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26 de set. de 2007

O laranjinha - um conto bobinho


O mar pode ser comparado a um tipo de céu assim como o céu é um oceano sem fim. As aves são seus peixes. 

Sempre achei que os peixes fossem as aves do mar. No caso dos peixes pequenos e coloridos, sem dúvida que são as borboletas do mar.

Mas não falaremos hoje sobre as borboletas mas aqui vai uma dica: elas são apenas flores que não conseguem ficar paradas.

Voltemos aos peixes. Regra número um: é terminantemente proibido comer peixes coloridos. Certa vez comi um. Sem querer, registre-se.

Foi no ano que fugi para a Praia Secreta. Nem procure no mapa porque não consta. Em lá chegando segui de canoa para uma pequena ilha não muito distante. O som mais alto que se ouvia por lá era o “creu-créu” das aves. Ninguém merece ouvir “creu-créu” o dia todo, então fui nadar. Nadar é preciso.

Era como se eu mergulhasse em vidro líquido. A água não era fria nem quente. Minha alma aquática adaptou-se àquele meio rapidamente.
Nadei com uma desenvoltura incrível e quanto mais eu nadava mais energia havia para seguir adiante. Então fui mais fundo, mais longe, mais fundo e mais longe. Era tudo tão lindo que, instintivamente, prendi a respiração. A respiração, por sua vez, não queria mesmo sair. Ficou lá em suspenso, grudada em meus pulmões implorando por não ser respirada. Tudo bem. Deixemo-la. De maneira semelhante meus olhos se comportaram, recusando-se a piscar.

Bem, lá estava eu totalmente em alerta e hipnotizada com o que via. Talvez ali fosse o Reino das Águas Claras do qual falava Monteiro Lobato. E a gente pensando que o velho estava delirando. Vejam só como são as coisas...

Acho que fiquei uma "pequena eternidade" sem piscar ou respirar. Cardumes e mais cardumes rebolavam em minha frente naquele exibicionismo silencioso tão próprio dos peixes. Havia a tribo prateada, a preta, a dourada, a pintada, os redondinhos, os esguios... Não vi os quadrados. Certamente existem mas são tímidos.

Nenhum queria conversa comigo mas dançavam e dançavam, ensaiadíssimos! Vi também pedras, corais... e uma enorme quantidade de “troços-sem-nome” delicadamente arrumados aos lado de “coisas-sem-registro”. Tudo muito estético. Dos cantos de algumas pedras brilhosas cresciam lindos “o-que-que-é-isso!” para o deleite dos visitantes. No caso, eu.

Distraída, eu quase dei de encontro com um “ai-jesuis”. Virei de repente, ainda a tempo. Foi quando me deparei com um cardume de colorido hipnotizante. Estavam parados me olhando com uma expressão indefinível, talvez se perguntando, lá com suas guelras: “avançar ou recuar?”

Acostumada aos movimentos dançantes das criaturas aquáticas, assustei-me com aquela imobilidade. No susto cometi um erro fatal: abri a boca e “puxei o ar” como fazemos quando ficamos surpresos. Os peixes são mais discretos em seus sustos: apenas dão meia volta e tiram o cardume de campo. Pois é: foi nesse momento que engoli, sem querer, um pequeno “laranjinha”. Pelo tamanho deveria ser um adolescente cheio de vida e sonhos. Nunca me perdoei.

Eles também não me perdoaram. O fundo do mar tem seus encantamentos e códigos de ética.  Não tem "desculpaí" ou “fui mal”  que resolva.  O castigo: fiquei três anos sonhando em preto e branco. Três anos!

Para que você jamais passe por isso deixo aqui esse alerta: nunca, jamais, mas nunquinha mesmo, coma um peixe da tribo colorida. E na dúvida, não coma borboletas também.

Cristina Vieira

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