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26 de abr. de 2008

Vil preconceito


Mal tenho coragem de me olhar no espelho depois de tudo. Minha imagem me torce o nariz e fala com desdém: "Você hein! Que decepção! Como tem coragem? Queria que todos os teus amigos soubessem!"

Sim, essa é a voz implacável da minha consciência, que não aprendeu a relevar, só a revelar. Tudo porque num dia desses...

Em um dia desses eu estava purgando parte dos meus pecados em uma sala de espera de um consultório médico. Em dado momento vi entrar uma adolescente.

Ela era linda! A ponto de, mesmo baixinha e muito mal vestida, chamar a atenção de todos - inclusive a minha, que não tenho o menor pendor para ser sapatão.

Sabe essas princesinhas de contos infantis? Pois é. Seu rosto era delicado e os lábios, muito especiais. Pequenos, mas denunciadores. Uma entregação total. O beicinho atrevido depunha contra a imagem de inocência que a visão do conjunto nos impunha de início.
Com a devida produção aquela princesa rôta poderia estar na televisão, em qualquer revista ou propagandas. Que rosto lindo! Que expressão cândida! Que pele clara!
... E que pobre!

Caramba, como uma anjinha daquela poderia andar tão esculhambada?
Se fosse rica e bem vestida sua imagem combinaria perfeitamente com qualquer carrão. Seria o tipo de mulher capaz de dilapidar os bens de qualquer marmanjo que ela mirasse.
Um Jaguar lhe cairia muito bem porque junto com o beicinho estaria agora seu nariz empinado fazendo côro. E ela Atenderia seu celular com as mãozinhas rosadas, unhas transparentes e um adorável ar de enfado. E receberia flores frequentemente porque seus admiradores teriam dinheiro para isso. Seria cortejada por empresários tarados, mas pelo menos endinheirado - duas grandes virtudes! Porque tarado pobre ninguém merece.
Ela esnobaria os casados ricos até levá-los à loucura e, por fim, à desistência; mas aos solteiros... seriam mantidos em coleira ou devidamente empilhados no freezer.
Em sua bolsinha Louis Vutton poderiam ser encontradas quinquilharias graciosas, inúteis e caras.
É... ela demoraria a amar. Mas casaria certamente, pouco depois dos 30 e já farta de baladas. Seus dois filhos seriam paparicados por babás gentis dia e noite. Ela, essa mãe dourada, ensinaria canções em francês aos pimpolhos durante as sessões de massagem.
E ela não pegaria sol nunca; seria eternamente macia, branca, clara e limpa... Sempre. Com o passar dos anos sua idade esvaeceria, tornando-se cada vez menos exata, menos calculável e, por fim, irrelevante.

Puf!

Mas não. Lá estava ela diante dos meus olhos com a pele ainda lisa, mas picada de mosquito. Uma mini saia vulgar, um par de chinelos no mesmo nível, top vagabundo aparecendo a barriga pálida e uma cara de quem não sabe nada da vida. E os cabelos? Compridos, ressecados e estranhamente alaranjados. Unhas roídas. Mas é claro que o "Ceará da Taberna" ou o "Bira das Pupunhas" não se importam com essas sutilezas.
Um homem de sensibilidade veria ali uma deusa. Um Zé-Qualquer não pode enxergar nada além de um magnífico pedaço de carne fresca, pronto para ser fecundado por espermatozóides desdentados.
Acho que ela está na idade, pronta para se apaixonar.
Aquela menina deve ser implacavelmente assediada, dia e noite, noite e dia por todos os machos das redondezas. Que lástima imaginá-la com sua breve juventude toda babada por grosseirões descamisados!

Sabem, imaginei que o destino mais próximo dela seja embarrigar. Parece um carma de meninas assim emprenharem antes dos 22 anos. Quem, com tão poucos recursos e vivência, aguentaria firme o constante bater das ondas? Quem, naquela idade, naquele bairro e vestida daquele jeito deixaria de engravidar?

Acho que no segundo filho de pais diferentes ela vai acabar se juntando com alguém que goste dela de verdade e lhe garantirá refeição três vezes ao dia. Só que ele será ciumento, não lhe dará flores nem a levará a lugares inesquecíveis. Bolsa de marca? Tá doida, mulher?

Tadinha... A chance de chegar bonita aos 40 está próxima de zero.
(Eu sou um monstro...)

Você está me achando abominável, não é? Esqueça essa postagem e não diga a ninguém que eu tive a cara de pau de escrever isso. Não vou nem assinar.

