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29 de fev. de 2016

Fernando Pessoa



"Andorinha que vais alta,
Porque não me vens trazer
Qualquer coisa que me falta
E que te não sei dizer?"

27 de fev. de 2016

Anjos e Demônios


Não sabemos de NADA do que se passa nos bastidores do poder. De NENHUM tipo de poder.

Multidão é sinônimo de desinformação e manipulação. Alguém já disse por aí que a tarefa dos meios de comunicação nunca foi informar. Tudo é apenas entretenimento.

Guerras, revoluções, acordos, alianças, valentias, proclamações... Parte das caixas-pretas da história só começam a ser abertas uns 50 anos depois dos acontecimentos e mesmo assim com reinterpretações estranhas. Nada nem ninguém é confiável: nem quem conta a história em seu momento, tendenciosamente, nem quem a conta depois que seus protagonistas calaram e já não podem retrucar. É tudo um novelo repugnante.

Enquanto isso a Verdade sai pela porta dos fundos com sua capa preta...

22 de fev. de 2016

Maré mansa *

Aquele momento na vida em que nenhum lugar é mais desejado do que a casa da gente. Não me convide pra nada hoje, please. 

Meu Deus tô ficando velha! 

Sentindo um prazer enorme em ver o apartamento arrumado, tudo cheirosinho em seu lugar, eu indo do quarto pra sala, da sala pra cozinha, vagabundando de camiseta e calcinha e ninguém enchendo o saco. Meu bairro é silencioso. Olho pela janela e vejo só vejo prédio, retalho de céu, nuvens, antenas e passarinhos pretos; e o terreno baldio onde, nesse momento, milhares de famílias de mosquitos estão se estabelecendo alegremente. Não quero me preocupar com isso. Aqui dentro está tudo ok e eu não desejo sair daqui por nada. Meu mundo, minhas regras. Uma placa: proibida a entrada de mosquitos. Resolvido. 

Não saio. Nem para ir ao cinema. Nem para fazer comprinhas. Encontro-me absolutamente contente, de cabelo e cara lavados, sentada na cama com o notebook no colo. Vez por outra olho o espelho do armário e olho para mim mesma. Às vezes sou minha melhor amiga. Não preciso sorrir.

De repente um breve suspense: será que esqueci de algum compromisso hoje?  Pego rapidinho a agenda e... tudo bem: dia livre confirmado. 

Estou contente e aconchegada em meu lugar seguro, embora eu não possa me livrar completamente daquela sensação de que depois da bonança vem a tempestade. É uma maldade do cérebro ter que me lembrar que ninguém vive na boa para sempre e a gente tem que estar esperando uma bordoada da vida vez por outra. Mas depois penso nisso. Se tiver sorte a bordoada virá por conta dos mosquitos. É a coisa menos cruel que eu consigo imaginar para quebrar essa maré mansa. 



18 de fev. de 2016

A estrela e a lontra

O tempo passa. Tudo bem, todos sabemos disso.  Um tanto deprimente é quando um acontecimento aleatório, eventual, nos tira desse conhecimento teórico para a constatação visual.

Esses dias "reencontrei" no Facebook  uma antiga amiga de colégio de trinta anos atrás. Enviei a solicitação de amizade, disse quem eu era e ela me adicionou. Não se lembrava de mim, ficou claro, mas adicionou.

Ela sempre fez o tipo comportada-chique. Não se metia na bagunça nem em nenhum tipo de baixaria. Não lembro de te-la ouvido falar palavrão. Tínhamos um bom relacionamento mas não eramos íntimas. Estávamos sempre juntas porque ela sempre sentava ao meu lado - nunca entendi bem o por quê. Acho que porque eu era apagada e quietinha e ela não queria perder a aura. Conversávamos cordialmente mas sem confidências, intimidades ou risinhos.

Ela era tudo o que eu queria ser. Alta, magra, porte de menina rica. Educada. Pele alva e sem manchas, cabelos escuros, longos, sedosos, sempre limpos. Cabelos perfeitos, corpo perfeito, pele perfeita. O rosto não era perfeito; ela não era exatamente bela de rosto mas estava muito, muito longe da feiura. Seu rosto era muito anguloso, com maçãs salientes e nariz arrebitado muito pequeno. Tinha cara de gato. Mas o conjunto era maravilhoso, fresco e altivo. Nariz sempre empinado mas só por postura: não era metida. Falava com todo mundo, tratava todos bem mas pairava acima de qualquer vulgaridade. Nada sujo a tocava. Acho que nem mosca pousava nela.

