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10 de nov. de 2011

Aqui da minha sacada


Aqui da minha sacada sempre me comovo com as mil janelinhas iluminadas que vejo nos prédios. Daqui me parecem tão singelas e tristes!

Penso na fragilidade dessas pessoas, recolhidas nos quadradinhos. Não vejo glamour algum nesse baixar de guarda. Estão despidas agora do personagem do escritório. Finalmente podem simplesmente beber água da geladeira e coçar os pés.  Não são mais empresários nem policiais nem bancários. São só trabalhadores, de cuecas, fritando ovo e pensando nas contas a pagar. São só mulheres em trajes caseiros imaginando como será quando não tiverem mais nem um mísero atrativo. Todos precisam crer que essa é a melhor parte do dia. É animador pensar assim, mas a verdade é que ninguém sabe ao certo qual é a melhor parte do dia.

Sinto verdadeira ternura por esses pássaros que voltam com calos e hérnias de disco para as suas gaiolas. Daqui é como se eu os visse a partir de uma outra dimensão, como se eu mesma não fosse um deles. É como se eu soubesse de tudo o que não se realizou hoje e tudo o que será adiado para um amanhã incerto. Daqui percebo e me vem um aperto no coração.

Sinto pena pelas mortes que lhes sobrevirão, pelos abraços que não lhes trará certezas, pelas ameaças, pelo sorriso que devem ao mundo desde quando acordam.  É pesado dever sorrisos.

Então sinto uma vontade pungente de lhes fazer o bem - algum bem. Qualquer bem.  Queria que o meu velar lhes servisse para alguma coisa, lhes trouxesse algum tipo de alento. Queria convencê-los de que enquanto eu estiver aqui olhando da sacada, nada de mal lhes sobrevirá. Correram atrás da vida, protegeram suas crias, merecem descanso.

Amanhã vou colocar um doce debaixo de cada porta. Não será então um bom princípio de dia? Não receberão isso como um bom presságio?

Penso nos que dormem, penso nos que amam. Penso nos casais sem sexo, nos que vão sozinhos para a sacada fumar. Vejo mentes soltas nas sacadas, como papagaios noturnos. Olhares perdido, chinelos moles, espinhas nas costas. Quem dera uma Juliana Paes...

Sou a guardiã, amante e inútil. Velo por esses pequenos seres que se entregam à uma languidez alienada diante das luzinhas azuladas que piscam. Talvez seja bom que alguém os ajude a sonhar. Talvez seja mal.

Digo "boa-noite" mas ninguém me escuta...

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