14 de abr. de 2008

Emtiví

Não digo que o estilo “jovem enfezado” esteja de todo fora de moda. Nada disso. Eles ainda fazem sucesso com aquela cara antipática e ar de quem acabou de ser injustiçado. É o estilo “infeliz chique” que mais vemos em capas de CDs de rock e campanhas publicitárias (de produtos caros): “Estou coberto de razão, odeio os meus pais e ainda tenho uma banda.”

Bem, por hoje não vamos nos debruçar sobre esses seres trabalhosos. Estou mais a fim de acusar a existência de uma tribo politicamente correta cujo habitat é o planeta MTV. Para começar aprenda a pronúncia: é EMTIVÍ. Anote aí.

O padrão “Emtivi” é bem alto astral. Isso prova que o tremendo esforço para passar a idéia de descontração vale a pena porque de fato o que a imagem deles sugere é “Uau! Tudo é tão legal!”

Os jovens Emtiví não usam drogas (embora a cara seja de quem fuma, cheira, pica, mastiga, enfia...) e tem pais muuuito compreensivos - e jovens também.

Atenção: se seus pais já estão muito passados da casa dos cinqüenta, você já não se encaixa no padrão Emtiví.

Essea tropa colorida pode ficar na rua o tempo que quiser, dormir onde quiser, tatuar, raspar, alterar, perfurar - tudo isso sem perder o charme nem a mesada. E mais: eles tem quartos muito bem transados do tipo “sou doidinho com estilo”. Claro que no final das contas tudo custa uma baba mas aí é que está: o lance é fazer os desavisados (gente como você) acreditarem que basta imaginação para ter um quarto semelhante.

Um ente “Emtiví” gesticula bastante, fala rápido, fala muito, com segurança, sorrindo, usa gírias novas e nem se cospe! É mole?

Pra não ficar tudo muito parecido há também os nerds de boutique - que não deixam de ser Emtiví, claro. São um contraponto necessário. Não usam quase gírias e freqüentemente se comunicam no dialeto internetês. Atacam de química, esoterismo, computador, causas sociais e tem o curioso hábito de conservar as mãos enfiadas no saco de batatas – digo, no bolso da calça.

Boinas e bandanas são bem vindos. Cavanhaque então, conta vários pontos. No caso dos rapazes, claro. Ainda não estudei o efeito do cavanhaque em uma garota de maria chiquinha e meias listradas. Melhor não arriscar agora. Deixemos isso para as próximas gerações.

A orientação é que os carinhas se vistam como se ainda tivessem dez anos de idade. Tipo "cresci demais e não sei bem como acomodar o fêmur". Já as garotas devem primar por usar roupas provocantes – não do tipo Play Boy, mas daquelas que dizem que “eu não sabia que essa roupa te deixava assim, tio”!

Uma autêntica garota Emtiví jamais dá uma de sedutora. A idéia é fazer com que o cara normal se sinta um depravado que não reparou que você não passa de uma menina sem maldade – ainda que sem calcinha.

Sorrisos insinuantes jamais. Uma “Emtigirl” sabe sorrir como se aquele cara estivesse fitando penas os lindo olhos do ursinho de sua camiseta - que por sinal estão saltando.

Como já deu pra notar são necessários vários itens para ser amiguinho da Sabrina Sato. Tente ser bonito e faça cara de rico. Ou pelo menos faça o favor de usar roupas estranhas e, se o salário permitir, pinte o cabelo de azul. Seja autêntico.

Dica: para ser “autêntico” você precisa ser como um deles, sacou? Observe e treine.

A essas alturas você está se analisando... medindo seu potencial, se olhando no espelho... e lembrando desconsolado dos itens de seu guarda-roupas. É... acho que você está fora dessa.

Tudo bem, sua tribo é outra! Você pode não estar no padrão Emtiví mas e daí? Alguém ainda vai te descobrir. Espere (sentado).

Cristina Faraon

13 de abr. de 2008

Amor, estranho amor...


Faz tempo que ando cismada uma frase muito difundida no meio evangélico: "Eu te amo em Cristo!"

Adianto que não tenho nada contra o amor e muito menos contra Cristo. Acontece que aos meus ouvidos esse lance de "te amo em Cristo" não quer dizer absolutamente nada. É "tipo assim, entende"?

