me a eles para ser apenas mais um fenômeno.

Isso mesmo: silêncio! Porque agora eu e o Presente nos uniremos em um único fenômeno.


Cristina Faraon

12 de jan. de 2008

O PERFUME - JULHO DE 1983




Não pensei que aquela sensação fosse possível porque não se tratava de um simples exercício de memória. Não foi um “flash” mas um grande passo além. E nesse passo retrocedi anos.

Na verdade jamais desejei, como outras pessoas, ser novamente criança. Só que quando entrei naquela sala a emoção tomou conta. Do nada, já que nada ali era bonito. Tratava-se de uma sala de madeira com a pintura já gasta. O chão, rústico. A mesa da professora, cheia de livros, era improvisada: juntaram duas mesas menores e “estamos conversados”. Havia um ventilador muito esforçado no teto, cadeirinhas azuis de fórmica com braço para escrita. Simples e comum. Simplesmente comum. O incomum estava no “algo a mais” que despertou meus sentidos como uma espécie de travesseirada emocional: na sala toda havia um cheiro indescritível de criança, caninamente farejado por mim.

Esqueça as colônias infantis. Não é disso que estou falando. Colônia de criança tem cheiro de colônia de criança. Cheiro de criança é outra coisa, mais difícil de descrever do que cheiro de carro novo. Era cheiro de coisa nova, mas que em meus sentidos parecia também cheiro de passado. Jamais confunda “cheiro de passado” com “cheiro de coisa velha”. Há um oceano de diferença.

Cheiro de álbum de fotografias manchado por perfume antigo. Depois vinham as notas de inocência fresca com cheiro de menino que comeu biscoito e acabou de ser abraçado... e mais cheiro de boneca nova, de tinta guache com chocolate, lápis de cera, chiclete, capim fresco, pão quentinho, gotinhas de suor, pele macia, tênis novo, tênis velho, hálito. Hálito de leite com maçã... maçã muito vermelha e fresca, como da Branca de Neve.

Era O Perfume. Entrei no túnel do tempo.

Ou havia algo de mágico naquilo ou amanheci esquisitamente sensível. Talvez as duas coisas.

Emocionada fiquei e caladinha, com nó na garganta. Sabe aquele aperto no coração que pede um abraço, mas uma abraço mesmo? Naquela hora eu precisava urgentemente de alguém que sentisse isso comigo. Eu precisava dividir, partilhar “essa coisa” que apertava meu peito. Poucos minutos depois as crianças, os móveis, os sons e cheiros formavam uma coisa só, um bloco, um petardo que eu percebia, desconcertada.

Até aquele dia eu ainda não havia notado o tempo passar. Estranho dar de cara com a constatação veemente do quanto eu já havia deixado de ser o que pensava que ainda fosse.

É inútil perguntar em qual momento fatídico aquele “espírito de criança” teria sido despejado de sua moradia - e com ordem de quem. Não importa. Naquele momento “ele” voltou sem velas ou mesa branca. Tive a deliciosa impressão de que aquela era a minha sala de aula, aqueles bonecos e letras sorridentes estavam ali para mim.

Ali ninguém notou que eu estava sendo travesseirada e entrando em “alfa”; veio a mim aqueles sopros do passado, aquelas coisas que eram comuns mas agora são relíquias perdidas. Sensações... o esmero em arrumar o material escolar na pasta, a alegria do uniforme novo, a impaciência para que chegasse logo a hora de ir ao colégio, os passos largos de manhãzinha, a expectativa em conhecer novos colegas, o prazer do cheirinho dos livros novos, os cadernos com a letra do hino nacional na contracapa, o cheiro da borracha, da merenda na lancheira e das colônias das outras crianças. Veio uma dor... Dor de dor, sabe como?

Claro que na carona vieram, traiçoeiramente, as lembranças doídas assim como faz a poeira na cola do vento. Lembrei então de coisas há muito esquecidas: insegurança, timidez, da incômoda sensação de feiúra, do futuro sem rosto. Cenas e cenas saltavam e se atropelavam como se tivessem sido espremidas durante anos e agora, eufóricas, queriam ser novamente percebidas.

Já que aquela menina do passado não era mais eu, senti um grande carinho por ela, que me pareceu tão desamparada. Não sei por que. Coisa assim, de mãe para filha. Desejei abraça-la e sei, sei mesmo que ela desejou muito ser abraçada por mim. E por mais isso chorei.

Chorei pra dentro, engolindo em seco. Quem entenderia essa emoção ali, numa reunião de pais e mestres? Eu estava sozinha nessa viagem. Eu e meu segundo bebê, na barriga.

Dali em diante é que incorporei o costume seguir meu caminho espiando o passado vez por outra no retrovisor.