Estudávamos em uma escola pública. Isso não quer dizer que a minha amiga fosse pobre. Não era. Naquele tempo as escolas públicas ainda prestavam.

Ela era dessas meninas que todos os meninos querem mas poucos tem coragem. Dessas que tratam todo mundo bem, muito polidamente, só porque é assim que as princesas fazem.

Esmalte e maquiagem era para as fracas: ela não usava. Cara lavada, imaculada. Suas roupas não amassavam, a meia não escorregava (sério!), a blusa não saia de dentro da saia, não grudava lama no sapato, a letra era redonda, os cadernos não faziam orelha. Era filhinha de papai.

Eu era sua melhor amiga, só que ela não sabia.

... Então a vi no Face. O ar sereno e altivo foi substituído por um sorriso simples, alegre e sem mistério. Boa troca. Mas o rosto está cheio de rugas. Meu Deus, quantas rugas!  Os olhos não brilham como antes. Também ficaram menos amendoados. A boca perdeu o atrevimento.O cabelo parecia outro cabelo. Era tudo, menos de seda.   Seu viço foi-se.

Fiquei triste e chocada. Claro que sou uma besta. O que eu esperava trinta anos depois? Só o fato de ter se mantido magra e sem barriga já é um grande feito.

Em seu álbum pude ver uma  foto solitária da sua juventude. Uma única foto que confirmava cada palavra de tudo que eu disse. Lá estava ela, luminosa e fresca. Brilhava serena como uma estrela neon. 

E eu, que me sentia uma lontra...  Hoje ela está menos estrela e eu, menos lontra. A vida nos faz dessas coisas.

11 de fev. de 2016

Momento sensível



Assim, do nada, deu vontade de me abrir e me dar uma humilhada. De leve. Contar pra vocês de uma situações em que simplesmente tenho pena de mim.

Tenho pena de mim quando saio de casa depois de levar um tempão me maquiando. Aí chega uma pessoa super bem intencionada e tenta me ajudar com respeito às manchas de melasma no meu rosto. "Já usou tal produto? Olha, tenha uma amiga que tinha esse problema e se deu super bem!"  A parte comovente dessa historiazinha é ter ficado tão claro, depois de quilos de maquiagem, que não adiantou nada. Dá sim pra ver as manchas e aquela sensação de "agora sim, acho que ficou melhor" é totalmente ilusória. Aí na primeira oportunidade me olho novamente no espelho e juro que não vou mais me dispor a passar o dia todo com aquela sensação desagradável de cara melada se não adiantou nada. Então chego em casa, lavo o rosto e constato pela milésima vez que a diferença agora é tanta, mas tanta, que volto atrás. Vou me maquiar sim até o último dia da minha vida.

O drama maior não é a mancha aparecer. O drama maior é eu me importar com isso e gastar tanto tempo e dinheiro tentando esconder o "inescondível". Pobre Cristina.

Tenho pena de mim também quando chego a acreditar que evoluí. Eu era tão fechada com as pessoas antigamente! - digo a mim mesma. Agora, depois de muito esforço e auto lapidação, sou mais sociável e quem sabe até simpática.Aí um dia, de repente, alguém deixa claro que não fui atenciosa o suficiente  ou que fui um tanto grosseira.  Cai na minha cabeça um balde de desapontamento. Não houve sucesso: meus esforços para ser uma pessoa legal foram inócuos. Odeio concordar, ainda que por segundos, com os que afirmam que ninguém muda, tudo isso é ilusão, cada pessoa é o que é e pronto.  Fico pensativa por um tempo e indecisa entre a delícia de me dar trégua e a delícia de acreditar que posso cultivar e colher, em mim, as virtudes que vejo no outro.

Não consigo ser melhor. Mas essa não é a parte comovente. A parte comovente é eu nadando contra a maré por sentir tanta necessidade de ser o que não sou. É como ver que a maquiagem não deu certo.

O drama maior não é eu ser como sou. O drama maior é não me aceitar assim e estar tão convicta de que vale a pena me importar tanto.

Só mais uma: fico com pena de mim mesma quando constato, na festa, olhando a mesa posta, que não sei aprontar uma mesa de festa de forma minimamente elegante. Tudo parece meio jogado, sem estética nem delicadeza. Tá, mas o que isso tem de mais? Talvez tenha a ver, ainda, com a maquiagem. Não sou uma pessoa fina, não sei ou não tenho a menor paciência para providenciar as inúmeras minúcias que resultariam numa "mesa de revista" -  mas eu quero!

