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9 de jan. de 2008

O luminar



Sempre amei essa pintura. A Criação de Adão - Michelangelo. Vejo nela tanto significado! Em várias ocasiões já fiz comentários a seu respeito, as vezes até com emoção.

Acho belíssima a idéia de que Deus tornou possível o contato com os humanos. Ele estendeu a mão para nós e a partir daí passamos a desejar para sempre o sublime, o eterno, o mistério. Fomos feitos “alma vivente”, usando a linguagem bíblica. Capazes de apreciar o belo, nos emocionarmos, amar.

O toque, o sopro de vida, o acesso ao transcendente...

Acontece que de uns tempos para cá a minha alma está mais para o lado daqui do que para o lado de lá. Mais pra baixo do que para cima. Tenho até vergonha de contar, mas não me contenho e solto o verbo.

Contraditoriamente essa pintura também foi por muito tempo a prova inconteste da minha baixeza animal, primária e rude. Em épocas mais elevadas o que me chamava mais a atenção eram os dedos humano e divino se tocando, numa metáfora belíssima que você já sacou, então não vou explicar.

A verdade é que hoje a conversa é outra. A primeira coisa que enxergo é... o pinto do Adão. Olho para um lado e para outro, vejo se ninguém está me observando e fixo o olhar teimoso no pintinho dorminhoco.

A questão: onde estava o pintor com a cabeça quando resolveu colocar no quadro a imagem desse homão inocente pagando mico diante de multidões? Sim, pagando mico! Por que será que ele fez isso? Por que não arrastou o pincel mais um pouquinho? Não custava nada!
Era para ser maior. Tinha que ser maior. Por que não é maior? Claro que o problema (sim, eu disse “problema”) não foi falta de tinta nem de espaço na tela.

O assunto é sério e clama por reflexão. Aceitemos o desafio.

Primeiro necessário se faz excluir intenção de comicidade do trabalho de Michelangelo. Qualquer um nota que o quadro chega a ser grandiloqüente em sua proposta. Então qual o enigma do pinto mindinho deitado eternamente em coxas esplendidas? Jaz distraído e inocente provavelmente ao som de trombetas e à luz do céu profundo.

Queria o pintor eliminar o efeito erótico de seu trabalho? Se assim fosse, nada mais fácil do que esconder-lhe os “documentos” debaixo de um lençol esvoaçante, tão em moda na época. Mas não! Ele dispensou o lençol e fez questão de que nos deparássemos com essa curiosidade anatômica. Veremos que ele tinha seus motivos.

Observe que Adão não está encabulado mas parece muito a vontade, despreocupado e recém acordado de um profundo sono sem sonhos. Claro, porque o HD dele ainda estava vazio.
Um homem com mais de um metro e oitenta e pesando em torno de noventa quilos precisava ser mais bem dotado. E mais: não tem barba nem pelo algum pelo corpo. É o retrato da inocência segundo Michelangelo.

Tcham! Foi aí, em meio a essas considerações especulativas que uma luz brilhou. Eureca! Era essa a intenção do pintor: confirmar o livro de Gênesis! Esse quadro é o Credo de Michelangelo.
Claro que você está louco para me perguntar como um pinto pode ter tanto a dizer à humanidade. Pois lhe digo que esse pinto-Credo carrega em si um enorme significado, inversamente proporcional ao seu tamanho.

Viu como tamanho não é documento?

Note que Adão não está em posição de reverência contrita. Pelo contrário: a pintura mostra a inocência, a paz e o desassombro da raça humana antes de pecar. A tranqüilidade até infantil de Adão diante do Criador é tocante. Mais tocante ainda é a facilidade com que o alcança - apenas esticando o braço.

Qual a lição? Tome nota: para “alcançar Deus” deveríamos, metaforicamente, ter o pinto de uma criança. Sacou a sutileza? Lembra quando Jesus falou que quem não se tornasse como uma criança de modo algum entraria no Reino dos Céus? Pois então!

Pode olhar a vontade que Adão não está nem aí. Meçam, cochichem, dêem risinhos... Adão leve e elevado, Adão pelado na nuvem ignorando por completo a existência da fita métrica e das multidões que perambulam pelo museu. Deitadinho como um bebê que não sabe que é jovem, bonito, fofo e dá vontade de apertar. E note mais um detalhe: ele faz um gesto característico dos bebês: esticar o braço, estender a mãozinha, querer contato.
Chamo ainda a sua atenção para o fato de bebê recém-nascido não tem senso de distância. Ele apenas vê e estica o bracinho como se tudo fosse possível. Aí também existe uma importante lição: para alcançar Deus isso deve nos parecer perfeitamente possível, bastando que estiquemos o bracinho. Não é lindo? Olhe que amor Adão completamente entretido com o Criador e sentindo no fundo de sua alminha clara que aquele ali flutuando no céu é o seu papai. Nada a declarar, nada a esconder. Na maior moral: peladão e aceito pelo Altíssimo.

Desçamos.

Agora, já com a cabeça erguida, volto-me mais uma para vez para “o centro” desse quadro: o pinto do Adão, que doravante pode ser considerado parte indissociável de todas as religiões, a chave primeira para quem quiser chegar ao transcedente. Não mais um objeto sexual. Não um brinquedo lascivo, não um troço de fazer bebês e subjugar (deliciosamente, diga-se de passagem) as mulheres. Não, meus amigos!

Agora, de cabeça erguida (a minha cabeça!) posso e devo encarar com coragem e emoção essa seta que nos aponta o caminho. Sim, essa é a abordagem correta. Posso agora, sem constrangimento, considerar sua aparência, calcular seu peso, tamanho e textura e mesmo assim estar fazendo um exercício intelectua/religioso/filosófico.

Imaginem vocês quantas pessoas “passaram batido” sem perceberem o tanto de sabedoria contida nesse respeitável membro que, reverentemente observado, coloca o expectador já com um pé na espiritualidade.

Só mesmo um gênio como Michelangelo poderia explorar todo o poder magnetizante dessa imagem, ainda que murchinha.

Essa tela é a muda pregação para a qual a humanidade precisa dar atenção. Devemos prestar a esse pinto o melhor de nossas considerações e coloca-lo, de uma vez por todas, no lugar onde sempre deveria ter estado: no centro. Não no meu! Digo no centro das nossas mais elevadas reflexões!

Cristina Faraon

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