Seguinte: ou você ama ou não ama, estamos combinados? Se não ama fique na sua que está tudo bem. Eu consigo conviver com isso. Se em algum momento comunitário você se constrange em ficar calado tenho umas sugestões. Diga algo como:

- "Te acho uma pessoa legal";
- "Espero que nos tornemos amigos";
- "Sabe, fui com a sua cara";
- "Você é um barato, te admiro";
- "Te acho uma simpatia!"

Eu vos afirmo que "ir com a cara" já é um bom começo para um cristão. Afinal de contas Simpatia é Quase Amor! *. Além do mais não despreze o fato de que adotar as formas mais gentis do "não-te-amo" também conta "lá em cima" por causa do fator sinceridade. Acredite ou não, Jesus dá o maior valor para a autenticidade.

Eu até entendo a dificuldade dos seres "mais elevados". Eles não se permitem ir com a cara ou simpatizar com ninguém porque eles sabem que o cristão tem mesmo é que amar. E agora? Vai confessar que não chegou lá? Simpatizar ou admirar é menos que amar ... Mas como todos sabemos que não é assim facinho que a gente alcança o nível, o cristão se sai com essa pérola: "te amo em Cristo." No sufoco quebra o maior galho mas não acrescenta nada a quem ouve.

Não quer dizer nada... Ou quem sabe queira dizer tudo!

Nas entrelinhas podemos traduzir a chocha expressão da seguinte forma: "Eu não sinto nada de especial por você, aliás nem te admiro. Mais aliás ainda: não vou muito com a sua cara mas como Jesus disse que devo te amar, num lance de fé e querendo acreditar que um dia isso possa vir a ser verdade, lá vai: te amo em Cristo."

Tradução em português bem claro: não te amo coisa nenhuma e valha-me Cristo!

Claro que posso estar errada. Sempre posso estar errada mas vai dizer pra mim que você se sente amado quando aquela pessoinha diz que te ama "em Cristo"? Pode confessar porque não tem ninguém olhando!

É estranho, mas a frase acaba por se tornar uma confissão encabulada ao invés de uma declaração de amor.


- "Eu te amo em Cristo!"
Só pra zoar dá vontade de responder: "Eu também não."

Cristina Faraon

* Simpatia é Quase Amor é um bloco de carnaval brasileiro, nascido em 1985, em meio à campanha pelas Diretas Já... (http://pt.wikipedia.org/wiki/Simpatia_%C3%A9_Quase_Amor)








Amor, estranho amor...


Faz tempo que ando cismada uma frase muito difundida no meio evangélico: "Eu te amo em Cristo!"

Adianto que não tenho nada contra o amor e muito menos contra Cristo. Acontece que aos meus ouvidos esse lance de "te amo em Cristo" não quer dizer absolutamente nada. É "tipo assim, entende"?

Seguinte: ou você ama ou não ama, estamos combinados? Se não ama fique na sua que está tudo bem. Eu consigo conviver com isso. Se em algum momento comunitário você se constrange em ficar calado tenho umas sugestões. Diga algo como:

- "Te acho uma pessoa legal";
- "Espero que nos tornemos amigos";
- "Sabe, fui com a sua cara";
- "Você é um barato, te admiro";
- "Te acho uma simpatia!"

Eu vos afirmo que "ir com a cara" já é um bom começo para um cristão. Afinal de contas Simpatia é Quase Amor! *. Além do mais não despreze o fato de que adotar as formas mais gentis do "não-te-amo" também conta "lá em cima" por causa do fator sinceridade. Acredite ou não, Jesus dá o maior valor para a autenticidade.

Eu até entendo a dificuldade dos seres "mais elevados". Eles não se permitem ir com a cara ou simpatizar com ninguém porque eles sabem que o cristão tem mesmo é que amar. E agora? Vai confessar que não chegou lá? Simpatizar ou admirar é menos que amar ... Mas como todos sabemos que não é assim facinho que a gente alcança o nível, o cristão se sai com essa pérola: "te amo em Cristo." No sufoco quebra o maior galho mas não acrescenta nada a quem ouve.

Não quer dizer nada... Ou quem sabe queira dizer tudo!

Nas entrelinhas podemos traduzir a chocha expressão da seguinte forma: "Eu não sinto nada de especial por você, aliás nem te admiro. Mais aliás ainda: não vou muito com a sua cara mas como Jesus disse que devo te amar, num lance de fé e querendo acreditar que um dia isso possa vir a ser verdade, lá vai: te amo em Cristo."

Tradução em português bem claro: não te amo coisa nenhuma e valha-me Cristo!