Segurei a onda. Fui para casa com meu lindo barrigão. Não lembro de nada do que foi tratado naquela reunião. Só sei dizer que aquela foi a primeira vez na vida que tive saudade de meu tempo de criança.
Cristina Faraon

9 de jan. de 2008

O luminar



Sempre amei essa pintura. A Criação de Adão - Michelangelo. Vejo nela tanto significado! Em várias ocasiões já fiz comentários a seu respeito, as vezes até com emoção.

Acho belíssima a idéia de que Deus tornou possível o contato com os humanos. Ele estendeu a mão para nós e a partir daí passamos a desejar para sempre o sublime, o eterno, o mistério. Fomos feitos “alma vivente”, usando a linguagem bíblica. Capazes de apreciar o belo, nos emocionarmos, amar.

O toque, o sopro de vida, o acesso ao transcendente...

Acontece que de uns tempos para cá a minha alma está mais para o lado daqui do que para o lado de lá. Mais pra baixo do que para cima. Tenho até vergonha de contar, mas não me contenho e solto o verbo.

Contraditoriamente essa pintura também foi por muito tempo a prova inconteste da minha baixeza animal, primária e rude. Em épocas mais elevadas o que me chamava mais a atenção eram os dedos humano e divino se tocando, numa metáfora belíssima que você já sacou, então não vou explicar.

A verdade é que hoje a conversa é outra. A primeira coisa que enxergo é... o pinto do Adão. Olho para um lado e para outro, vejo se ninguém está me observando e fixo o olhar teimoso no pintinho dorminhoco.

A questão: onde estava o pintor com a cabeça quando resolveu colocar no quadro a imagem desse homão inocente pagando mico diante de multidões? Sim, pagando mico! Por que será que ele fez isso? Por que não arrastou o pincel mais um pouquinho? Não custava nada!
Era para ser maior. Tinha que ser maior. Por que não é maior? Claro que o problema (sim, eu disse “problema”) não foi falta de tinta nem de espaço na tela.

O assunto é sério e clama por reflexão. Aceitemos o desafio.

Primeiro necessário se faz excluir intenção de comicidade do trabalho de Michelangelo. Qualquer um nota que o quadro chega a ser grandiloqüente em sua proposta. Então qual o enigma do pinto mindinho deitado eternamente em coxas esplendidas? Jaz distraído e inocente provavelmente ao som de trombetas e à luz do céu profundo.

Queria o pintor eliminar o efeito erótico de seu trabalho? Se assim fosse, nada mais fácil do que esconder-lhe os “documentos” debaixo de um lençol esvoaçante, tão em moda na época. Mas não! Ele dispensou o lençol e fez questão de que nos deparássemos com essa curiosidade anatômica. Veremos que ele tinha seus motivos.

Observe que Adão não está encabulado mas parece muito a vontade, despreocupado e recém acordado de um profundo sono sem sonhos. Claro, porque o HD dele ainda estava vazio.
Um homem com mais de um metro e oitenta e pesando em torno de noventa quilos precisava ser mais bem dotado. E mais: não tem barba nem pelo algum pelo corpo. É o retrato da inocência segundo Michelangelo.

Tcham! Foi aí, em meio a essas considerações especulativas que uma luz brilhou. Eureca! Era essa a intenção do pintor: confirmar o livro de Gênesis! Esse quadro é o Credo de Michelangelo.
Claro que você está louco para me perguntar como um pinto pode ter tanto a dizer à humanidade. Pois lhe digo que esse pinto-Credo carrega em si um enorme significado, inversamente proporcional ao seu tamanho.

Viu como tamanho não é documento?

Note que Adão não está em posição de reverência contrita. Pelo contrário: a pintura mostra a inocência, a paz e o desassombro da raça humana antes de pecar. A tranqüilidade até infantil de Adão diante do Criador é tocante. Mais tocante ainda é a facilidade com que o alcança - apenas esticando o braço.

Qual a lição? Tome nota: para “alcançar Deus” deveríamos, metaforicamente, ter o pinto de uma criança. Sacou a sutileza? Lembra quando Jesus falou que quem não se tornasse como uma criança de modo algum entraria no Reino dos Céus? Pois então!

Pode olhar a vontade que Adão não está nem aí. Meçam, cochichem, dêem risinhos... Adão leve e elevado, Adão pelado na nuvem ignorando por completo a existência da fita métrica e das multidões que perambulam pelo museu. Deitadinho como um bebê que não sabe que é jovem, bonito, fofo e dá vontade de apertar. E note mais um detalhe: ele faz um gesto característico dos bebês: esticar o braço, estender a mãozinha, querer contato.
Chamo ainda a sua atenção para o fato de bebê recém-nascido não tem senso de distância. Ele apenas vê e estica o bracinho como se tudo fosse possível. Aí também existe uma importante lição: para alcançar Deus isso deve nos parecer perfeitamente possível, bastando que estiquemos o bracinho. Não é lindo? Olhe que amor Adão completamente entretido com o Criador e sentindo no fundo de sua alminha clara que aquele ali flutuando no céu é o seu papai. Nada a declarar, nada a esconder. Na maior moral: peladão e aceito pelo Altíssimo.