Uma mesa bem posta é bonito e quero ser capaz dessa boniteza. Mas não sou. Por fim olho meio desolada para o fruto das minhas pobres mãos. Queria me filmar olhando pra mesa da festa. Queria filmar só para olhar depois e me sentir pior. Todos temos um pouco de masoquismo.  Pois é: ali, no meio da sala, estampado para todos, está a minha mesa desajeitada e grosseira - como eu.

Novamente digo que a mesa não é problema. A falta de jeito também não seria problema. O problema é o meu olhar desolado sobre ela, um olhar que me escapa  por um segundo mas cato depressa e meto no bolso como se fosse uma borboleta esfarrapada e fujona.

Pois é, taí eu.


7 de fev. de 2016

Amor com sede


Em alguns casos ter vergonha é uma vergonha.  Mas nada é tão reconfortante quanto descobrir que nossos amigos tem as mesmas fraquezas nossas e que, afinal de contas, somos farinha do mesmo saco. Certo dia li  no finado blog de uma amiga a seguinte confissão:

"Quando era criança tinha muita vergonha. Assim como qualquer menina (o). Mas o quê eu tinha vergonha mesmo era de dizer "Eu te amo" para minha mãe. O tempo passou. Continuo passando e o constragimento permanece. Em menor escala, mas permanece. Na verdade, atualmente procuro fazer diferente. Isso porque hoje em dia tento logo falar quando amo alguém. Amor é para ser dito, gritado, esfregado na cara do mundo. Afinal, o único acordo que fiz com a vida foi ser feliz. Se não for assim, me mata logo..."

Sempre me senti assim com minha mãe. Passei a vida tentando dizer "eu te amo" sem palavas mas nunca adiantou muito. Embora as pessoas advoguem que as atitudes falam mais alto - e falam mais alto mesmo -  ainda assim as palavras são indispensáveis e insubstituíveis.

Atitudes devem somar-se às palavras, jamais tentar substituí-las.  "Te amo" sem palavras não passa de uma desconfiança. "Te amo" sem atitude é apenas uma mentira.  O "te amo" verdadeiro é um bem-casado de palavras + atitudes. Tem que pronunciar sim. Não tente fugir disso.

Lamento muito minha desprezível timidez. O castigo para pessoas assim é que jamais sentem o descanso feliz do amor plenamente revelado.  O amor, para elas, vai ter sempre um "quê" tristinho, uma dorzinha, uma sede que não passa. O amor que não se diz é o amor com sede.

Por quê às vezes é tão difícil dizer "te amo"?     É compreensível que nos envergonhemos de dizer "estou com inveja" ou "espero que tudo dê errado em sua vida". Mas o que há de constrangedor em dizer que EU TE AMO?

Por quê tantas coisas que deveriam ser simples acabam embaralhando? Por quê me exponho tanto aqui, no blog? Por quê você não comenta minhas postagens?

Tá vendo? A vida é cheia de mistérios.

2 de fev. de 2016

Desespero e aflição


Há desespero nas águas quando saem dos esconderijos. São frias e assustadas, quase humanas. Dirigem-se à perdição, brancas e magérrimas, geladas como os condenado prestes à execução. Elas vem de um rio escondido, de ventre sofrido e arranhado por mil pedrinhas, revolvido por peixes estranhos, folhas órfãs, galhos e cabelos de moças que desistiram de viver. As águas, elas se jogam num momento de pura coragem e só são vencidas pelo medo quando já estão no ar e não há mais salvação.  Por um momento se desesperam mas depois se entregam, quebram-se,  desfazem-se em milhões de cacos redondos, gotículas de beleza preciosa. Pérolas brancas e fugazes.

Às vezes são leite espumante mas jamais champagne. Não conseguem. Abrem no ar um véu de gotículas, fina rede capaz de acolher um arco-íris inteiro.

Há desespero nas águas
Quase humanas em suas mágoas...

Gosto quando por instantes pairam no nada antes da queda final. Quando por fim despencam, suicidas, sua última visão são as pedras lá embaixo. Trêmulas. Horrorizadas. Parte do véu se desfaz . Há uma fuga envergonhada para as margens dos lagos. Desintegração e adeus.

Há então desespero nas pedras, aflitas, que não lhes pode socorrer. Quantas mortes apararam? Quantos olhos de vidro! Quantos cabelos e vapores brancos já alisaram suas cascas frias!

As pedras queriam ser parteiras mas só aparam o adeus.

Às vezes penso que toda beleza do mundo se despede o tempo todo e nunca chega a ser o que queria. Tudo são abortos sugados para o centro escuro do mundo.


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