Claro que posso estar errada. Sempre posso estar errada mas vai dizer pra mim que você se sente amado quando aquela pessoinha diz que te ama "em Cristo"? Pode confessar porque não tem ninguém olhando!

É estranho, mas a frase acaba por se tornar uma confissão encabulada ao invés de uma declaração de amor.


- "Eu te amo em Cristo!"
Só pra zoar dá vontade de responder: "Eu também não."


Cristina Faraon

* Simpatia é Quase Amor é um bloco de carnaval brasileiro, nascido em 1985, em meio à campanha pelas Diretas Já... (http://pt.wikipedia.org/wiki/Simpatia_%C3%A9_Quase_Amor)








8 de abr. de 2008

14.04.88 – POTINHOS

(Faz tempo que escrevi isso...)

Meus filhos são como o alimento que o Anjo deu a Eliseu: ele teve força para andar por mais quarenta dias.

Meus filhos são analgésico. São obras de arte. A simples contemplação dá prazer à alma. Acaricia-los é um prazer tão intenso quanto o ser acariciada. São pássaros, são flores, vento, borboletas, anjo, cachoeira, céu estrelado, consolo... potinhos de felicidade.

Eles nem têm consciência disso e essa ignorância singela, bem-aventurada, só lhes aumenta a beleza. Sinto-me abençoada por essa água cristalina.

- “ Eu amo a mamãe”.
- “Fica aqui juntinho de mim, fazendo carinho, conversando...”
- “Tá aqui, mãe, uma flor para a senhora!”
- “Quer carinho?”
- “Deixa eu dormir com a senhora hoje?”
- “Mãe, eu gosto tanto da senhora!”
- “Como mamãe tá bonita!”
- “Vou ficar aqui juntinho prá mamãe não ficar sozinha, tá?”
- "Não vou enjoar da mamãe NUNCA!"
- “Tchau, mãiê!”

É simples amar vocês – descomplicado. É como respirar, como piscar, como o pulsar do coração; a gente faz naturalmente, sem esforço e é tão bonito, tão mágico, que chego a duvidar de que seja algo nascido de mim mesma, com direitos autorais, ou se se trata de algum mistério que se apossou de mim e é grandioso demais, não me restando merecimento algum.

Potinhos de mel...
Deus abençôe vocês.

Cristina Faraon

1 de abr. de 2008

O valor de uma mentira



"Naquilo que escrevemos surge o nível do nosso preenchimento, da nossa profundidade, da nossa capacidade de matar a sede do mundo. O texto é a confissão do nosso grau de maturidade. Na medida em que assimilei tudo o que vi e vivi, escrever é abrir as comportas. Confidenciar-me em público. Ou, como dizia o poeta Mário Quintana, numa entrevista: 'Eu nunca escrevi uma vírgula que não fosse confessional'". Gabriel Perissé.

É verdade. E não adianta usar metáforas, figuras cuidadosamente elaboradas, personagens-álibis. Tudo é facilmente desmascarado. Escrever é desavergonhada exposição. Ainda que se escreva o contrário, como se o texto fosse um negativo de foto. Os negativos só enganam os tolos.

Por isso demorei tanto a começar a escrever e outro tanto a mostrar o que eu escrevia. Cruel prisão. A libertação veio nas asas de uma conclusão humilhante: minhas grandes verdades ou minhas grandes mentiras não fariam diferença alguma no planeta Terra. Se tiro a roupa em público ou envolvo-me em mil folhas feito uma cebola, nada apressará ou deterá o ritmo de cada um. Quem bebe continuará bebendo, que ama continuará amando, quem está desempregado continuará aflito.

O consolo para essa libertação humilhante veio em uma nova constatação: ninguém peca quando escreve pois a mais absurda ou a mais pretensiosa mentira sempre será verdade. De certa forma podemos dizer que não existem mentiras completas.

E mais: as verdades escritas são todas suspeitas. Muito suspeitas. Já as mentiras são quase crianças de tão sinceras. Quanto mais tentam esconder, mais revelam. Você conhece melhor uma pessoa analisando suas mentiras do que suas verdades.

A única maneira de contornar o impasse da exposição involuntária é jogar verdades e mentiras, acontecimentos e delírios, tudo no mesmo saco em embaralhar bem. Até você acabar de selecionar uns e outros, separar o joio do trigo, já estarei em outra, já serei outra. Tudo o que eu escrever, com o tempo, deixará de ser eu.

Outra descoberta: o tempo é o melhor álibi.

Cristina Faraon

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