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2 de ago. de 2014

Alminha

Por favor, não me fale hoje nas crianças maltratadas, famintas ou abandonadas. Não me conte coisas tristes porque estou com o coração pesado. Só por hoje não insista em me fazer acreditar que a chave do mundo está em minhas mãos. Não posso suportar esse peso. Falhei e tenho falhado muitas vez, de forma que hoje o que mais quero é a paz da pequenez e da incompetência.  Às vezes só a nossa insignificância nos consola do que não fizemos.  Só quero seu o animal cansado que volta à toca. Ninguém lhe cobra nada porque, afinal de contas, ele é só um animal muito cansado.

Hoje não me sinto capaz de mudar o destino de ninguém. Hoje preciso descansar a cabeça com a crença de que existe por aí alguém mais nobre, determinado e impulsivo do que eu. Alguém cheio de dons e pródigo em compartilhá-los.  Sobre essa pessoa especial  recairão todas as responsabilidades e a mais nobre das missões. Ele mudará a vida de muita gente, criará ONG's, revolucionará o bairro, abraçará crianças e iniciará programas de ressocialização.  Orarei por ele.

Pelo menos por hoje não me faça crer que minha opinião muda tudo, que meu voto é revolucionário, que se eu participar da passeata o bem vencerá o mal.  Todos sabemos que é mentira. Pare com isso pelo amor de Deus!

E não me fira com um "todos somos culpados". Já me pesam meus próprios erros. Não me responsabilize pelo dos outros. Pegue sua bicicleta, vá passear e deixe os impotentes em paz.

Que o vento bata sobre minhas ideologias e que elas evaporem por uns dias e que assim, livre dos mais elevados ideais, eu seja apenas um ser humano transitando por esse mundo de meu Deus.  O cansaço, às vezes, é muito amigo.

Os cães, os pássaros, as cobras, as flores, os sapos, os cavalos e urubus estariam todos muito cansados e deprimidos se passassem a maior parte das suas vidas tentando ser o que não são. Mas ninguém lhes cobra isso, nem eles mesmos. Bem-aventurados são.

Tenha piedade, só por hoje, da minha alminha envelhecida. Deixe que eu chegue em casa - não me aborde! - e tire os sapatos, ouça minha música preferida e coma um carboidrato sem sentimento de culpa. Deixe que eu acredite, pelo menos por hoje, que não posso ser melhor do que sou, que não estou atrapalhando o curso da história e que tenho feito a minha parte.

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