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9 de jul. de 2014

Linchar ou não linchar - eis a questão

Somos dia a dia moldados por nossas escolhas. Tudo que a gente faz nos modifica, ainda que não percebamos. Note: um trambiqueiro de décadas vai ficando, aos poucos, com cara de trambiqueiro. Já reparou? Pinguço tem cara de pinguço, malandro vai ficando com os trejeitos de malandro, preguiçoso se movimenta, fala e anda como preguiçoso. Ele pode ser facilmente reconhecido. Quem se prostitui, aos poucos vai dando bandeira claramente. Militar tem jeito de militar, religioso fica com jeitão de religioso. Claro que há exceções e algumas vezes as aparências enganam. Mas só algumas vezes. E só enganam quem é ainda jovem e inexperiente demais. Mas essas são as exceções porque, de um modo geral, todos vamos adquirindo "cara de"  mais cedo ou mais tarde.

A questão que tenho em mente hoje não é se o bandido merece ou não merece levar uma surra amarrado no poste. Quer saber? Até acho que merece. O problema é: e quem vai surrá-lo, será que "merece" se transformar naquilo em que  VAI se transformar?

Acho que é impossível surrar ou torturar alguém sem se modificar por dentro,sem se tornar um ser humano um pouco pior a cada dia.  Não dá pra fazer o mal sem tornar-se vil, sem se manchar e ir tomando a forma de monstro. É isso o que me inquieta.

Minha preocupação aqui não é com o bandido em si, mas com todas as outras pessoas, que não deveriam se deixar arrastar pela mesma maré de sujeira.

Quando vejo fotos e filmagens de linchamentos sempre penso: estamos afundando. A questão não é se "ele" merece mas se vale a pena que aleijemos nosso emocional. Ser vítima de bandido já é suficientemente ruim, mas baixar e baixar e ir descendo cada vez mais ao nível irracional ... aí é mesmo uma lástima!

Não nos iludamos: linchar modifica a pessoa. Embrutece, entorta. Tira a sensibilidade. Mata alguma coisa bonita que todos temos lá dentro desde que nascemos. É como envenenar-se.

A resposta justa à agressão é a agressão. Toma-lá-dá-cá.  É como vejo. Só que a justiça pode ser pesada demais para nós. Porque quem já se embruteceu a ponto de conseguir desfigurar um ladrão é porque está perdendo ou já perdeu uma das características humanas mais marcante.

Urso não tem pena de ninguém nem sente a dor de ninguém. Onça não se põe no lugar da vítima. Cobras e rinocerontes não sabem o que é compaixão.  E são essas coisas que nos diferenciam deles!  Se formos despidos assim de uma fatia tão importante da nossa humanidade, em que nos transformaremos?!  Porque depois de um linchamento ninguém volta pra casa do mesmo jeito nem do mesmo tamanho nem com o mesmo coração. Não nos iludamos.

Repito: o agressor pode até merecer a surra. Merece sim.  Mas ela pode sair caro demais para nós. Sai muito caro deixar-se afundar na mesma lama. Isso traz consequências.

É essa a minha questão filosófica de hoje. Isso me inquieta deveras.

Existe um jeito de sermos justos sem nos mancharmos?

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