.

.

2 de jan. de 2021

Seremos todos condenados *



Li um dia desses que, possivelmente, as futuras gerações iriam nos condenar. Embora pareça obvio, fiquei magoada assim mesmo ao pensar em todos os  bebezinhos de hoje transformados em marmanjos julgadores apontando não mais o dedinho, mas o dedão contra nós, frágeis velhinhos. Logo nós, que até tomamos banho mais rápido só para que tenham água no futuro. Nós, que fomos obrigados a abrir mão de comer baby beef para dar o exemplo, tiramos do cardápio as mussuãs, voltamos a lavar copos para não poluir  com descartáveis. Tanta renúncia e eles ainda vão nos condenar no futuro. Bebês ingratos!

Tudo muda e tudo se repete. Não é estranho?

E por quê haveríamos de ser condenados, você perguntaria?  Primeiro porque todo mundo gosta de criticar os mais velhos e jura que faria tudo diferente.  Outro motivo é que como algumas coisas consideradas normais ontem são consideradas absurdas hoje, esse fenômero tende a se repetir.  Antigamente era muito bem aceito possuir escravos porque nem alma eles tinham, ora bolas! Hoje ninguém as tem, então empatamos. Continuamos a ter escravos como antes, mas hoje ninguém mais admite que não tenham a carteira assinada. Isso é evolução.

Marido bater na mulher? Grandes coisas, antigamente! Mas hoje isso não é mais aceito - embora a Justiça tolere bem quando a mulher bater no marido.  Antigamente também era normal os pais baterem nos filhos - que horror! Hoje evoluímos: só os filhos podem bater nos pais.

Hoje em dia ninguém mais deforma os  próprios pés  como as chinesas de séculos atrás. Nossos pés estão incólumes, mas não podemos dizer o mesmo de nossos rostos. Pelo menos ficamos sabendo de antemão que no futuro vão ridicularizar nossas plásticas e botoxes - estamos livres de levar sustos. Minha curiosidade é: o que será deformado futuramente?

Nada como um exercício de imaginação: o que será que nós fazemos hoje e que não será tolerado amanhã? Tenho minha própria lista de palpites:

1-  Não será mais tolerado que uma única pessoa ocupe espaço utilizando um veículo onde caberia cinco mortais. Nossos bisnetos vão nos detonar quando descobrirem que fazíamos isso e ainda reclamávamos do trânsito. No futuro ninguém poderá desfilar com um monstrengo sem ser apedrejado por raio laser. Carro para um será carro para um, quase uma armadura em formato de simpáticos supositórios.  Mas em um futuro mais distante ainda acredito que vão abolir de vez os transportes particulares.

2- Embalagens de uso único? Nem sonhar! "Descartável" será palavrão. Quer comprar biscoito? Leve seu potinho. Quer refrigerante? Leve sua garrafa. E feijão, açúcar, até desodorante. Voltaremos ao tempo das tabernas. Favor não confundir com "tempo das cavernas".

3-   Com a multiplicação da população das mulheres modificadas, vamos chegar a um ponto de esgotamento. Os homens, enjoados da perfeição artificial,  vão morrer de tesão por mulher com peito caído, bunda murcha e ruguinhas. Peito duro = pinto mole.  Assim como hoje não existem chinesas de pés deformados com menos de oitenta anos, no futuro só as velhinhas remanescentes serão siliconadas, lipadas, botocadas e espichadas. E as crianças se espantarão com suas fotos.

4- Todos os nossos costumes em termo de política serão execrados. Vão criar um sistema mais justo e inteligente e rirão muito de nós, com nossas campanhas ridiculamente mentirosas. Os políticos do futuro serão eleitos por concurso público no qual será incluído um teste de DNA para escanear o caráter. Estarão proibidos de discursar. O exame de laboratório falará por eles.

5- Ficar 10 horas praticamente imobilizado em uma aeronave, viajando em condições angustiantes? Não mais. Um dia as aeronaves de hoje serão vistas como navios negreiros.  Os alunos da quinta série ficarão pasmos diante delas, nos museus. Nossos trisnetos ficarão penalizados quando descobrirem como eram os vôos da Gol.

6-  Nossos bisnetos também vão condenas os pais de hoje, que se deixaram manipular pelos filhos.  O caos social se agravará muito até descobrirem que permissividade é um câncer social. Lá no futuro vão ensinar nas aulas de historia que a ditadura dos pais resultou na ditadura dos filhos mas só agora (no futuro) eles conseguiram chegar a um meio termo aceitável.  Mas que os jovens e vão rir das nossas aflições vão, quando os professores contarem, a guisa de exemplo, que antigamente era comum um pirralho sem o menor juízo determinar o horário que seus pais podiam dormir ou  determinar se os pais podiam ou não sair sozinhos (sem eles) a noite.

7- Só não vão rir das nossas superstições. Seremos louvados!  Assim como os babacas de hoje reverenciam as superstições e crendices do passado, as futuras gerações olharão com reverência os pés de coelho de hoje.   Digo isso porque observando a nossa própria história dá pra concluir que no quesito "crendice" e "mistério", a tendência é que não evoluamos jamais.

Um comentário:

Odilon Carlos disse...

Texto leve,interessante e pertinente.

Páginas