Desçamos.

Agora, já com a cabeça erguida, volto-me mais uma para vez para “o centro” desse quadro: o pinto do Adão, que doravante pode ser considerado parte indissociável de todas as religiões, a chave primeira para quem quiser chegar ao transcedente. Não mais um objeto sexual. Não um brinquedo lascivo, não um troço de fazer bebês e subjugar (deliciosamente, diga-se de passagem) as mulheres. Não, meus amigos!

Agora, de cabeça erguida (a minha cabeça!) posso e devo encarar com coragem e emoção essa seta que nos aponta o caminho. Sim, essa é a abordagem correta. Posso agora, sem constrangimento, considerar sua aparência, calcular seu peso, tamanho e textura e mesmo assim estar fazendo um exercício intelectua/religioso/filosófico.

Imaginem vocês quantas pessoas “passaram batido” sem perceberem o tanto de sabedoria contida nesse respeitável membro que, reverentemente observado, coloca o expectador já com um pé na espiritualidade.

Só mesmo um gênio como Michelangelo poderia explorar todo o poder magnetizante dessa imagem, ainda que murchinha.

Essa tela é a muda pregação para a qual a humanidade precisa dar atenção. Devemos prestar a esse pinto o melhor de nossas considerações e coloca-lo, de uma vez por todas, no lugar onde sempre deveria ter estado: no centro. Não no meu! Digo no centro das nossas mais elevadas reflexões!

Cristina Faraon

1 de jan. de 2008

Cristina Lee

Pois é: a cantora Rita Lee está fazendo sessenta anos. Ponto pra ela, que não está nem aí para esconder a idade - ao contrário da jornalista Glória Maria que não mostraria a certidão de nascimento nem diante do caldeirão da inquisição.

Acho um barato mulher que não esconde a idade. Detalhe: eu não sou um barato.

Dizer na lata "eu tenho sessenta anos" é lance de gente bem resolvida e segura de si. Viveu, curtiu, continua vivendo e curtindo e não se sente devedora de nada para ela mesma nem para ninguém. "Me acha velha? O que te leva a pensar que eu deveria me importar com sua impressão a meu respeito? Não estou a fim de você pra nada. Por que cargas d'água você acha que ter sessenta anos deveria representar algum tipo de constrangimento para mim? Eu hein! Vá elogiar garotas de 19 anos, que elas são as que mais precisam disso. Aproveite e dê uma forcinha às coroas inseguras. Tô em outra, meu bem."

Quando a pessoa esconde a idade depõe contra si mesma. É como se não se sentisse bem no próprio couro. Como se houvesse algo desconfortável espetando, repuxando, sei lá.

Um dia serei Cristina Lee. Acreditem que já melhorei muito. Primeiro porque não adianta: se você não diz a idade o espírito de porco que perguntou vai entrevistar seus filhos, fazer contas... É mais digno que o energúmeno saiba por sua própria boca. O segundo motivo é que... Qual é o segundo motivo mesmo?

Hoje, com o espírito mais evoluído, você já pode me perguntar tranquilamente minha idade que, dependendo da posição dos astros e do estado do meu fígado, responderei de uma das maneiras abaixo:

1- Não interessa (resposta já utilizada)
2- Não quero dizer (resposta preferida)
3- Pra quê você quer saber? (uso frequente)
4- Tenho menos que você, com certeza; (resposta deliciosa.)
5- Vá levantar essa informação em meus assentamentos funcionais (essa eu já disse para alguns colegas - e adorei.)
6- Quarenta e uns (só quando estou muito de bem com a vida)
7- Ô falta de educação! Mas lá vai: minha idade é... (sacou o lance? Satisfaço a curiosidade da pessoa ao mesmo tempo em que me vingo com uma estocada.)
8- Minha idade é... (essa é só quando me acordo esfuziante, sentindo-me maravilhosa e coincide de eu ir com a cara do interlocutor. Sinto que esta resposta tem tudo para se tornar a mais frequente em pouco tempo.)


Obs: Acabei de pesquisar o significado da palavra "energúmeno"
(www.kinghost.com.br/dicionario) e tomei um susto. Não sabia que queria dizer "endemoninhado, possesso, violento, fanático. / Pessoa exaltada, que fala, gesticula com veemência." Nossa! Em assim sendo, declaro:


A todos vós que perguntais minha idade, eis que vos digo:
sois certamente mal educados, mas jamais uns energúmenos!

(http://musica.terra.com.br/interna/0,,OI2188307-EI1267,00.html )



Cristina Faraon

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