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9 de mai. de 2015

Príncipes de sobra



Estou ouvindo um cantor que - dizem - já foi vendedor de rua.  Que feliz acaso o fez sair da invisibilidade para nos presentear com sua voz e canções?   Sua voz é grave, sensual e levemente debochada. Certamente já era  assim quando ele ainda era vendedor ambulante. Ninguém reparou? Não. Por que só enxergamos o que a mídia nos manda enxergar?

Nesse ponto sou forçada a imaginar quantas outras pessoas maravilhosas estão nesse exato momento sendo desperdiçadas pelas marquises, praças, pontes e presídios. Lamentaríamos muito se um anjo aparecesse para nos revelar, em tom grave e apocalíptico, que cada inútil, preguiçoso, viciado ou alienado que encontramos pelo caminho é, na verdade, um incrível feixe de luz não descoberto. Um buquê de poesias não florescidas. Estrelas discretas esperando a nuvem passar. Existe por aí milhares de pessoas incrivelmente talentosas porém invisíveis.

Talvez Deus já tenha respondido há muito nossas orações mas somos cegos e passamos distraídos. Nossa salvação talvez esteja maltrapilha catando piolhos debaixo da marquise. Fico aflita com essas imaginações.  E se eles sabem quem são mas negam-se a nos ajudar só porque ainda não os beijamos?

E se a solução de todos os nossos males sociais dependesse da simples disposição de beijarmos um mendigo fedorento?

Eu gostava muito daquele conto antigo, "O Sapo Dourado". Era mais ou menos assim:

Um lindo príncipe teria aborrecido certa bruxa e por isso tornou-se alvo de uma maldição: seria transformado em um horrível sapo para sempre, destituído então de toda sua beleza, riqueza, conforto e amigos. Assim ele passaria todos os seus dias até a morte, a menos que uma linda moça tivesse coragem de beijá-lo.  Um dia,  vagando à noite pela floresta (não me pergunte por quê) uma linda moça ouve uma voz muito triste vinda do lago.  Era lua cheia, dessas que de tão linda, tão lua e tão cheia emocionam a gente e nos fazem querer mostrar pra todo mundo: "olha que lua linda, meu Deus!" como se houvessem outras luas lindas meu Deus espalhadas por aí... Pois bem, a moça ouviu o canto vindo do lago e, curiosa, foi ao encontro daquela encantadora voz masculina. Quando chegou mais perto percebeu, boquiaberta, que quem cantava não era humano. Viu então o enorme sapo. Parecia asqueroso mas seus olhos eram tão tristes mas tão tristes que a pena que ele inspirava mais pena do que asco. Enquanto cantava chorava e isso era deveras comovente.  Suas lágrimas, antes de rolarem envergonhadas para o lago, cresciam na beira dos seus olhos, paravam trêmulas, azulavam no luar, então desistiam de ser lágrimas e se jogavam no lago.  Mas como ele não podia desistir de ser sapo, continuava a cantar e chorar. Enquanto se comovia, a moça sem sentir aproximava-se dele, como se não comandasse os próprios pés. Quando chegou bem perto ele ouviu seus passos esmagando as folhas. Parou de cantar, muito assustado. Ele parecia ter virado pedra e nenhuma lágrima azul apareceu mais. Arregalou os olhos e, mudo, por um instante quis pular fora. Mas imaginou que se aquela moça quisesse lhe fazer algum mal, melhor que o fizesse logo. Estava cansado de fugir de pessoas assustadas e perigosas.  Quando aquela carinha branca emergiu da vegetação seus olhos se encontraram. Foi quando a menina, percebendo o medo que inspirava, sentiu necessidade de mostrar-se dócil. Pensou em usar palavras amenas mas no estado de choque que o sapo estava nenhum diálogo seria possível. Então deixou-se levar pelo coração e aproximou-se devagar, em passinhos cuidadosos e estendeu a mão para tocá-lo. Ele tremeu mais ainda e tão grande foi o seu abalo que a moça imediatamente colocou as mãos para trás num gesto de "rendição". Mas continuou se aproximando com uma coragem incompreensível. Aquela postura de mãos para trás o acalmava, embora ele continuasse confuso. Quando ela chegou bem pertinho nada disse, apenas beijou-o...  e o que aconteceu em seguida foi muito louco.

Pois saibam os senhores que nossa cidade está cheio de sapos, principalmente à noite. Há um encantamento, uma maldição que os mantém com aquele aspecto grotersco. Mas as maldições estão aí para serem desfeitas mesmo, não é?

Quem se habilita?

Ah quantos príncipes teríamos...

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