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12 de nov. de 2020

Ela não vem *




Amanhã é meu aniversário. Estou escrevendo isso na última hora do dia 12.

Uma melancolia estava voando por aí mas veio em minha direção. Esbarrou, grudou.   

Faz tempo que não sinto tanta saudade da minha mãe. Eu precisava hoje mais do que nunca do seu sorriso, do seu abraço, daquele beijo bem de mãe, sabe como?  

Ela gostava dos meus aniversários. Valorizava. Fazia o que podia para me mostrar que, para ela, era um dia especial.  Ela comparecia toda cheirosa e arrumadinha com aquele cabelo branco fofo e bem penteado, pó no rosto e um batom bem discreto. Eu precisava demais receber dela algum presentinho. Estou carente demais. Podia ser qualquer coisa!

Ela me traria um par de brincos? Ou uma colônia? Um livro?   Se fosse um livro ela adiantaria alguma coisa do conteúdo dizendo o quanto ela mesma gostou da leitura, mostrando a página que marcou e explicando o quanto aquela leitura poderia ser edificante. E ela diria essas coisas com o rosto perto do meu, ainda segurando o livro e em voz baixa como se estivesse contando um segredo. Ela fazia assim. Sabia dar a impressão de que tínhamos algo só nosso e que o resto do mundo não precisaria tomar parte. 

O que ela me daria? Um pijaminha cor de rosa comprado com seu pouco dinheiro. Um par de chinelinhos?  Ela iria encher a paciência do Maurício para ele comprar papel de presente quando viesse do trabalho. Porque ela não era de dar presentes sem embrulhar e sem colocar um cartão junto. Sempre tinha um cartãozinho dizendo coisas que nunca mais ninguém vai me dizer.

Ah os cartõezinhos da mamãe! Ela tinha uma letra tão bonita! Ela sorria também com a letra.

Dessa vez está doendo como se ela tivesse morrido ontem. Nos outros anos foi mais fácil. Estou mais emotiva dessa vez. 

Gente, nada era mais marcante na mamãe do que os seus olhos sorrindo junto com a boca. Era um conjunto único que transmitia... tudo!   

O que ela me diria se descesse do Céu só pra me ver?

- "Minha filha! Deus te abençôe! Deus abençôe sua família, os meus netinhos. Deus abençôe suas mãos!   Que você seja sempre uma mulher sábia e fiel a Deus, uma boa mãe, um exemplo. E sempre constante nos caminhos do Senhor!"   Então nos abraçaríamos ao mesmo tempo emocionadas e encabuladas uma com a outra. A gente era assim. Ela me beijaria e me olharia nos olhos, lá no fundo, dizendo em silêncio a parte indizível do que ela planejou me falar. 

Éramos meio tímidas uma com a outra sim, mas seus olhos resolviam tudo. Nunca consegui ser muito carinhosa com ela e eu sentia muita dor de culpa por isso. Mas quando ela me olhava no fundo dos olhos eu me sentia consolada e tão abraçada! Ela dizia sem palavras que sabia, que entendia e me conhecia até a raiz, que me perdoava, que me aceitava, que eu era a menina dela e que sempre me amou mesmo quando eu era o bebê mais feinho do mundo. Ficava tudo entre nós duas. E eu diminuia, ficava pequenininha, descoberta e frágil. Era assim que ela me abraçava com os olhos.

Meu Deus, o que eu mais queria é que ela estivesse aqui para orar por mim antes de cantarmos os parabéns! Pensando nisso agora  é como se ela estivesse aqui bem perto, tentando me consolar. Mas ela não está. Não está.

Eu queria amanhã ganhar um daqueles presentinhos dela.  Um par de brincos?  Um quadrinho pra minha parede? Uma colônia? Uma florzinha talvez. Ou quem sabe uma roupa dela:  

- "Minha filha, eu não pude comprar nada mas te dou essa blusa minha. Gosto muito dela mas já estou velha pra usar. Vai ficar linda em você!"






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